26 de janeiro de 2011

Código Florestal e politicagem


Por Darci Bergmann

O Código Florestal brasileiro tem suscitado um amplo debate nos últimos anos. De um lado ambientalistas e grande parte da sociedade civil e de outro lado produtores rurais. Os primeiros defendem a manutenção do texto, tendo como argumento que a sua descaracterização trará ainda maiores impactos sobre o meio ambiente. De outro lado, os proprietários rurais - e aí se incluem grandes latifundiários - argumentam que teriam que arcar com os custos de demarcação de reserva legal e áreas de preservação permanente - APPS.

Qual a importância de manter o texto básico do Código Florestal?

A lei florestal é antiga e remonta ao ano de 1934, ainda no governo de Getúlio Vargas e tinha como objetivo a proteção dos ecossistemas, a conservação do solo e as bacias hidrográficas. Na prática, sua execução foi parcial, haja visto deficiência de fiscalização, corrupção de agentes e a omissão do Estado que não a tornou política pública prioritária. Disso resultou um verdadeiro descalabro ambiental que transformou muitas áreas, que deveriam ser preservadas no interesse da sociedade e das gerações futuras, em solos degradados, rios assoreados e perda de biodiversidade.
Se o Código Florestal tivesse sido aplicado ao pé da letra, certamente muitas tragédias ambientais não teriam ocorrido ou pelo menos seriam  atenuadas em termos de vítimas humanas e perdas patrimoniais. 

Sobre as alegadas perdas de áreas para plantio existem distorções que visam confundir a opinião pública.

Parte dos produtores rurais alega ainda que teriam prejuízos por não poderem ter renda nas áreas de preservação permanente e de reserva legal. Mas isto pode ser resolvido de outra forma, que é a instituição de um fundo que permita o pagamento pelos serviços ambientais dessas áreas. Os serviços ambientais são reconhecidos pela sociedade e esta, no seu conjunto, deve pagá-los, desde que os proprietários cumpram os dispositivos da legislação florestal. Já existem experiências bem sucedidas no Brasil.
 O Brasil pode aumentar a produção agropecuária sem desmatar e ainda preservando e recuperando as áreas de preservação permanente e reserva legal. Isto porque existem milhões de hectares de terra degradados e que precisam ser recuperados para a produção agropecuária. Portanto, não é o texto atual do Código Florestal que prejudica os proprietários rurais como querem fantasiar certos políticos.

Há poucos dias, eu estava numa roda de produtores rurais. A conversa enveredou para os últimos desastres ambientais no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e, mais uma vez, Santa Catarina. As mudanças climáticas foram o cerne da conversa e, por conseguinte, a legislação florestal. No grupo, alguns produtores defendiam que o Código Florestal aplicado na prática poderia amenizar as consequências dessas tragédias. Outros alegaram que isso não faria muita diferença e que a população das cidades  também era responsável por essas tragédias, pois ocupava de forma irregular áreas impróprias e depositava lixo nas periferias. Então, percebi que todos os produtores rurais daquele grupo tinham casa na cidade. Fiz a observação de que talvez a maior parte do agronegócio é tocado por produtores que moram nas cidades. Constatei ainda que mais da metade do grupo já havia perdido terras para custear dívidas com os bancos e fornecedores de insumos. Então argumentei que não é o Código Florestal o responsável pelas perdas de áreas para o plantio e que haviam outras causas.
Foi aí que um dos produtores concordou com a minha observação e ainda acrescentou que as entidades de classe deveriam rever essa posição de intransigência em relação ao Código Florestal. E emendou que tem deputado que só fala em prorrogar dívida e que  nessa conversa, ano após ano, muitos vão perdendo as suas terras. Disse ainda que, se os produtos colhidos tivessem preço justo que cobrisse os custos e deixasse uma pequena margem de lucro, haveria menos quebradeira no campo   e menos concentração de terras. 
Pelo menos ali, em meio a pouco mais de uma dezena de produtores rurais, ficou claro que o Código Florestal vigente não é o bicho-papão como alegam alguns. 

Como surgiu toda essa polêmica? Quem está fomentando o ataque ao Código Florestal?

Os mais interessados em fragilizar o Código Florestal são grandes proprietários rurais, entre esses donos de empresas de insumos e outros ligados na exploração madeireira. Aí se incluem também algumas empresas imobiliárias.  Os pequenos e médios proprietários são envolvidos nessa polêmica pelos latifundiários que estão de olho nas suas terras. Deputados e senadores, custeados por latifundiários e alguns empresários do agronegócio, mobilizam a mídia e jogam pesado contra os ambientalistas, alguns desses também produtores rurais. Os pequenos produtores não bancam financeiramente esses políticos, mas lhes asseguram mandatos através dos votos
 Tenho ouvido de muitos pequenos produtores que eles aceitariam ajuda financeira como recompensa pela preservação de áreas de preservação permanente e de reserva legal. Esses produtores não querem sair do campo e temem perder as suas terras caso tenham dívidas. Porque então não investir num fundo ambiental e que terá uma função social extraordinária em manter o homem no campo, tornando essas áreas inalienáveis? 

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