É paradoxal um país tropical, com larga experiência agrícola e pecuária, necessitar investir tantos recursos na importação de alimentos, afirma neste artigo exclusivo Leonardo Padura.
HAVANA, Cuba, 1º de novembro (Tierramérica).- Quando, em 1990, começou o colapso que levaria ao desaparecimento da União Soviética, os campos da ilha de Cuba sentiram um efeito imediato: da terra dos sovietes deixaram de chegar os navios carregados de fertilizantes e pesticidas que sustentavam a produção agrícola deste país caribenho. Como resposta a uma crise de produção que se fez patente, em 1992 foi criado o movimento de agricultura orgânica.
O que naquele momento parecia um salto ao passado (como a volta ao esterco) podia ser, na realidade, um olhar para o futuro. O modelo agrícola cubano seguia os esquemas socialistas da agricultura estatizada. Como resultado da reforma agrária iniciada em 1959, tão logo chegou ao poder a revolução liderada por Fidel Castro, a maior porcentagem das terras (cerca de três quartos) pertenciam ao Estado e eram cultivadas por empresas estatais (ou não eram cultivadas).
O resto pertencia a diversos modelos cooperativos e a camponeses privados. E, tanto umas quanto outras, aplicavam produtos químicos às suas colheitas e apenas excepcionalmente eram praticadas experiências hoje chamadas “ecológicas”. A crise financeira desatada na década de 1990 impediu a compra de fertilizantes e forçou uma mudança nos métodos agrícolas. Foi fomentada a criação de cooperativas e houve uma tentativa de descentralizar as estruturas e a posse da terra, diversificar os cultivos e inclusive levá-los às cidades.
As respostas quantitativas não foram satisfatórias, e em 2009 a ilha precisava importar 80% dos alimentos que consumia. É paradoxal um país tropical, com longa experiência agrícola e pecuária, precisar investir tantos recursos para importar alimentos que poderiam ser obtidos em seu território nacional em quantidades que inclusive permitiriam a exportação. Problemas organizacionais, econômicos e até conceituais do modelo socialista estavam – e estão – afetando um setor no qual foram introduzidas mudanças aceleradas, como as novas formas de posse da terra e a comercialização.
Entretanto, a concepção de uma agricultura sustentável baseada na agroecologia se vê diante de nova ameaça, tanto ou mais perigosa do que a de uma produção estatizada e apoiada em insumos químicos: os cultivos transgênicos. Apesar de na mídia cubana se falar muito pouco sobre a existência de experiências com transgênicos, e a sociedade, como conjunto, viver de costas para esta realidade, um grupo de cientistas lançou um grito de alarme.
A partir de um conhecimento profundo, estes pesquisadores começam a reagir diante de uma experiência que poderia provocar danos maiores do que os de outras políticas agrárias de ingrata lembrança, como a ideia de secar o Pântano de Zapata, hoje tido como o maior do Caribe insular, ou a criação do “Cordão de Havana” – que derrubou árvores frutíferas centenárias para semear um cinturão cafeeiro do qual nunca se colheu um grão –, até a quase total dependência de fertilizantes e pesticidas soviéticos.
Outros testes perigosos, aplicados como solução para aumentar a produção agropecuária, também não tiveram os resultados esperados. A queima dos campos de cana-de-açúcar, adotada nos anos 1970 para facilitar o corte, afetou rendimentos e acabou arruinando grandes extensões de terras, nas quais por quase dois séculos foi cultivada a cana com excelentes dividendos.
Tampouco os diversos cruzamentos de raças de gado bovino levaram a um aumento na quantidade de carne e leite, e a massa pecuária cubana não recuperou os níveis que tinha há meio século. A formação científica foi uma das premissas do Estado em seus planos futuros. E, hoje, alguns desses especialistas se questionam quanto a um procedimento que consideram inadequado.
A introdução de transgênicos, especificamente do milho, não constitui apenas uma resposta à necessidade de diminuir importações e aumentar a produção. Também representa uma mostra da prevalência de duas concepções diferentes, que teoricamente podem coincidir, mas, segundo os estudiosos, são inconciliáveis. A contradição entre transgênicos e agroecologia tem sua essência no fato de a extensão de cultivos manipulados geneticamente poder afetar a biodiversidade, a independência dos produtores e, inclusive, colocar em risco a saúde humana, como demonstram diversos estudos clínicos com animais.
A agroecologia, por sua vez, é um conceito amplo do desenvolvimento que pretende adaptar a produtividade de alimentos aos ciclos naturais, contribui para garantir a sustentabilidade e é produtiva quando aplicada com métodos e políticas adequadas. Vozes autorizadas consideram que em Cuba não é necessário recorrer aos transgênicos, sobretudo quanto já foi demonstrada a efetividade do modelo agroecológico para fornecer alimentos suficientes.
Assim, impõem-se investimentos em recursos suficientes para desenvolver todo seu potencial e a queda dos entraves da burocracia estatal e do controle excessivo sobre os meios de produção. A persistência desses obstáculos ficou evidente com o anúncio da liberalização da venda de equipamentos de trabalho (roupa, luvas, botas), e utensílios para lavrar a terra, a camponeses e agricultores, sem ter de esperar a entrega pelo Estado. Ainda assim, a disponibilidade não atende todas as necessidades de camponeses e cooperativas.
Com esta insuficiência dos meios mais rudimentares, é difícil esperar que em algum momento possam ser atendidas as grandes expectativas de produção. Por outro lado, em certos laboratórios são destinados recursos suficientes para testar a introdução de transgênicos, pois são vistos como uma possibilidade de realizar esse salto para a produtividade que tem se mostrado tão esquivo. Não se trata de reeditar a velha contradição entre civilização e barbárie, mas de ouvir os que reclamam uma moratória no plantio de transgênicos e o início de um debate, com participação de cientistas e outros atores da sociedade, sobre sua viabilidade, apesar dos riscos que contém.
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* Escritor cubano. Sus novelas han sido traducidas a una decena de idiomas y han ganado numerosos premios en Cuba y el extranjero. Derechos exclusivos IPS.__________________________________________________________________________________
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