29 de janeiro de 2011

Bicicletas fabricadas com bambu conquistam alemães

Projeto nasceu na Universidade Técnica de Berlim e já ganhou as ruas da capital alemã. Os precursores na Alemanha dizem, no entanto, que as "bamboo-bikes" sugiram há mais de 100 anos.

 
Se você usa a bicicleta como meio de transporte, certamente já possui uma grande consciência ambiental. Agora imagine se tivesse a oportunidade de fabricar sua própria bicicleta, e ainda pudesse utilizar um recurso renovável como matéria prima. Em Berlim, os ciclistas já comemoram a novidade que nasceu dentro da Universidade Técnica (TU): asbamboo-bikes.
O bambu é uma planta geralmente confundida com madeira por possuir um caule lenhificado.As bicicletas fabricadas com o quadro desse material surgiram na Alemanha em 2008, através da Grüne Uni, um grupo de pesquisa, vinculado à TU, que trabalha com energias renováveis, biomateriais e sustentabilidade.
Em pouco tempo, a pesquisa se transformou em outro projeto independente, e os precursores das bamboo-bikes em Berlim criaram uma oficina especializada na fabricação desse tipo de transporte. E o melhor: eles passaram a oferecer workshops aos interessados em fabricar a própria bicicleta.
Bambu alemão
De acordo com Thomas Finger, estudante de Tecnologia Aeroespacial da TU e um dos fundadores da oficina, a iniciativa pretende fabricar o maior número possível de bicicletas a partir de recursos naturais renováveis. "Nosso objetivo é produzir bicicletas não apenas a partir do bambu, mas também de outros tipos de biomateriais, como a madeira e as plantas da espécie Cannabis", ressalta.
O estudante também explica também que as bicicletas de bambu não representam uma invenção alemã. Segundo ele, elas começaram a ser fabricadas há mais de 100 anos por uma firma inglesa, e hoje também são vendidas nos Estados Unidos.
Apesar de já utilizarem bambu cultivado na própria Alemanha, os responsáveis pela oficina contam que também utilizam bambu vindo da Ásia, África e América Latina. Os fornecedores da matéria prima geralmente são arquitetos e outros profissionais que trabalham com sustentabilidade.
Faça você mesmo
Para participar do workshop Berlin-Bamboo-Bikes não é preciso conhecimento prévio sobre montagem de bicicletas. Basta apenas fazer a inscrição e atentar para alguns detalhes. "Nós pedimos geralmente que os participantes tragam peças de antigas bicicletas que serão juntadas ao quadro de bambu, e roupas adequadas para trabalhar com um tipo de cola especial", orienta Finger.
No workshop realizado em Berlim, 25 participantes fabricaram a própria bicicletaNo workshop realizado em Berlim, 25 participantes fabricaram a própria bicicleta
Os cursos são realizados geralmente em um final de semana, e um dos procedimentos mais importantes para garantir uma bicicleta de qualidade é utilizar uma tinta especial que vai proteger o bambu de eventuais chuvas. O custo total de um workshop, incluindo a própria bamboo-bike, é de 222 euros e o dinheiro é destinando à manutenção da oficina.
Para quem tem dúvidas sobre a capacidade de fabricar a própria bicicleta, os coordenadores do projeto são bastante enfáticos. "Fazer uma bicicleta de bambu é como assar um bolo, ou seja, qualquer um pode fazer e nós ainda a garantimos que você sairá daqui com um produto de qualidade", afirma Tobias Rudolph, um dos instrutores do workshop.
Nas ruas da capital alemã, as bicicletas de bambu conquistam cada vez mais adeptos e orgulham os responsáveis pela disseminação da idéia no país. "As pessoas sempre me param para fazer perguntas sobre a bicicleta. Quando eu saio de casa, bastam apenas uns 30 minutos para que eu seja abordado por alguém", orgulha-se Johannes Fischer, dono de uma das primeiras bamboo-bikes da capital alemã.
A novidade também já se espalhou por outras cidades alemãs e até em países vizinhos. Segundo os instrutores do workshop, as últimas edições já contaram com participantes vindos de cidades como Bremen e Mannheim. Para o próximo workshop, marcado para fevereiro de 2011, já estão até inscritos participantes da Suíça.
Reconhecimento pela iniciativa
Para os idealizadores da iniciativa Berlin-Bamboo-Bikesé importante enfatizar que a substituição do automóvel por qualquer tipo de bicicleta já representa um grande avanço para reduzir a emissão de CO2 na atmosfera. No entanto, o grupo faz questão de ressaltar as vantagens para quem quer contribuir ainda mais para combater o problema.
"A fabricação dos quadros de bambu pode diminuir ainda mais os gastos de energia para a fabricação dos quadros de metal. Além disso, essas bicicletas são mais leves e atingem a mesma velocidade das bicicletas fabricadas pelas indústrias", afirma Fischer que, depois de trocar a bicicleta de alumínio pela bamboo-bike, acabou envolvido no projeto.
Além de ter ganhado a simpatia dos ciclistas berlinenses, as bicicletas de bambu também já foram apontadas como uma idéia inovadora para o país. Em abril de 2010, o projeto foi incluído no "Alemanha – País das idéias", uma premiação do governo federal que aponta experiências inovadoras na área da ciência, economia, arte e cultura.
Autor: Dayse Freitas
Revisão: Augusto Valente
Fonte: DW

Mais sobre o tema:

 
 

28 de janeiro de 2011

Reação em cadeia contra a licença a Belo Monte


A concessão de licença de instalação específica dada pelo Ibama ontem, dia 26, ao consórcio Norte Energia (NESA) – que, em outras palavras, permite a construção de canteiros e acampamentos da usina hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu, PA – gerou uma série de reações contra a decisão em mídias sociais e meios de comunicação. A licença autoriza também a  implantação de estradas de acesso, áreas para estoque de solo e madeira e realização de terraplanagem. Para iniciar as obras, entretanto, o consórcio ainda precisa de outra licença de instalação.
Uma das manifestações foi a do sociólogo Sérgio Abranches. Em seu comentário de hoje na rádio CBN, Abranches argumentou que o Ministério Público Federal do Pará havia recomendado ao Ibama que não fragmentasse o licenciamento para acelerar o processo, porque as exigências para a licença prévia não haviam sido cumpridas. De acordo com Abranches, a licença parcial (parte do que deveria ser uma licença completa) não existe na legislação ambiental brasileira.
Rio Xingu, em área onde deverá ser instalada a usina. (Foto: Divulgação
Conservação Internacional)
Ele, assim como organizações como Conservação Internacional, que publicou na semana passada um documento contestando a construção da hidrelétrica, afirma que Belo Monte não será a segunda maior hidrelétrica do Brasil ou terceira do mundo – como alega o governo federal. A suposta capacidade instalada de 11.233 MW de eletricidade não seria alcançada, chegando a uma produção anual máxima de 4.420 MW. Além disso, diz Abranches, a obra não custará R$ 19 bilhões, mas em torno de R$ 30 bilhões, segundo estimativas.
“Tenho conversado com especialistas em energia, diretores de empreiteiras e empresas do setor elétrico, economistas e investidores. Todos dizem que o projeto não é bom, nem do ponto de vista econômico-financeiro, nem do ponto de vista energético”, afirma Abranches.
Outro fato recente e controverso no processo de liberação da obra foi a saída do então presidente do Ibama, Aberlardo Bayma, há duas semanas, no dia 12 de janeiro. Bayma justificou o pedido de demissão dizendo que sua decisão era movida por “motivos pessoais”. Antes dele, a saída de Roberto Messias Franco do cargo em abril de 2010 já havia sido associada às pressões por liberação de licenças ambientais.
O site ((o)) Eco também publicou hoje reportagem informando que, na manhã de ontem, o Ibama havia negado à reportagem acesso ao processo nº 02001.001848/2006-75, relativo à usina, alegando que o documento estava desatualizado pela falta de pareceres mais recentes. Abranches também publicou artigo no site posicionando-se contra a decisão do órgão.
Greenpeace também se manifestou contra a licença, em sua página e no twitter. Em artigo intitulado “Cheirando Mal”, o responsável pela campanha de energia da organização no Brasil, Ricardo Baitelo, reforça o argumento de que a capacidade da usina não é a alegada pelo governo. “A previsão é que a geração da usina ficará a dever no período da seca, o que fará com que a hidrelétrica tenha um aproveitamento muito abaixo da média das usinas no Brasil”, diz.
No Twitter, já existe uma campanha, no endereço #parebelomonte, de mobilização contra a medida do Ibama. Organizações como o escritório brasileiro da Amigos da Terra estão difundindo a iniciativa na rede social. cadeia contra a licença a Belo Monte

26 de janeiro de 2011

Código Florestal e politicagem


Por Darci Bergmann

O Código Florestal brasileiro tem suscitado um amplo debate nos últimos anos. De um lado ambientalistas e grande parte da sociedade civil e de outro lado produtores rurais. Os primeiros defendem a manutenção do texto, tendo como argumento que a sua descaracterização trará ainda maiores impactos sobre o meio ambiente. De outro lado, os proprietários rurais - e aí se incluem grandes latifundiários - argumentam que teriam que arcar com os custos de demarcação de reserva legal e áreas de preservação permanente - APPS.

Qual a importância de manter o texto básico do Código Florestal?

A lei florestal é antiga e remonta ao ano de 1934, ainda no governo de Getúlio Vargas e tinha como objetivo a proteção dos ecossistemas, a conservação do solo e as bacias hidrográficas. Na prática, sua execução foi parcial, haja visto deficiência de fiscalização, corrupção de agentes e a omissão do Estado que não a tornou política pública prioritária. Disso resultou um verdadeiro descalabro ambiental que transformou muitas áreas, que deveriam ser preservadas no interesse da sociedade e das gerações futuras, em solos degradados, rios assoreados e perda de biodiversidade.
Se o Código Florestal tivesse sido aplicado ao pé da letra, certamente muitas tragédias ambientais não teriam ocorrido ou pelo menos seriam  atenuadas em termos de vítimas humanas e perdas patrimoniais. 

Sobre as alegadas perdas de áreas para plantio existem distorções que visam confundir a opinião pública.

Parte dos produtores rurais alega ainda que teriam prejuízos por não poderem ter renda nas áreas de preservação permanente e de reserva legal. Mas isto pode ser resolvido de outra forma, que é a instituição de um fundo que permita o pagamento pelos serviços ambientais dessas áreas. Os serviços ambientais são reconhecidos pela sociedade e esta, no seu conjunto, deve pagá-los, desde que os proprietários cumpram os dispositivos da legislação florestal. Já existem experiências bem sucedidas no Brasil.
 O Brasil pode aumentar a produção agropecuária sem desmatar e ainda preservando e recuperando as áreas de preservação permanente e reserva legal. Isto porque existem milhões de hectares de terra degradados e que precisam ser recuperados para a produção agropecuária. Portanto, não é o texto atual do Código Florestal que prejudica os proprietários rurais como querem fantasiar certos políticos.

Há poucos dias, eu estava numa roda de produtores rurais. A conversa enveredou para os últimos desastres ambientais no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e, mais uma vez, Santa Catarina. As mudanças climáticas foram o cerne da conversa e, por conseguinte, a legislação florestal. No grupo, alguns produtores defendiam que o Código Florestal aplicado na prática poderia amenizar as consequências dessas tragédias. Outros alegaram que isso não faria muita diferença e que a população das cidades  também era responsável por essas tragédias, pois ocupava de forma irregular áreas impróprias e depositava lixo nas periferias. Então, percebi que todos os produtores rurais daquele grupo tinham casa na cidade. Fiz a observação de que talvez a maior parte do agronegócio é tocado por produtores que moram nas cidades. Constatei ainda que mais da metade do grupo já havia perdido terras para custear dívidas com os bancos e fornecedores de insumos. Então argumentei que não é o Código Florestal o responsável pelas perdas de áreas para o plantio e que haviam outras causas.
Foi aí que um dos produtores concordou com a minha observação e ainda acrescentou que as entidades de classe deveriam rever essa posição de intransigência em relação ao Código Florestal. E emendou que tem deputado que só fala em prorrogar dívida e que  nessa conversa, ano após ano, muitos vão perdendo as suas terras. Disse ainda que, se os produtos colhidos tivessem preço justo que cobrisse os custos e deixasse uma pequena margem de lucro, haveria menos quebradeira no campo   e menos concentração de terras. 
Pelo menos ali, em meio a pouco mais de uma dezena de produtores rurais, ficou claro que o Código Florestal vigente não é o bicho-papão como alegam alguns. 

Como surgiu toda essa polêmica? Quem está fomentando o ataque ao Código Florestal?

Os mais interessados em fragilizar o Código Florestal são grandes proprietários rurais, entre esses donos de empresas de insumos e outros ligados na exploração madeireira. Aí se incluem também algumas empresas imobiliárias.  Os pequenos e médios proprietários são envolvidos nessa polêmica pelos latifundiários que estão de olho nas suas terras. Deputados e senadores, custeados por latifundiários e alguns empresários do agronegócio, mobilizam a mídia e jogam pesado contra os ambientalistas, alguns desses também produtores rurais. Os pequenos produtores não bancam financeiramente esses políticos, mas lhes asseguram mandatos através dos votos
 Tenho ouvido de muitos pequenos produtores que eles aceitariam ajuda financeira como recompensa pela preservação de áreas de preservação permanente e de reserva legal. Esses produtores não querem sair do campo e temem perder as suas terras caso tenham dívidas. Porque então não investir num fundo ambiental e que terá uma função social extraordinária em manter o homem no campo, tornando essas áreas inalienáveis? 

Mais sobre o tema:         

23 de janeiro de 2011

Países se comprometem em Berlim a controlar preços de alimentos

ECONOMIA | 23.01.2011



Reunidos em Berlim, 50 países acordaram reduzir os excessos especulativos no mercado internacional de alimentos, vistos como uma ameaça à alimentação da crescente população mundial.

Os governos de diversos países pretendem agir energicamente contra as fortes variações nos preços dos alimentos. A volatilidade de preços pode ser uma ameaça à segurança alimentar, afirma a declaração final da reunião de ministros da Agricultura de 50 países, divulgada na noite deste sábado (22/01). Eles estiveram reunidos em Berlim por ocasião da Semana Verde, maior feira mundial da indústria alimentícia e agrícola.
No documento, os ministros afirmam que uma formação "livre e transparente" de preços é indispensável. Os ministros também assumiram o compromisso de aumentar e melhorar a produção de alimentos. Além disso, uma produção alimentar regional e sustentável deve ter prioridade.
Revoltas da fome?
Durante o encontro em Berlim, a ministra alemã da Agricultura, Ilse Aigner, alertou para a ameaça de revoltas devido à fome em países mais pobres. Para a ministra, o tema alimentação mundial deve ter um destaque maior no cenário internacional. Nesse contexto, o encontro em Berlim não foi o "ponto final, mas o início de uma nova discussão nos grêmios internacionais".
Aigner e seus colegas de pasta apoiaram a sugestão do ministro da Agricultura da França, Bruno Le Maire, para que o tema seja incluído na agenda do G20, grupo que reúne as mais importantes nações industrializadas e emergentes. "Eu espero que, até o fim do ano, nós encontremos soluções concretas", disse Le Maire.
Participantes de protestos em Berlim disseram estar Participantes de protestos em Berlim disseram estar "fartos"
Pagável ou não?
O cerne das discussões do encontro foi a questão de até que ponto é possível, a nível mundial, disponibilizar alimentos a preços acessíveis. Nas últimas semanas, os aumentos de preços levaram ao temor de que uma nova crise alimentar possa se desenvolver. Em alguns países, a elevação dos preços dos alimentos acabou sendo motivo de protestos sociais, que levaram até mesmo, na Tunísia, ao afastamento do presidente Ben Ali.
O crescimento da população mundial também pode significar um grande problema. Segundo estimativas oficiais, essa população aumentará dos atuais 6,9 bilhões para 9,1 bilhões de pessoas até 2050.
"Estamos fartos"
Milhares de manifestantes protestaram durante o encontro em Berlim em prol de uma mudança radical da política agrícola. Sob o slogan "Estamos fartos", os manifestantes exigiram alimentos produzidos de forma saudável, justa e livre de manipulação genética. Além disso, defenderam uma agropecuária orgânica, campesina e não poluente para a Europa e para o mundo.
CA/dw/dpa/afp/dapd
Revisão: Alexandre Schossler
Fonte: DW

21 de janeiro de 2011

Cunha-Porã e os bandeirantes de olhos azuis

Por Darci Bergmann


Era por volta do ano 1950. Eu estava com quase dois anos de idade, quando meu pai decidiu sair de Linha Sampainho, então município de Lajeado, no Rio Grande do Sul. Meu pai, assim como muitos gaúchos, rumou para o extremo oeste catarinense, onde as terras cobertas de florestas eram oferecidas pelas empresas de colonização por preços módicos. A colonização de Cunha-Porã começou em 1929, pela Cia Territorial Sul Brasil, dirigida pelo engº Carlos Culmey. Os lotes de terra em Palmitos já estavam todos vendidos e uma nova colônia foi projetada pelo engº Culmey, já em 1928.  Por todos os lados daquela região catarinense abriam-se picadas e os assentamentos foram surgindo, entremeados por vilarejos, embriões das cidades que seriam depois.
Assim nasceu Cunha-Porã. Lembro-me do cenário, quando a vila ainda pertencia a Palmitos, da qual depois se emancipou, tendo como prefeito provisório Bernardo Max Bartz, em 20 de julho de 1958. O primeiro prefeito eleito foi o comerciante Arnaldo Krambeck. 
Mas deixo um pouco de lado a história política da cidade. Quero aqui registrar as minhas impressões e da maneira mais fiel possível sobre uma época e um cenário do qual eu saí e reencontro 53 anos depois. É um choque que remete a emoções, surpresas e a constatação inevitável de que passamos pelo tempo e se a natureza não muda o estado das coisas a civilização humana o faz. Essas mudanças tem aspectos positivos, enquanto vistas pela ótica do que se supõe ser o progresso, com a tecnologia avançando sobre o que antes era natural e tinha o seu ritmo próprio. Mas traz questionamentos quando se percebe que a ocupação civilizatória deixa feridas abertas no meio natural. Sim, hoje até se fala em desenvolvimento sustentável, como se querendo conciliar o avanço da civilização com a preservação ambiental possível.



Os índios chegaram antes de nós

Por relatos dos mais velhos, fiquei sabendo que índios caigangues, do grupo dos guaranis, já habitavam aquela região, assim como parte da Argentina e do Paraguai.  Daí surgirem nomes como Cunha-Porã, que significa mulher bonita, Cunhataí, Caibi, Iporã e tantos outros. Lembro vagamente que eu tinha medo dos índios, já todos convertidos aos costumes dos colonizadores. Quando eu encontrava um grupo deles sentia um arrepio na espinha. Alguns falavam parcamente algumas palavras em português e perambulavam vendendo balaios e outros utensílios para os citadinos e colonos. Adotaram também alguns maus costumes como o consumo de bebidas alcoólicas, talvez um escape pela perda da sua identidade cultural. Alguns colonos diziam que eles não queriam trabalhar e faziam um julgamento pejorativo daquela gente que era pioneira em terras americanas. Certa vez vi uma cena que até hoje está bem acessível na minha memória. Eu estava lá pelos meus sete ou oito anos. Uma índia solitária havia bebido alguns tragos de cachaça e ficara sentada no chão, encostada numa parede. Seu olhar vagava perdido na paisagem. As vezes ela baixava a cabeça e apoiava sobre os joelhos como meditando. Alguns meninos se acercaram da índia, curiosos, penalizados quem sabe. Ninguém faltou com respeito e a índia ficou horas por ali sem ser molestada. No entanto, lá pelas tantas, a índia encolheu as pernas e o longo vestido e sem perceber deixou à mostra as partes íntimas. Seu corpo estava coberto apenas pelo longo vestido vermelho e nada mais. Isto foi o suficiente para que a gurizada espiasse aquela cena  com interesse inusitado. A contemplação durou pouco porque as mães daquela época eram muito vigilantes e conservadoras. A gurizada foi instada a sair dali, ainda que se tratasse de uma rua, ou quase isso. Em decorrência desse fato, perdi o medo dos índios – eles eram gente como nós. Mais tarde percebi que esse povo tinha outro modo de vida e vivia da coleta de frutos, da caça e da pesca. Tirava da natureza todo o seu sustento. A sustentabilidade se dava porque a população indígena naquela região era pequena, nômade e o meio físico comportava o seu modo de vida. Já li coisas de autores que acusaram os índios brasileiros de depredadores, pois que faziam as coivaras, ou seja, queimadas controladas para o plantio de milho e mandioca principalmente.  Mas convenhamos, é preciso olhar as proporções dos fatos. Era muito menos gente, portanto uma densidade populacional baixíssima e não havia o consumismo insaciável desses tempos de hoje. Nem o uso abusivo de agrotóxicos, marca registrada de uma agricultura muito mais predatória. Os colonos almejavam produzir, usando meios ainda rudimentares de arar a terra com o arado de boi e também faziam uso sistemático das queimadas.

Bandeirantes de olhos azuis





Os colonos que chegavam repetiam a saga dos bandeirantes no que se refere a conviver com a Natureza ainda intacta. A natureza não era hostil, tanto que os índios, ou bugres como eram chamados, entranhavam-se na selva repleta de animais considerados como agressivos pelos descendentes de europeus daquela época.  Os mosquitos, as serpentes venenosas, as onças-pintadas, os porcos-do-mato e outros animais estavam no seu ambiente de sempre e a periculosidade que lhes atribuíam era motivo para alguns subjugarem a natureza, dominando-a para o reinado absoluto da espécie humana. Esta visão de mundo tinha sido estimulada desde a vinda dos portugueses e até o texto bíblico por vezes era invocado para justificar a ocupação das terras e os desmatamentos sem qualquer controle. O paraíso existia ali e tinha gente convivendo com ele, mas a ideologia da civilização já estava delineada numa espécie de economia de mercado e globalização que se expandiu com o avanço da navegação marítima. Assim, era questão de tempo para que os avanços tecnológicos, com a indústria automotiva descoberta na Alemanha e a fartura de petróleo, acelerassem a ocupação das terras ainda virgens em muitas partes do Planeta.Não foi diferente no Brasil e em especial no Extremo Oeste de Santa Catarina. As cidades floresceram com base na pujança da agropecuária e das indústrias alimentadas pela matéria prima local. As estradas eram abertas na base de pás e picaretas e os tocos arrancados com ajuda dos bois. Mas logo em seguida, lá pelos anos 1940, os caminhões já penetravam naquelas áreas de difícil acesso em muitos trechos e dali retiravam madeiras de pinho (Araucaria angustifolia) e de outras espécies nobres, hoje escassas e valiosíssimas.
Naquela época, havia quem derrubasse as matas e a maior parte da madeira era queimada. O intuito era limpar a área e fazer o plantio de milho e feijão com as semeadeiras manuais num primeiro momento. Depois, com o destocamento, os arados de bois eram utilizados no amanho da terra.
As serrarias, movidas com as máquinas a vapor - as mesmas das locomotivas dos trens tipo maria fumaça - eram numerosas. Dali saia a madeira para a construção das casas e galpões e também as pranchas de pinho que depois eram levadas para o Rio Uruguai em Mondaí e outras localidades, formando as balsas.O então Instituto Nacional do Pinho determinava que a exportação dessa madeira não poderia se dar sob a forma de toras brutas.
Outras espécies nobres eram levadas na forma de toras diretamente para os pontos de amarração das balsas e depois, com as enchentes, desciam pelo Rio Uruguai até São Borja. 
Eu tinha uns oito anos e acompanhei um tio meu de nome Jacó na derrubada de uma enorme araucaria seca no meio da mata virgem. Ela seria transformada em tabuinhas para cobertura das casas.As telhas de barro eram escassas nessa época. Tio Jacó só derrubava árvores secas e justificava isso dizendo que quando eu estivesse crescido, os matos daquela região estariam quase extintos, assim como os pinhais. Tinha consciência de que a fartura de madeira nativa não continuaria por muito tempo, como de fato se constatou mais tarde.  
O contato com esse cenário é que me sensibilizou na adolescência para escolher uma carreira voltada ao meio rural, com forte inclinação para o tema ambiental e valorização das matas. 


Descendentes dos Bergmann, Renner e Kempfer







Outras fotos de Cunha-Porã







20 de janeiro de 2011

Abaixo o Refrigerante

Sejamos sinceros: na hora do almoço, no lanche, no jantar, ou ao longo do dia é difícil resistir  ao bom e velho refrigerante, não é mesmo? Em festas, então nem se fala – às vezes, fora os drinks, eles são a única opção. Muitas dúvidas surgem quando o assunto é refrigerante. Cada vez mais presente na mesa do brasileiro, esse tipo de bebida é consumido entre todas as faixas etárias e classes sociais. Mas quais podem ser os efeitos desse consumo para nossa saúde? Que relação os ¨refris¨ podem ter com a temida celulite? Os refrigerantes da onda diet, light e zero são saudáveis?
Os refrigerantes possuem como ingredientes, o açúcar ou adoçante no caso dos light, água gaseificada, extrato de cola ou suco de laranja ou de limão ou extrato vegetal de guaraná, cafeína, corante, acidulante, conservantes, aroma natural ou artificial, entre outros. Para começar eles contêm ingredientes que nada contribuem para a saúde.
O açúcar e o adoçante (no caso dos light) provocam a queima de vitaminas e minerais que são eliminados pelo organismo no processo de metabolização dos refrigerantes. Em excesso, aumentam as taxas de triglicerídios. E por falar em exagero, quanto mais cafeína o refrigerante tiver, mais adrenalina será produzida pelo nosso organismo. Assim sendo, o cérebro passa a ¨pedir¨ mais carboidratos e açúcar para que a glicemia seja mantida e adrenalina, balanceada, dando início a um círculo vicioso.
Outro ingrediente perigoso é o ácido fosfórico. Ele reduz a absorção de cálcio, podendo comprometer a manutenção da massa óssea, o que é péssimo para as mulheres. Imagine quando a menopausa chegar, trazendo ainda mais desgaste aos ossos! Isso sem contar que os refrigerantes são ricos em corantes, acidulantes, conservantes e possuem teor altíssimo de sódio. O mineral causa retenção de líquidos, elimina cálcio e reduz a disponibilidade de magnésio na circulação, facilitando a formação de gordura corporal.
As pessoas que consomem muitos refrigerantes diariamente  podem ter sérios problemas musculares e até cardíacos devido à queda do nível de potássio no sangue – o que ocasiona câimbras, debilidade muscular, palpitações e até o extremo de provocar transtornos do ritmo cardíaco – revela um estudo publicado pelo “International Journal of Clinical Practice”
Podemos dizer que o refrigerante é uma bebida nutricionalmente pobre. Bebê-lo com freqüência só faz aumentar a ingestão de calorias vazias que não acrescentam nenhum nutriente ao organismo. Fique ligado porque um copo de refrigerante comum possui em média 85 kcal e um copo de suco de laranja natural possui cerca de 90 kcal. Porém, é fundamental perceber que um copo de refrigerante não possui nenhum nutriente e o suco de laranja possui inúmeras vitaminas e minerais que são fundamentais para o bom funcionamento do organismo, evitando assim doenças relacionadas à má nutrição.
A maior preocupação, no entanto, é se o aparecimento da celulite e o ganho de peso ocorrem por conta do consumo de refrigerantes. Não há estudos que comprovem essa relação, mas é sabido que uma dieta desequilibrada com consumo excessivo de açúcares, gorduras e ingestão ineficiente de água e fibras, bem como sedentarismo e a predisposição genética, estão relacionados ao aparecimento da celulite.
Já o ganho de peso se dá devido ao desequilíbrio entre o consumo e o gasto de calorias. Alimentos e bebidas com alto valor calórico podem colaborar para o desnível calórico, fazendo com que o número de calorias ingeridas seja muito maior do que o gasto.  Isso sem contar que o excesso de açúcar contido nos refrigerantes é rapidamente absorvido pelo organismo, estando relacionado também ao aumento do risco de obesidade e de diabetes tipo 2.
Os refrigerantes lights e diets também não são indicados por conterem diversos edulcorantes artificiais, que sequer conseguem ser metabolizados pelo nosso organismo e seus efeitos podem ser nocivos em longo prazo. Além disso, versões light e diet de refrigerante necessitam inúmeros outros aditivos químicos para mascarar o sabor residual dos adoçantes e conservar o refrigerante, caso contrário o sabor do adoçante se deterioraria.
Por essas e outras, o consumo diário de refrigerante não é recomendado. Mas o preocupante é que ele tem justamente deixado em segundo plano bebidas saudáveis como sucos naturais, água de coco e a própria água, essencial para o ser humano e grande aliada no combate à celulite e ao ganho de peso. Que tal, então, virar esse jogo? Evite o refrigerante, mesmo as versões zero e light, e invista em bebidas mais nutritivas e saudáveis. Os sucos são ótima pedida, aproveite a variedade de sabores disponíveis para encontrar  o de sua preferência e esbanjar saúde. Fone (49)3324-0885

Fonte: Jornal Sul Brasil ( Seção Saúde, página 3), edição de 28/12/2010 , Chapecó/SC

17 de janeiro de 2011

Tragédia no Rio era previsível, mas falta à sociedade cultura de prevenção

BRASIL | 13.01.2011


Subordinação à especulação imobiliária e aos interesses da indústria da construção civil, e negligência do governo na construção de habitações sociais são causas da tragédia no Rio de Janeiro, diz professor da UFRJ.

A dimensão humana da tragédia provocada pelas chuvas no estado do Rio de Janeiro é mostrada também na Europa, nas imagens de rios que se abriram em encostas e da busca e resgate das vítimas. Até a tarde desta quinta-feira (13/01), haviam sido contabilizados mais de 350 mortos e as chuvas persistiam.
O grande volume de água provocou deslizamentos de terra nas cidades serranas de Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis. O governador do estado, Sérgio Cabral, declarou que recursos estão sendo providenciados para a reconstrução dos municípios – importantes centros turísticos – que sofreram "em função de uma força da natureza, combinada com ocupação irregular do solo".
"Com todo respeito ao governador, essa é uma declaração absolutamente tola. A culpa pelas tragédias desse tipo não é da natureza. (...) Não existem tragédias naturais, só existem tragédias sociais, que se resumem na forma em como a sociedade organiza a ocupação e sua relação com o ambiente", contesta Carlos Vainer, especialista em planejamento urbano e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
As cidades mais afetadas têm em comum o fato de se localizarem em áreas montanhosas, na cadeia da Serra do Mar. Segundo pesquisadores, a região sofre há décadas com ocupação ilegal e irresponsável. O próprio governador teria culpado as prefeituras por não coibirem as construções em áreas de risco. 
Tragédia anunciada
No início de 2010, a imprensa mundial acompanhou o resgate dramático de centenas de corpos em morros onde casas, e mesmo bairros inteiros, foram soterrados pela lama. "Esta é a crônica da tragédia anual anunciada", lamenta Vainer.
Para Rubem Cesar Fernandes, presidente da organização não governamental Viva Rio, mais do que a presença do estado, a participação civil também é fundamental. "Embora seja um fenômeno recorrente, a sociedade brasileira não tem uma cultura de prevenção arraigada. O estilo de ocupação é muito informal, ela é espontânea, sem controle, sem orientação de políticas públicas."
Mais uma vez, fica comprovada a inexistência de política de controle de ocupação. "E quando a tragédia vem, não temos uma cultura de pronta resposta. É como se o governo fosse responsável por tudo. A defesa civil não é bem equipada, em geral, para enfrentar o tamanho do problema. É preciso uma revolução cultural", reivindica Rubem Cesar.
Ao lado do poder público, escolas, igrejas, associações de moradores e organizações locais precisariam participar mais desse trabalho de prevenção e de convencimento das pessoas sobre os riscos que enfrentam ao construir ilegalmente, sugere o presidente da Viva Rio.
Imagem aérea mostra região de deslizamento em TeresopólisImagem aérea mostra região de deslizamento em Teresopólis
Subordinação e negligência

Sob a ótica do especialista Carlos Vainer, trata-se de uma questão histórica. Para ele, dois fatores determinam a distribuição do espaço urbano no Rio de Janeiro: a subordinação da cidade à especulação imobiliária e aos interesses da indústria da construção civil, "e a negligência total do governo na construção de habitações de interesse social".
"Devido à falta de habitações para a população pobre, essas pessoas se dirigem a áreas de grande inclinação sujeitas a desmoronamentos", ressalta Vainer. 
Nesse episódio recente, entretanto, alguns bairros ricos e condomínios fechados, como na cidade de Petrópolis, foram intensamente atingidos. "E isso mostra a negligência do poder público ao ser condescendente com a especulação imobiliária e autorizar projetos que não poderiam ter sido licenciados. Mas os interesses fundiários e da indústria da construção civil falam mais alto".
O pesquisador ressalta ainda outra questão polêmica. "As mortes, toda essa tragédia, não são provocadas pela falta de recursos. Dinheiro tem. Ele só está sendo gasto de forma errada, desproporcional."
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer
Fonte: DW 

A insana corrida pelo grande PIB



Por Marina Silva *

Saindo de um período eleitoral marcante, o Brasil chega ao limiar de 2011 com desafios que, se não são inéditos, agora estão claros na sua dimensão e no seu caráter estratégico. Impossível jogá-los debaixo do tapete. São o lado frágil da ambição nacional de ser grande potência. É preciso entender que o critério PIB não corresponde necessariamente a desenvolvimento. Mede crescimento material, mas não diz para quem, como, com que horizontes, com que valores, a que custo social, humano, ambiental.
Se queremos ser potência precisamos definir o mérito desse desejo. E, infelizmente, colocaremos o pé em 2011 sem que um consenso esteja sequer próximo de ser alcançado quanto a nossa compreensão de desenvolvimento e às responsabilidades que acarreta para cada setor, cada cidadão e, principalmente, para o poder público.
O cerne do desafio é político, educacional, ambiental e de busca de igualdade. Portanto, não considero encerrado um debate que mal se deu. Esses temas não podem ser considerados “matéria eleitoral”. É agora que crescem, porque não podemos rifar o futuro no ramerrão do dia a dia, à espera das próximas eleições. Não há tempo para tal acomodação.
De um Brasil potência exige-se mais que a corrida dos PIBs ou compromissos vagos com um “desenvolvimento sustentável” discursivo que se esgarça na prática, tamanhas as contradições com as ações concretas. O Brasil potência não pode ser mera repetição de nações europeias, asiáticas ou dos EUA. Tem que sinalizar para a mudança histórica do conceito de desenvolvimento, cujo paradigma se mantém em função dos embates por poder geopolítico e econômico. Se imperassem a razão e a sensibilidade, as negociações sobre aquecimento global não andariam a passos tão lentos enquanto populações sentem o impacto de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes. E, para que o Brasil faça a diferença, há que lançar mão de seus principais trunfos: a diversidade cultural, o patrimônio natural e a integração do território.
Boa parte da população está receptiva, como mostram pesquisas e os resultados da última eleição, quando os principais candidatos foram compelidos a abordar o tema meio ambiente. Mas há uma premissa para que isso seja possível: a qualidade do sistema político e sua capacidade de ser contemporâneo das preocupações da sociedade. O que vemos, especialmente na formação de governabilidade, aponta para o passado. Sob argumentos de que “não dá para fazer diferente”, assiste-se, governo após governo, à rendição aos piores traços da cultura política brasileira: o fisiologismo, o compadrio, a divisão do Estado em feudos partidários que se constituem em intransponível barreira para que as políticas públicas tenham uma lógica de projeto nacional íntegro.
Essa é a grande oportunidade brasileira no século 21, a de materializar os fundamentos de uma visão de desenvolvimento, assumindo um protagonismo global articulador que pressione e faça fissuras reais na couraça que mantém indevassável a velha geografia do poder dos séculos 19 e 20. Precisamos deixar de lado as ambições de sermos grandes nos termos dos grandes. O Brasil precisa ser grande nos termos do que levará a humanidade a superar seus erros e recriar sua vida no planeta. Se não for esse o horizonte, o presente será uma competição sem fim por louros que já murcharam.
A exemplo da destruição irresponsável do ambiente natural para produzir “riquezas”. O que temos é um mundo sob ameaça de gravíssima crise ambiental e as tais riquezas, que cobraram preço absurdo, só aumentaram o fosso da desigualdade entre pessoas e nações. É compreensível que muitos lutem para manter esse status quo. Mas é urgente que a maioria se una para dar um salto civilizatório que não seja mais mera especulação.
A realidade ditada pelo aquecimento global impõe uma revisão nos padrões de consumo e produção. O Brasil tem condições de liderar essa transição. Já passou da hora de fazer lições de casa básicas, a começar da revolução na educação. Na parede externa da escola da Superquadra 108 Sul de Brasília está registrada uma frase do grande educador Anísio Teixeira, que resume tudo: “Democracia é, literalmente, educação”.
A COP-16, realizada em Cancún, mostrou que o principal problema não são as mudanças climáticas – é a falta de um sistema político, nos níveis das nações e global, adaptado ao presente. O resultado é a lentidão exasperadora das decisões. É preciso surgir capacidade de operar, simultaneamente, vetores ambientais, sociais, políticos, culturais. Capazes, principalmente, de organizar a enorme força disposta a avançar, dispersa dentro de cada país, e transformá-la em poder político.
É impropriedade dizer que políticas ambientais adequadas emperram a economia. Talvez seja mais adequado dizer que uma postura escravagista de economia pretende submeter o futuro do mundo a sua visão estreita. Há uma economia libertária que já se mostra viável para produzir riquezas, emprego e renda. Nela estão engajados empresários, militantes socioambientalistas, segmentos do mundo acadêmico, lideranças dos mais diversos setores, comunidades, movimentos sociais, cidadãos, governantes. E que país tem condições privilegiadas para gerar um efeito demonstração planetário desse novo mundo?
O Brasil possui 70% da fauna e da flora já catalogadas no mundo e abriga 20% da diversidade biológica do planeta. Tudo em biomas variadíssimos – Cerrado, Pantanal, Caatinga, Amazônia, Mata Atlântica, Pampa e uma imensa zona costeira. Temos uma das mais diversificadas populações do mundo: mais de 220 povos indígenas e descendentes de migrantes de todos os continentes. Há ainda os povos e comunidades tradicionais que ocupam cerca de 25% do território nacional, mas sem o reconhecimento de seus direitos e de sua contribuição em conhecimentos essenciais para a economia sustentável do futuro.
Que 2011 seja o ano de nos encararmos como somos e como queremos ser. Quais são nossos erros e déficits históricos? Que fazer para superar nosso atraso em ciência e tecnologia? Como inverter o sinal de incentivo da economia predatória para a sustentável? O que nos une? Como fazer do sistema político um instrumento do futuro, mais do que uma âncora do passado?

Espero que 2011 seja o ano de pôr a mão na consciência e mobilizar os esforços mais generosos da vontade de ser mais, para, quem sabe assim, começar a frear a desmedida ânsia de ter mais.

* Senadora do Acre pelo PV, ex-ministra do Meio Ambiente e candidata do PV à Presidência da República nas úlitmas eleições
Texto publicado originalmente no blogue de Marina Silva