O desejo dos ambientalistas é um mundo melhor e de mais felicidade. Thomas Morus também imaginou uma ilha do Planeta Terra onde os seres humanos encontrariam felicidade plena. Em Utopia não havia criminosos, luxúria e as relações humanas estavam baseadas no conceito da honestidade e do amor ao próximo.Não circulava moeda e cada um tinha o necessário para sobreviver. Do imaginário para o real, o nosso cotidiano é bem diferente. Veja-se a questão ambiental. Os ambientalistas, na sua maioria, não querem a valoração econômica dos recursos naturais. Em outras palavras, a mercantilização da Natureza. Em tese seria bom que assim fosse, mas na prática as coisas não são assim. Exemplo disso é a água potável. Ela é considerada um bem público e seu uso depende de outorga do Estado. Assim, não se pode comprar ou vender água, apenas se adquire o direito de usá-la. Baseados em conceitos assim, parcela considerável dos ambientalistas é contra o pagamento por serviços ambientais. Então seria o caso de o Estado fornecer o serviço de abastecimento de água potável de graça para a população. Mas isto não ocorre. O serviço de colocá-la à disposição tem custos e estes devem ser pagos por quem os utiliza.
No mundo real, produtos, serviços, bens de qualquer espécie são valorados e passíveis de serem vendidos ou adquiridos mediante trocas ou pela cotação de moeda. Isto entre pessoas e entre corporações e países.
Agora, na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Conferência da ONU, denominada Rio+20, os líderes das organizações sócioambientais novamente se opuseram aos conceitos da economia verde e contra o pagamento pelos serviços ambientais. Na minha opinião, o conceito de economia verde é apenas um chavão que nada muda em termos de desenvolvimento sustentável. Já com relação aos serviços ambientais, chego à conclusão de que eles devem ser pagos. Caso contrário, a maioria das pessoas não dará maior importância à questão ambiental. Alguém já imaginou como ficariam nossos mananciais se os serviços de abastecimento de água fossem de graça, como na Utopia de Thomas Morus? Ou alguém imagina que a civilização preservaria as florestas só pelo amor à Natureza? Com uma população mundial crescente, estimulada ao consumismo predatório, é preciso que a sociedade entenda que os bens naturais e os serviços para conservá-los tem custos. A Economia e a Ecologia aqui se encontram. A lei da oferta e da procura se conecta com a necessidade de conservar os bens naturais para que estes propiciem um desenvolvimento sustentável. Isto significa que todos os humanos tenham direito de usufruir dos bens naturais. No entanto, se o número de consumidores aumentar além da capacidade de suporte do sistema natural, este entrará em colapso. Não há mágica.
Volto à chamada Cúpula dos Povos, paralela à Rio+20. Não pude me deslocar para o evento. No mundo utópico, talvez eu pudesse ir. Não precisaria pagar as despesas de viagem, hospedagem, alimentação, nada teria custo. Todos os serviços de que eu necessitasse me seriam colocados à disposição pela simples razão de não haver moeda e todos trabalharem movidos por uma causa humanitária.
Mesmo assim, poderia ocorrer um colapso no evento Rio+20. Os mais de sete bilhões de habitantes, no mundo utópico, teriam o mesmo direito de se deslocarem sem custos, varando oceanos e continentes. Onde se hospedaria tanta gente? Que impactos isso traria ao Planeta? Quem arrumaria a Casa depois? Como eu sou ambientalista do mundo real, não fui à Rio+20, por economia e escala de prioridades. Participei do Fórum Global, evento paralelo à Rio 92. Conheci muita gente e vi dos seus anseios por um mundo melhor. E vi depois frustrados os resultados daquela Conferência. Agora, estou num projeto de arborização com mil exemplares de espécies florestais nativas, no meu pequeno sítio. Não espero retorno financeiro disso. Desloco parte dos meus parcos ganhos para esse fim, deixando de adquirir algum bem supérfluo. Divido as tarefas de plantio com um ajudante eventual, pagando-lhe por esses serviços ambientais. Afinal, ele precisa se alimentar, se vestir e conservar a sua viatura pessoal - uma bicicleta. Com a estiagem, a água ficou escassa. Providenciei na abertura de 'poços de balde', tudo pago em moeda corrente. Os serviços ambientais de uma fração de quase dois hectares de área que deixei em recuperação espontânea retêm um pouco de umidade.Talvez os ambientalistas que são contra o pagamento por serviços ambientais consigam o milagre de fazer tais tarefas ou mandar fazê-las sem nenhum custo, apenas porque são movidos pelo amor à humanidade e à Natureza. E talvez ainda consigam transporte, alimentação, energia, celulares, computadores e serviços de internet, tudo de graça.
Desde que se criou a concepção de Estado, o ser humano passou a sustentá-lo, pagando-lhe por seus serviços e até quando não os faz e dilapida recursos públicos. Qualquer serviço tem um custo e dá direito à remuneração justa pela sua execução. Se até os serviços das prostitutas são reconhecidos em lei e podem ser cobrados, porque um pequeno proprietário que preserva e zela pela conservação dos recursos naturais não poderia ser remunerado, até como incentivo? No mundo real dessa civilização aloprada, a escala de valores é outra. Uma Copa do Mundo consome somas bilionárias, tudo subvencionado com dinheiro público. Em tal cenário, a conservação dos recursos naturais fica difícil e ocorre até o desmonte de serviços como fiscalização, monitoramento, a prevenção às queimadas e outros mais.
Seria bom viver no cenário da Utopia. Assim, nem o ambientalismo seria necessário.
Um comentário:
Concordo plenamente com o pagamento por serviços ambientais. Apesar da nova legislação ambiental (Lei 12.651/12) deixar a desejar em vários aspectos, ela traz a possibilidade de se efetuar esse pagamento ou beneficiar os proprietários que tenham áreas preservadas. Inclusive será possível financiamentos para quem quiser recuperar voluntariamente suas áreas, podendo ainda ter dedução do imposto de renda. Isso vai de encontro às várias convenções já assinadas como Protocolo de Kyoto e Mudanças Climáticas. Estudos apontam, e observamos na prática, que só o sistema de licenciamento ambiental e fiscalização não contribuem para a diminuição dos danos ambientais. Enquanto não houver uma política voltada à remuneração pelos serviços ambientais`que os ecossitemas preservados prestam não adianta falar em biodiversidade, redução da emissão de carbono, etc. Se os bens ambientais são de interesse difuso e coletivo, aqueles que preservam devem ser beneficiados, uma vez que estão preservando um "bem" comum, para todos.
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