12 de abril de 2011

Cana-de-açúcar fertiliza sua própria terra

Por Mario Osava, enviado especial*

Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 11 de abril de 2011 (Tierramérica).- A mecanização da colheita de cana-de-açúcar, imposta para evitar que os incêndios nos canaviais continuassem contaminando o ar, melhorou o solo das regiões canavieiras do Estado de São Paulo, o que mais produz açúcar e etanol no Brasil. Tradicionalmente, a palha da planta Saccharum officinarum é queimada para facilitar o trabalho dos cortadores de cana. Agora fica no solo, fertilizando, mantendo sua umidade e evitando a erosão.

Este resíduo vegetal deixa em cada hectare cerca de 45 quilos de potássio, disse ao Terramérica o agrônomo Gustavo Nogueira, gerente técnico da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Canaoeste). Os produtores estão obrigados a acabar com as queimadas até 2014 nas planícies paulistas, forçando a mecanização que já chega a 70% dessa monocultura. A legislação concede uma tolerância até 2017 para as terras em declives superiores a 12 graus, que impede o trabalho das atuais colheitadeiras.

Nas áreas onde a colheita mecânica foi implantada há algum tempo, há canaviais produtivos por “sete ou oito anos”, quando o usual são cinco, afirmou Manoel Ortolan, presidente da Canaoeste, uma organização que, apesar do nome, tem sua sede e a maioria de seus sócios no nordeste do Estado. “A palha recupera a microflora do solo e pode aumentar para 12 a 15 anos a longevidade da cana, tornando-a quase perene. Um resultado fantástico”, disse Manoel ao Terramérica em seu escritório em Sertãozinho, cidade onde os produtores de cana controlam pelo menos três quarteirões com escritórios, sedes de cooperativas, supermercados e um posto de combustível.

Além disso, muitos agricultores aproveitam a “reforma” anual de seus canaviais em quase um quinto de suas terras para plantar amendoim ou soja depois de retirar a cana velha e antes de plantar a nova. Assim promovem a fertilização, já que essas oleaginosas fixam no solo o nitrogênio que captam do ar. Em consequência, o nordeste de São Paulo produz 80% do amendoim brasileiro, informou Gustavo.

A história da cana no Brasil “matou dois coelhos com uma só cajadada”, segundo Cícero Junqueira Franco, veterano fazendeiro e empresário açucareiro. A produção nacional multiplicou por sete desde 1975, quando o governo decidiu obter álcool combustível por razão econômica – reduzir as caras importações de petróleo -, mas seu grande efeito foi ambiental, afirmou. O etanol misturado à gasolina elimina o chumbo desse derivado do petróleo, e isto melhora a qualidade do ar nas grandes cidades. “Sem o álcool, São Paulo estaria sufocada em poluição”, completou. 

Manoel Tavares, presidente da Associação Cultural Ecológica Pau Brasil, considera um desastre a monocultura exclusiva de cana na Região de Ribeirão Preto, que compreende 85 municípios, três milhões de habitantes e 50 usinas açucareiras e alcooleiras no nordeste do Estado. Antes da implantação do Programa Nacional do Álcool em 1975, as florestas cobriam 25% desta região, e “agora ocupam apenas 4%”, o que “altera o regime de chuvas, reduz a umidade e aumenta o calor”, destacou o ambientalista, um agrônomo dedicado ao comércio de mel que exporta principalmente para a Ásia.

Manoel precisa buscar mel em outros Estados, já que a cana extinguiu a produção local, expulsando as abelhas. Ribeirão Preto “tinha 2.500 colmeias há 30 anos”, recordou. A região, que era grande produtora de alimentos diversos, passou a ser “importadora” de arroz, feijão, leite, café e hortaliças, disse Manoel ao Terramérica. A cana, prosseguiu, provocou uma “reforma agrária ao contrário”, com uma “preocupante” concentração da terra em poucas mãos e a exclusão dos pequenos proprietários.

Além disso, o lençol freático regional e o Aquífero Guarani, fonte de água para muitas cidades do Estado de São Paulo, estão ameaçados pelos vazamentos de agrotóxicos e vinhoto, líquido escuro que é o principal dejeto da destilação do álcool, acrescentou Manoel. As autoridades ambientais já encontraram “águas contaminadas”, mas estes crimes ficam impunes pela “conivência” dos órgãos oficiais, acusou o ambientalista. Além disso, as queimadas continuam e sua fuligem afeta a saúde pública.

O vinhoto exterminou peixes em muitos rios de São Paulo e de outras áreas canavieiras com a intensificação da produção de etanol. Para cada litro desse combustível são gerados dez de vinhoto, e os vazamentos nos cursos d’água ficaram frequentes. Entretanto, o uso do vinhoto para fertilizar os próprios canaviais, pois é rico em potássio e outros nutrientes, conseguiu controlar esses desastres ambientais. Hoje o vinhaço é um subproduto valioso que pode ter outros usos, como meio multiplicador de algas para produzir biodiesel, ou como base para fertilizantes após uma desidratação parcial ou a extração do potássio, disse Octavio Valsechi, diretor do Departamento de Tecnologia Agroindustrial da Universidade Federal de São Carlos.

Os rios locais “já dão peixes, há tempos não recebem vinhoto”, e o Aquífero Guarani (compartilhado por Argentina, Paraguai e Uruguai) continua abastecendo muitas cidades sem problemas, garantiu João Borges, médico que cuida dos empregados da Usina Santo Antonio, em Sertãozinho, a 20 quilômetros de Ribeirão Preto. João, premiado por reduzir drasticamente a mortalidade infantil em Barrinha, a cidade mais pobre da região, e por reabilitar muitos trabalhadores afetados por acidentes ou doenças profissionais na indústria açucareira, tampouco acredita que a fuligem das queimadas seja grave.

Trata-se de partículas grandes que “não chegam aos pulmões”, explicou, e a fumaça dura pouco, como “fogo de palha”, expressão que indica algo efêmero. A cana tem “uma genética que tolera doenças” e exige menos pesticidas do que outros cultivos, como o algodão e a soja. Além disso, uma intensa pesquisa desenvolveu variedades mais resistentes e o controle biológico de insetos, explicou Tadeu Andrade, diretor do Centro de Tecnologia Canavieira, criado por uma cooperativa de centrais sucroalcooleiras. A cana “refertiliza” a terra, que precisa de poucos produtos químicos para sustentar a produção indefinidamente, como ocorre em antigas áreas canavieiras do Brasil, que experimentam um novo aumento no rendimento, afirmou. 

As potencialidades ambientais da cana se aproveitam ao máximo em duas usinas de Sertãozinho, São Francisco e Santo Antonio, que produzem o açúcar Native e outros alimentos orgânicos. Cultivam dois adubos orgânicos, a crotalária e o feijão aveludado (Mucuna pruriens) para nutrir a terra, e reflorestam todo espaço possível. Os proprietários, da tradicional família açucareira Balbo, são reconhecidos por sua sensibilidade social e ambiental, tanto pelo ambientalista Manoel quanto por dirigentes sindicais.


 *O autor é correspondente da IPS.
 Fonte: Tierramérica

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