quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
Fonte: Defensor da Natureza
Efeito do herbicida GAMIT 500 na vegetação do sub-bosque da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis, Santa Catarina. A planta que teve as folhas esbranquiçadas é uma muda da árvore MARIA-MOLE (Rudgea sessilis). Repare as mudas em volta também ficaram com as folhas esbranquiçadas. Foto em 16/11/2013, 45 dias após a aplicação do GAMIT 500. Clique sobre a imagem para ampliar |
Muitos acham que o impacto direto do uso de agrotóxicos fica restrito às áreas de agricultura onde são aplicados e nos produtos agrícolas, como os cereais e as hortaliças, que consumimos. Eu também pensava assim até conhecer os terríveis impactos de um herbicida chamado GAMIT 500, usado nas plantações de tabaco, no entorno da RPPN das Araucárias Gigantes, em Itaiópolis (SC).
Após este herbicida ser aplicado diretamente no solo, a substância ativa clomazone, que é muito volátil, evapora rapidamente e se espalha pelo interior da mata a distâncias de centenas de metros, deixando as plantas nativas, principalmente do sub-bosque, com folhas esbranquiçadas, sintoma conhecido como clorose*, como pode ser visto nas imagens. Algumas espécies de árvores da Mata Atlântica, como CEDRO-ROSA Cedrela fissilis, AÇOITA-CAVALOLuehea divaricata e MARIA-MOLE Rudgea sessilis, são as mais sensíveis. As mudas destas espécies geralmente morrem.
Existe uma formulação mais diluída do produto e uma tecnologia que torna a substância ativa clomazone menos volátil, que é o GAMIT 360 CS, que não causa tanto impacto quanto o GAMIT 500, com a formulação mais concentrada (500 gramas da substância ativa clomazonepor litro) e muito volátil (evapora rapidamente e se espalha para o ambiente). O Estado do Paraná proibiu o uso do GAMIT 500. As companhias de tabaco recomendam para seus integrados que utilizem somente o GAMIT 360 CS, mais seguro.
Geralmente os integrados obedecem à orientação das companhias de tabaco, que os estimulam a adotarem as práticas corretas remunerando melhor a produção para aqueles que seguem as orientações, que ganham até notebooks. Existe uma classificação para os fumicultores, onde o nível A é o topo, o fumicultor integrado nota 10 da companhia de tabaco. Porém nesta questão ambiental há uma distância enorme entre o discurso das companhias e o que o ocorre nas propriedades.
Apenas um fumicultor do entorno da RPPN usa todos os anos este terrível GAMIT 500 e, pasmem, ele está classificado como integrado nível A de uma companhia de tabaco. Todos os demais fumicultores usam o herbicida com a formulação diluída, mais seguro, o GAMIT 360 CS. Eu constatei pessoalmente que esta formulação diluída não deixa as folhas esbranquiçadas das plantas no interior da mata.
Algumas plantas como esta muda de MARIA-MOLE Rudgea sessilis do sub-bosque da RPPN das Araucárias Gigantes são mais sensíveis à ação do GAMIT 500, herbicida aplicado ilegalmente em uma plantação de tabaco do entorno. Foto em 16/11/2013. Clique sobre a imagem para ampliar |
Eu nunca tinha visto um efeito do GAMIT 500 tão devastador como neste ano de 2013. Fiquei chocado ao ver a vegetação tão esbranquiçada. Árvores frondosas com a totalidade das folhas esbranquiçadas, isto é, sem clorofila para realizarem a fotossíntese (as folhas nesta situação caem logo em seguida). Não sobrou uma laranja sequer nos pomares dos moradores do entorno. As fotos desta postagem foram tiradas 45 dias depois, quando não havia mais vestígios da vegetação morta. É provável que neste ano ele aplicou o GAMIT 500 em um dia ensolarado, muito seco e com muito vento que aumentou a evaporação e a deriva.
Eu tentei entender porque este fumicultor, integrado classe A, que tem a disposição alternativas mais segura para todos e tantos alertas, persiste em usar a formulação concentrada do herbicida, o GAMIT 500, que o próprio fabricante adverte que é muito perigoso para a saúde, que exige uma série de cuidados na aplicação, como por exemplo não pode ser usado a menos de 800 das matas nativas e pomares e que após a aplicação ninguém pode entrar na lavoura durante 24 horas. Ocorre que tem uma residência com três crianças a 5 metros da lavoura, do outro lado da estrada, onde ele aplicou o veneno. Ou seja, estas crianças vivem praticamente dentro da plantação de tabaco do integrado nível A.
O preço, obviamente, é uma das razões. Por incorporar a tecnologia que reduz consideravelmente a volatilidade, o GAMIT 360 CS é 50% mais caro do que o GAMIT 500. O GAMIT 360 CS custa R$ 50,00 o litro, enquanto o GAMIT 500 custa R$ 33,00 o litro. A quantidade utilizada, recomendada pelo fabricante para o GAMIT 360 CS, pode chegar até a 3 litros por hectare. As lavouras de fumo ocupam área pequenas, em média 3,7 hectares. Então, este fumicultor deve ter economizado R$ 150,00 por ter optado pelo herbicida mais nocivo à saúde.
Outra explicação que me deram é que a formulação concentrada do herbicida, o GAMIT 500, é mais eficaz em exterminar de qualquer ser vivo do reino vegetal, plantas e sementes. Alguns dias após a aplicação do herbicida sobre a terra nua, as mudas de tabaco podem ser transplantadas e planta cresce e se desenvolve sem a competição de qualquer matinho até a colheita das folhas. Já a formulação diluída e menos volátil do herbicida, o GAMIT 360 CS, que é mais segura para saúde das pessoas e para a natureza, permite que um matinho ou outro germine durante o desenvolvimento do tabaco, necessitando, às vezes, de uma leve capina com enxada, em algumas partes. Um serviço simples e rápido, que não demanda muita mão-de-obra.
A situação da Mata Atlântica é grave e neste momento crucial para salvar as poucas áreas que restam, as companhias de tabaco poderiam ser grandes aliadas se na relação com seus integrados a questão de proteger a Mata Atlântica entrasse também como condicionante, mas lá na propriedade do integrado e não apenas nas notas divulgadas para a imprensa e nas promessas para autoridades. Creio que não é muito difícil chegar para este integrado nível A e dizer: “Olha, se você aplicar novamente o GAMIT 500 na safra de 2014 vamos rebaixá-lo para o nível B e pegar de volta o notebook”. Garanto que uma medida desta seria eficaz para resolver o problema.
*A clorose, em botânica, é a condição de uma planta, em que as suas folhas não produzem suficiente clorofila. As folhas apresentam uma coloração diferente da normal: verde pálido ou amarelado. Pode provocar a morte da planta devido à menor capacidade desta produzir carboidratos.
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