Por Darci Bergmann
A gente às vezes se pergunta: Quem tem o poder de fato? Quem influencia os políticos e a quem estes representam? Numa primeira análise, a resposta parece óbvia. Num estado democrático o poder emana do povo e em seu nome será exercido. Sempre pensei assim. Até que comecei a analisar os fatos sob outro viés. Percebo agora que existem nuances que tornam duvidosa a teoria de que o poder emana da vontade popular, exercida pelo voto.
Num raro momento de encontro filosófico, um professor aposentado, mas de raciocínio muito ativo, discorre sobre o tema. Começa explicando o Estado, ou melhor, tentando explicá-lo. Disse ele: “O Estado é um ente abstrato, que partilha o poder que um dia a confiança e as escolhas populares delegaram aos mandatários. O poder oficial está no Judiciário, no Ministério Público, no poder Executivo e seus funcionários, aí incluídos os militares, e no Legislativo. Esses entes não dispõem de todo o poder de fato. Há uma espécie de concessão de poder, via troca de favores. Setores das minorias privilegiadas e das grandes corporações que apoiaram este ou aquele mandatário também são comensais do poder do Estado. E não pense que é só aqui neste País”.
O Estado deveria estar acima dos interesses mesquinhos, através das leis que o regem
Nestas alturas, observei que temos partidos políticos que podem representar as diferentes correntes de pensamento. O professor entende que em tese existe o debate, uma simulação de transparência. Mas no fundo todos buscam o poder pelos mesmos objetivos, só mudam os discursos e as manobras eleitoreiras. Achei o professor um tanto pessimista. Mas ele continuou: “O Estado deveria estar acima dos interesses mesquinhos, através das leis que o regem. Mas as leis são imperfeitas. Elas têm falhas, brechas e não raro viram letra morta. O Estado funciona através das pessoas e estas são imperfeitas. O poder do Estado pode servir a causas nobres e à injustiça. As injustiças mais comuns estão associadas à malversação dos recursos públicos. Leis imperfeitas permitem que recursos sejam geridos e aplicados de forma desigual, prejudicando uns e favorecendo outros. Isto começa nas pequenas cidades, atinge os estados e o poder central dos países. Basta ver a grande quantidade de obras faraônicas, muitas delas até sem serventia. Outras vezes as obras e serviços são superfaturados, com maquiagens de todos os tipos "
Concordei com a tese do professor, mas faltavam enumerar alguns exemplos dessa dicotomia das intenções do Estado. Certamente educação, saúde, saneamento, meio ambiente e segurança são assuntos de Estado, em todos os seus níveis. Em alguns países essas questões são tratadas com muita responsabilidade. E a sociedade cobra o destino correto de cada centavo arrecadado. Pelo menos existe a boa intenção. Já em outros países os recursos sofrem uma corrosão. Explico. Quando a lei determina que cada esfera administrativa invista um percentual mínimo dos recursos em saúde, por exemplo, isto não quer dizer que na prática a população seja realmente beneficiada. Um jeitinho legal permite maquiar essas destinações. Dos recursos orçados, são retiradas verbas para publicidade e outras extravagâncias. Quem repassa e quem recebe quer tirar proveito perante a opinião pública. E a mídia sempre está atenta para abocanhar essa fatia. Como reforça o professor: “A função do Estado é atender a população e não fazer proselitismo com o dinheiro público”.
Deputados, senadores e até vereadores tem cotas de recursos públicos, com as chamadas emendas parlamentares. Isto gera outra distorção. As emendas parlamentares quase sempre constituem aplicações direcionadas ao retorno dos votos nas eleições seguintes, um círculo vicioso conhecido por “curral eleitoral”.
Outra distorção flagrante que se constata nos legislativos. Começando nas câmaras de vereadores. Hoje, com a sociedade organizada em associações comunitárias não há necessidade de muitos vereadores. Mas em alguns municípios os vereadores decidiram pelo aumento do número de cadeiras. Simplesmente uma forma de aumentar as chances de reeleição. A conta, é claro, será paga pelos contribuintes.
A lista de abusos de poder, esbanjamento, desvios de recursos é enorme. Por mais que um mandatário seja bem intencionado ele pode ser envolvido na teia da corrupção, porque as sutilezas e as brechas da lei não permitem prever todas as situações.
No Brasil a legislação se tornou um emaranhado que favorece a corrupção
A conversa chegou num ponto em que apareceu a temática ambiental. O professor avalia que “no Brasil a legislação se tornou um emaranhado que favorece a corrupção. Como exemplo citou o Código Florestal que nunca foi cumprido na sua plenitude. O poder econômico age sobre os congressistas e na pretendida reforma dessa lei querem anistiar quem desmatou. Quer dizer, na prática, que a destruição da natureza fica legalizada. O Estado, que deveria ser o guardião do patrimônio natural, é o seu maior destruidor. Veja aí o caso da Usina de Belo Monte. Montanhas de dinheiro para favorecer a degradação ambiental. Quem ganha na construção e quem é o maior beneficiado com a energia gerada? Seria melhor que esse recurso todo fosse aplicado em outras fontes de energia, na forma de subsídios a pequenas empresas. Mas isto não interessa às grandes corporações, comensais do poder de fato”.
A conversa terminou com pontos de vista convergentes. Há sinais no horizonte planetário de que os povos querem mudanças. Isto significa uma participação mais direta nos seus próprios destinos. A chamada “primavera árabe” e as manifestações nas grandes cidades contra as corporações financeiras e a corrupção em geral são indícios de que as populações não aceitam mais o poder manipulador.
O mundo está mudando e talvez a natureza seja beneficiada com essa mudança. Ou estou enganado?
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