6 de junho de 2013

A questão indígena e as contradições do estado

Por Darci Bergmann


  Os índios já ocupavam todo o território brasileiro, quando os colonizadores portugueses aqui chegaram. Depois, foi a vez de africanos, trazidos como escravos e de levas de imigrantes. O choque de culturas era evidente. Os índios, sem anticorpos que os protegessem, em boa parte foram dizimados pelas doenças contagiosas trazidas pelos colonizadores.
  Os colonizadores foram expandindo as suas áreas de exploração agropastoril e os índios recuaram cada vez mais. Some-se a isso as cidades, a mineração, as obras de infra-estrutura, tais como estradas e, mais recentemente, as hidrelétricas. As diversas nações indígenas dispersas nunca formaram um estado de fato, embora tivessem um território imenso à sua disposição. O estado surgiu como extensão dependente de Portugal, depois como país independente – o Brasil. A implantação do estado, em terras que foram dos índios, muda a realidade. O estado, entre outras atribuições, é responsável por administrar o território reconhecido pelos outros países, bem como estabelecer as normas pertinentes à convivência entre as diversas etnias que compõem a sua população, inclusive as indígenas.
   Por quase dois séculos, o estado falhou na questão indígena. A cultura civilizatória e de expansão populacional, trazida de fora, exigiu cada vez mais terras e estas foram arrebatadas dos índios. E o estado também é responsável pelas terras que repassou aos colonizadores, legitimando-as com escrituras públicas. O quadro hoje é o de nações indígenas fragilizadas e dispersas em busca de um modelo de sobrevivência que não é, e nunca foi, aquele desejado pelos colonizadores que formaram o estado. A maior parcela da população atual está forjada pela civilização que lhe incutiu o progresso como premissa maior, baseada na utilização intensiva dos recursos naturais, ali incluída a terra como meio de produção.  Os índios se tornaram minoria e perderam boa parte da sua cultura, quando assimilaram costumes dos colonizadores. Até caçam animais com armas de fogo e fazem comida em panelas de alumínio.
   O estado brasileiro é resultado de uma civilização que tem uma cultura oposta à dos índios. Por isso, a tutela dos índios pelo estado é uma balela, é uma mentira desmentida pelos fatos. Vejamos o que acontece com as usinas hidrelétricas, em pleno coração da Amazônia, praticamente o último reduto indígena. O desrespeito é total. A legislação que prevê consulta prévia aos povos indígenas e ribeirinhos, nas áreas afetadas, é simplesmente ignorada pelo governo. Mais conflitos à vista, numa versão moderna do tratamento que sempre foi dispensado aos índios do Brasil.  

   A arrogância do estado também faz vítimas entre os não indígenas que, por décadas, adquiriram terras com a supervisão e até incentivo oficial. São proprietários rurais que alavancam a produção e geram alimentos, que os índios não têm condições de produzir em montante que abasteça a população brasileira. Alegar que estão em áreas indígenas e ameaçá-los de despejo com indenizações miseráveis, só cria um clima mais tenso. E não resolve o problema dos índios. O que ajuda a resolver a questão indígena é o estado brasileiro parar com as obras faraônicas das hidrelétricas, que visam gerar energia barata para as grandes mineradoras, verdadeira sangria dos cofres públicos. O maior gerador de conflitos é o próprio governo com a sua gastança em mega-projetos que desalojam centenas de milhares de índios e produtores rurais. 

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