15 de abril de 2011

Papeleira e doze filhos

Por Darci Bergmann

  A matéria foi apresentada na televisão. O cenário um amontoado de barracos num cortiço de uma cidade próxima à Porto Alegre. Naquele local está prevista a expansão da linha do trensurb e os moradores devem ser retirados dali. Vão para um núcleo habitacional, onde cada moradia terá em torno de 40m². Dinheiro da prefeitura e da União, isto é, de todos nós. Entre os moradores a serem removidos, foi citado o caso de uma catadora de papel, mãe de doze filhos. Espremidos dentro do barraco atual, vão ficar amontoados na nova moradia. A família é grande demais. Os filhos crescem e em pouco tempo novas moradias devem ser construídas para abrigá-los. Novas áreas devem ser disponibilizadas para novos conjuntos habitacionais e a cidade se expande, incha e mais recursos públicos serão necessários. Enquanto isso, falta dinheiro para outras necessidades como saúde, educação, segurança e saneamento.
   A propósito, lembro de outro caso. Uma doméstica, mãe de oito filhos, reclamava que não tinha creches suficientes na sua cidade. Agora, com mais filhos, não podia mais trabalhar como doméstica e o salário do marido era insuficiente para alimentar toda a prole.
Essa é a rotina nas áreas metropolitanas do Brasil e agora nas cidades do interior também. Os casos em questão mostram uma triste realidade. A falta de prioridade no planejamento familiar. É uma estranha negligência das administrações municipais, que parecem ignorar o problema. Como pano de fundo dessa problemática, pode ser citado o interesse eleitoreiro e irresponsável de muitos mandatários e legisladores municipais. Boa parte desses políticos faz apologia assistencialista. A miséria lhes permite sempre buscar novos recursos públicos que são aplicados paliativamente, à medida que as cidades aumentam quase sempre de forma desordenada. Em alguns casos até áreas impróprias para habitação são ocupadas, tudo para atender uma demanda crescente. Assim, não é de estranhar que faltem creches, escolas, postos de saúde, mais áreas verdes, entre outras necessidades.
  Qualidade de vida nada tem a ver com inchaço urbano. Talvez ainda demore para que tenhamos políticas públicas mais responsáveis na área do planejamento familiar. Sai muito mais barato investir em assistência às famílias, dando-lhes condições para que limitem a prole quando assim o desejarem. Isso não exclui a necessidade de resolver com urgência os problemas já criados, como a falta de moradias e de creches.  A papeleira, mãe de doze filhos, amontoados num barraco, mostra o quanto ainda devemos melhorar em termos de planejamento familiar. E também na escolha dos nossos mandatários.

13 de abril de 2011

Escassez de abelhas ameaça produção de alimentos

Data de publicação : 8 Fevereiro 2011 - 10:42am | Por Belinda van Steijn (Foto: Flickr/ Bob Peterson)
Ainda que as abelhas sejam insetos muito dedicados, todo o trabalho não é suficiente para satisfazer a demanda crescente por alimentos.
A necessidade de frutas, verduras e frutas secas é cada vez maior e não há abelhas suficientes para polinizar todas as plantações; como consequência, a produção de alimentos corre perigo, diz o banco holandês Rabobank.
Chama a atenção que um banco se preocupe com a situação das abelhas. O diretor do Rabobank, Dirk Duijzer, comenta que o banco sempre monitora o que esteja relacionado à produção de alimentos. O banco, que antes se chamava “Boerenleenbank” (Banco de Empréstimos para Agricultores), manifestou sua preocupação com a escassez de abelhas e as conseqüências disso para a agricultura e o setor alimentício. Junto com os cientistas, o mundo empresarial e a administração estatal, o banco tenta mudar esta situação.
“Sempre estamos pesquisando questões importantes”, explica Duijzer. “Pode ser a falta de água, o crescimento populacional de 6 para 9 bilhões no mundo. Agora adicionamos o problema das abelhas e a sua presença na natureza. As pesquisas começaram assim que ouvimos falar sobre os problemas dos agricultores de amêndoas na Califórnia, que, nos anos anteriores, falavam de resultados decepcionantes na polinização de suas árvores.”
Alimentos refinados
A população apícola no mundo está passando por um mau momento por estar ameaçada por um parasita, o ácaro varoa. Este ácaro devasta as colônias, que terminam desaparecendo. As abelhas sobreviventes devem intensificar suas atividades para satifazer a demanda crescente de produtos de luxo, não apenas em países ocidentais, mas também, e cada vez mais, em economias menos favorecidas.
Devido à crescente demanda de frutas, cafés e frutas secas, estão sendo criadas plantações mais extensas. Essa é a principal causa do problema, defende o especialista apícola Tjeerd Blacquiere, da Universidade de Wageningen. As plantações são tão grandes que as abelhas não conseguem chegar às partes mais distantes. É o caso das plantações de café.
“No caso do café, o melhor é que se faça a polinização por meio de diferentes polinizadores”, explica Blacquiere. “Não se trata apenas da quantidade de polinizadores que visitam as flores. Muito melhor seria que um tipo de abelha visitasse as plantações, seguido de outro tipo diferente. Assim, a polinização é mais efetiva. Isso só é possível se, ao redor das plantações, ainda existam espaços com vegetação nativa, onde crescem as plantas que proporcionam os nutrientes adicionais para garantir a sobrevivência das abelhas.”
Plantações menores
Segundo Blacquiere, no futuro, as plantações devem se organizar de outra maneira, e em menor escala. Estas grandes plantações têm outra desvantagem: requerem, proporcionalmente, maior quantidade de agrotóxicos, nem sempre bem tolerados pelas abelhas. É o caso do cultivo de vagem no Quênia, cujas colheitas se destinam em parte ao mercado europeu.
“Este tipo de verdura tem de ter um bom aspecto para satisfazer o consumidor europeu. Para isso, é necessário utilizar agrotóxicos. Os testes em nível mundial destes produtos se realizam com base nas abelhas produtoras de mel da Europa. Fica então a pergunta: serão as variantes do Quênia resistentes a estes produtos? Poderiam ser muito mais sensíveis. Ou talvez não. É algo que não sabemos.”
Oriente Médio
Para Tjeerd Blacquiere, mundialmente, não se está dando atenção suficiente ao problema das abelhas. Ele defende que se devem realizar muito mais pesquisas sobre as causas e as possíveis soluções para a falta de abelhas, para assegurar a produção de alimentos no futuro.
O Rabobank pensa, no momento, em seguir participando destas pesquisas, principalmente ao ver que a escassez de alimentos, no nível mundial, está causando cada vez mais conflitos, como acontece agora no Oriente Médio.

12 de abril de 2011

IBGE lança mapa-múndi digital com dados sobre meio ambiente


11/04/2011   -   Autor: Fernanda B. Müller   -   Fonte: Instituto CarbonoBrasil/IBGE


O IBGE lançou o serviço Países@, um mapa-múndi digital, interativo e atualizado, apresentando gráficos, fotos e dados sobre economia, planejamentos, meio ambiente, dentre outros.
Estão listadas no mapa todas as 192 nações reconhecidas pela ONU. Todos os dados são de fontes oficiais.
A ferramenta é uma ótima fonte para quem precisa de uma pesquisa rápida sobre temas como indicadores sociais, economia e meio ambiente.
Os textos estão em português, inglês e espanhol. Para acessar o banco de dados, basta clicar no link.

Cana-de-açúcar fertiliza sua própria terra

Por Mario Osava, enviado especial*

Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 11 de abril de 2011 (Tierramérica).- A mecanização da colheita de cana-de-açúcar, imposta para evitar que os incêndios nos canaviais continuassem contaminando o ar, melhorou o solo das regiões canavieiras do Estado de São Paulo, o que mais produz açúcar e etanol no Brasil. Tradicionalmente, a palha da planta Saccharum officinarum é queimada para facilitar o trabalho dos cortadores de cana. Agora fica no solo, fertilizando, mantendo sua umidade e evitando a erosão.

Este resíduo vegetal deixa em cada hectare cerca de 45 quilos de potássio, disse ao Terramérica o agrônomo Gustavo Nogueira, gerente técnico da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (Canaoeste). Os produtores estão obrigados a acabar com as queimadas até 2014 nas planícies paulistas, forçando a mecanização que já chega a 70% dessa monocultura. A legislação concede uma tolerância até 2017 para as terras em declives superiores a 12 graus, que impede o trabalho das atuais colheitadeiras.

Nas áreas onde a colheita mecânica foi implantada há algum tempo, há canaviais produtivos por “sete ou oito anos”, quando o usual são cinco, afirmou Manoel Ortolan, presidente da Canaoeste, uma organização que, apesar do nome, tem sua sede e a maioria de seus sócios no nordeste do Estado. “A palha recupera a microflora do solo e pode aumentar para 12 a 15 anos a longevidade da cana, tornando-a quase perene. Um resultado fantástico”, disse Manoel ao Terramérica em seu escritório em Sertãozinho, cidade onde os produtores de cana controlam pelo menos três quarteirões com escritórios, sedes de cooperativas, supermercados e um posto de combustível.

Além disso, muitos agricultores aproveitam a “reforma” anual de seus canaviais em quase um quinto de suas terras para plantar amendoim ou soja depois de retirar a cana velha e antes de plantar a nova. Assim promovem a fertilização, já que essas oleaginosas fixam no solo o nitrogênio que captam do ar. Em consequência, o nordeste de São Paulo produz 80% do amendoim brasileiro, informou Gustavo.

A história da cana no Brasil “matou dois coelhos com uma só cajadada”, segundo Cícero Junqueira Franco, veterano fazendeiro e empresário açucareiro. A produção nacional multiplicou por sete desde 1975, quando o governo decidiu obter álcool combustível por razão econômica – reduzir as caras importações de petróleo -, mas seu grande efeito foi ambiental, afirmou. O etanol misturado à gasolina elimina o chumbo desse derivado do petróleo, e isto melhora a qualidade do ar nas grandes cidades. “Sem o álcool, São Paulo estaria sufocada em poluição”, completou. 

Manoel Tavares, presidente da Associação Cultural Ecológica Pau Brasil, considera um desastre a monocultura exclusiva de cana na Região de Ribeirão Preto, que compreende 85 municípios, três milhões de habitantes e 50 usinas açucareiras e alcooleiras no nordeste do Estado. Antes da implantação do Programa Nacional do Álcool em 1975, as florestas cobriam 25% desta região, e “agora ocupam apenas 4%”, o que “altera o regime de chuvas, reduz a umidade e aumenta o calor”, destacou o ambientalista, um agrônomo dedicado ao comércio de mel que exporta principalmente para a Ásia.

Manoel precisa buscar mel em outros Estados, já que a cana extinguiu a produção local, expulsando as abelhas. Ribeirão Preto “tinha 2.500 colmeias há 30 anos”, recordou. A região, que era grande produtora de alimentos diversos, passou a ser “importadora” de arroz, feijão, leite, café e hortaliças, disse Manoel ao Terramérica. A cana, prosseguiu, provocou uma “reforma agrária ao contrário”, com uma “preocupante” concentração da terra em poucas mãos e a exclusão dos pequenos proprietários.

Além disso, o lençol freático regional e o Aquífero Guarani, fonte de água para muitas cidades do Estado de São Paulo, estão ameaçados pelos vazamentos de agrotóxicos e vinhoto, líquido escuro que é o principal dejeto da destilação do álcool, acrescentou Manoel. As autoridades ambientais já encontraram “águas contaminadas”, mas estes crimes ficam impunes pela “conivência” dos órgãos oficiais, acusou o ambientalista. Além disso, as queimadas continuam e sua fuligem afeta a saúde pública.

O vinhoto exterminou peixes em muitos rios de São Paulo e de outras áreas canavieiras com a intensificação da produção de etanol. Para cada litro desse combustível são gerados dez de vinhoto, e os vazamentos nos cursos d’água ficaram frequentes. Entretanto, o uso do vinhoto para fertilizar os próprios canaviais, pois é rico em potássio e outros nutrientes, conseguiu controlar esses desastres ambientais. Hoje o vinhaço é um subproduto valioso que pode ter outros usos, como meio multiplicador de algas para produzir biodiesel, ou como base para fertilizantes após uma desidratação parcial ou a extração do potássio, disse Octavio Valsechi, diretor do Departamento de Tecnologia Agroindustrial da Universidade Federal de São Carlos.

Os rios locais “já dão peixes, há tempos não recebem vinhoto”, e o Aquífero Guarani (compartilhado por Argentina, Paraguai e Uruguai) continua abastecendo muitas cidades sem problemas, garantiu João Borges, médico que cuida dos empregados da Usina Santo Antonio, em Sertãozinho, a 20 quilômetros de Ribeirão Preto. João, premiado por reduzir drasticamente a mortalidade infantil em Barrinha, a cidade mais pobre da região, e por reabilitar muitos trabalhadores afetados por acidentes ou doenças profissionais na indústria açucareira, tampouco acredita que a fuligem das queimadas seja grave.

Trata-se de partículas grandes que “não chegam aos pulmões”, explicou, e a fumaça dura pouco, como “fogo de palha”, expressão que indica algo efêmero. A cana tem “uma genética que tolera doenças” e exige menos pesticidas do que outros cultivos, como o algodão e a soja. Além disso, uma intensa pesquisa desenvolveu variedades mais resistentes e o controle biológico de insetos, explicou Tadeu Andrade, diretor do Centro de Tecnologia Canavieira, criado por uma cooperativa de centrais sucroalcooleiras. A cana “refertiliza” a terra, que precisa de poucos produtos químicos para sustentar a produção indefinidamente, como ocorre em antigas áreas canavieiras do Brasil, que experimentam um novo aumento no rendimento, afirmou. 

As potencialidades ambientais da cana se aproveitam ao máximo em duas usinas de Sertãozinho, São Francisco e Santo Antonio, que produzem o açúcar Native e outros alimentos orgânicos. Cultivam dois adubos orgânicos, a crotalária e o feijão aveludado (Mucuna pruriens) para nutrir a terra, e reflorestam todo espaço possível. Os proprietários, da tradicional família açucareira Balbo, são reconhecidos por sua sensibilidade social e ambiental, tanto pelo ambientalista Manoel quanto por dirigentes sindicais.


 *O autor é correspondente da IPS.
 Fonte: Tierramérica

8 de abril de 2011

Movimentos sociais protestam contra reforma do Código Florestal e agrotóxicos



Pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem terra, ambientalistas, representantes das populações atingidas pela construção de barragens, quilombolas, estudantes e integrantes de várias entidades sociais promoveram ontem (07/04/11), em Brasília (DF), uma marcha contra a reforma do Código Florestal e o uso de agrotóxicos.



Segundo Paola Pereira, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os movimentos sociais decidiram aproveitar o Dia Mundial da Saúde, comemorado ontem, para lançar a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. O principal objetivo da iniciativa é conscientizar a população sobre os riscos do uso indiscriminado de defensivos agrícolas, a falta de fiscalização, a contaminação dos solos e águas por essas substâncias e seu impacto na saúde dos trabalhadores rurais e da população em geral.


"É preciso discutir o assunto entre os agricultores, nas escolas, nos espaços públicos e projetos de lei. Temos que pressionar o governo para que suas agências fiscalizem, de fato, a utilização dos agrotóxicos. Desde 2009, o Brasil é campeão mundial no uso destes produtos", afirmou Paola à Agência Brasil.



Quanto à reforma do Código Florestal, Paola comentou que o MST é contra o projeto já apresentado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). "Se é preciso fazer alterações, nós temos que chamar a sociedade para o debate. Isso não é algo a ser discutido apenas com o lobby político dos ruralistas no Congresso [Nacional]".



Para José Josivaldo Alves de Oliveira, da coordenação nacional doMovimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a proposta de Aldo Rebelo seria "um grave retrocesso em termos ambientais. A questão da mudança do Código Florestal unificou os vários movimentos sociais. E, embora não tenhamos ilusão e saibamos que é uma luta difícil e desigual, estamos convencidos de que se conseguirmos mobilizar a sociedade brasileira, conseguiremos evitar que o projeto do deputado seja aprovado", declarou Josivaldo.



Já o coordenador adjunto de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Raul do Valle, classifica como "mentirosa" a campanha a favor da reforma do Código Florestal nos termos propostos pelo deputado Aldo Rebelo (PcdoB-SP), relator do projeto. "Nós queremos políticas públicas. Queremos a ajuda do Estado na forma de assistência técnica. Já à bancada ruralista, só interessa o perdão das multas. E, com base em mentiras, numa campanha terrorista, eles vêm conseguindo obter apoio para modificar a legislação de uma forma que beneficia somente aos grandes proprietários".



Integrante da direção da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), Maria da Graça Amorim, defende que o atual Código Florestal não é empecilho para a produção agrícola familiar e que as mudanças propostas beneficiarão apenas os grandes produtores. "Nós só precisamos de alguns hectares para produzir. Já o agronegócio pegou as melhores terras, desmatou-as porque não mora nelas, coloca agrotóxico porque não consome o que produz e, agora, ainda quer desmatar as beiras dos rios."



De acordo com a agricultora Julciane Azilago, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC Brasil), se o governo quer estimular a agricultura basta disponibilizar mais recursos para os produtores familiares. "A maioria dos créditos do governo vão para os grandes produtores, sendo que o pequeno agricultor é quem gera muito mais empregos e produz a maior diversidade de alimentos. E é justamente o agronegócio quem mais utiliza agrotóxicos".



Os integrantes dos movimentos sociais também entregaram um documento, com seu posicionamento acerca do Código Florestal, à ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. As entidades defendem a manutenção dos atuais índices de reserva legal e de áreas de preservação permanente, bem como a obrigação da recuperação de todo o passivo ambiental nessas áreas, a não-anistia aos desmatadores, a criação de políticas públicas que garantam a recuperação produtiva das áreas protegidas e o desmatamento zero em todos os biomas brasileiros, com exceção dos casos de interesse social.



PROPOSTAS



Trinta organizações ambientais e de trabalhadores do campo entregaram ontem (07/04/11) ao presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-SP), uma lista de propostas de alterações ao projeto do Código Florestal, em análise na Casa. Entre as propostas estão a que pede tratamento diferenciado para a agricultura familiar e o fim da anistia para desmatamentos ilegais feitos em áreas de preservação permanente (APPs) até 2008.



Outra proposta criticada pelo grupo – e que consta no projeto do Código Florestal – é a que reduz os atuais índices de Reserva Legal e de Preservação Permanente. "A proposta transforma o Código Florestal em código agrícola. Não mantém o objetivo de proteção de florestas", disse a representante do Instituto Socioambiental, Adriana Ramos.



Além de entregar as reivindicações ao presidente da Câmara dos Deputados, o grupo fez uma manifestação no gramado em frente ao Congresso Nacional. A proposta aguarda votação na Câmara.


LEIA TAMBÉM

Agricultura familiar defende manutenção da reserva legal e das APPs

FONTE

Agência Brasil
Alex Rodrigues e Priscilla Mazenotti - Repórteres
Lana Cristina e Talita Cavalcante - Edição

Colabrou Juliana Maya, repórter da Rádio Nacional da Amazônia

2 de abril de 2011

CIGARRO, NEM PENSAR

Por Darci Bergmann
  
   Comprovado está. Cigarro é uma droga que causa dependência e prejudica a saúde. Isto já seria motivo suficiente para que fossem tomadas medidas mais enérgicas para restringir o seu consumo. Na prática as coisas não são assim. Existem muitos interesses em jogo. A cadeia do fumo movimenta muito dinheiro. E dinheiro gera cobiça, corrupção e financia até campanhas políticas. As chamadas drogas lícitas – caso do tabaco – afetam milhões de pessoas, numa escala muito maior que as drogas ilegais.
   E quando o assunto é dinheiro, a saúde do consumidor é o que menos interessa. Por isso que alguns políticos fazem um papel ambíguo quando se trata de restringir o tabagismo. Eles se mostram aparentemente preocupados com a questão da saúde pública e acenam com verbas a instituições hospitalares. Por outro lado defendem o cultivo do tabaco, alegando a geração de trabalho e renda.  Na verdade estão de olho nos eleitores ligados ao cultivo do fumo. E ainda agradam aos magnatas da indústria do cigarro. Estes, por sua vez, já conseguiram até incentivos fiscais para instalarem as suas indústrias de processamento da droga tabaco, tudo de forma “legal”, por leis aprovadas nas casas legislativas.
   Num cenário assim, o combate à droga tabaco fica mais difícil. Não é de estranhar, pois, que as campanhas antidrogas na mídia até o momento foram muito tímidas em relação ao tabagismo.  Uma grande rede de comunicação fez uma campanha contra o consumo do crack . Ótimo. Mas seria também interessante que a mesma ênfase fosse dada em relação ao tabagismo. Há um estranho silencio sobre o tema.
    Há pouco dias, fumicultores fizeram manifestação nas estradas gaúchas. Queimaram fumo em protesto a medidas restritivas ao tabagismo propostas pela ANVISA. Alguns políticos se apressaram em representá-los em Brasília, alegando  que as campanhas da ANVISA, poderiam reduzir o consumo da droga tabaco e com isso gerar desemprego. Alguns jornalistas, em seus comentários, enalteceram a necessidade de manter empregos e renda no campo. Nenhum comentário sobre os malefícios à saúde. Ora saúde. Que se dane quem fuma. O que interessa é dinheiro, é voto. Sempre tem sido assim. Faz-se uma demagogia tremenda com a geração de trabalho e renda a tal ponto que se justifica o plantio de uma droga que mata milhões de pessoas pelo mundo afora.
    Mas os tempos estão mudando. A sociedade já começou a reagir. Talvez tenhamos em breve, na grande mídia, uma campanha do tipo CIGARRO, NEM PENSAR.



Ministra do Meio Ambiente não abre mão de punir quem desmatou



A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou ontem (31/03/11) que não abre mão de punir os produtores rurais que desmataram ilegalmente. O assunto faz parte dos debates em torno do novo Código Florestal, que está em discussão no Congresso Nacional. "O Ministério do Meio Ambiente nunca concordou com anistia a desmatador. A quem cometeu crime ambiental, desrespeitando a lei, não cabe anistia", frisou a ministra, durante debate sobre meio ambiente na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Apesar de reconhecer que o tema continua polêmico entre os parlamentares, polarizados entre ruralistas e ambientalistas, Izabella Teixeira mostrou-se mais otimista quanto aos rumos das negociações. Segundo a ministra, existe hoje predisposição de todos os atores para o diálogo e para a construção de convergência, numa perspectiva muito diferente da de 2010. "O clima é outro: é de negociação e muito positivo", afirmou.


O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que também participou do debate, demonstrou preocupação com o formato final do Código Florestal. "O relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), como está hoje, nem de longe me agrada. É preciso debatê-lo mais, modificá-lo em pontos importantes, protegendo as áreas de proteção permanente", disse o deputado.



Molon denunciou a possibilidade de haver um "patrolamento" da bancada ruralista na questão, usando de força para aprovar a matéria, sem maior discussão. Ele afirmou que o risco existe e que a sociedade precisa se mobilizar para evitar que isso aconteça. "É hora de mandar e-mails e cartas, telefonar para seus representantes, cobrando firmeza no enfrentamento da bancada ruralista, que vai pensar em primeiro lugar nos negócios e nos lucros. Devemos pensar na proteção da vida e na preservação do meio ambiente", destacou.



O reitor da PUC Rio, Josafá Carlos de Siqueira, criticou a forma como o Código Florestal está sendo tratado no Congresso. Segundo ele, não se pode fazer modificações contra a preservação do meio ambiente ou que representam retrocesso. "Não tem sentido darmos passos para trás", disse Siqueira.



"O aconselhável é levar em conta a opinião dos cientistas, antes de tomar determinadas atitudes. Redução da área de florestas [nas margens de rios] vai de encontro a todos os estudos que nós temos", criticou o reitor.



FONTE
Agência Brasil
Vladimir Platonow - Repórter
Nádia Franco - Edição

29 de março de 2011

Água transparente. O que a gente não vê.


Por Darci Bergmann


  Para muitas pessoas, a qualidade da água está ligada  apenas à questão da transparencia. Mas isto leva a equívocos. O uso intensivo de agrotóxicos, produtos de limpeza, entre outros, acaba atingindo a água de várias formas. Mesmo em regiões remotas a contaminação já tem sido constatada. Alguns contaminantes atingem os mananciais a centenas de quilômetros de distancia. Parte dos agrotóxicos e seus solventes, por exemplo, quando muito voláteis, podem ser arrastados pelas correntes de ar e depois se precipitam sobre a superfície terrestre com as chuvas, bem longe do ponto inicial de aplicação.
  Na região da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, grande produtora de arroz irrigado, muitos herbicidas são utilizados, em aplicações aéreas e terrestres. Um produto em especial, o Clomazone, mais conhecido no mercado como Gamit, é extremamente volátil. Se uma embalagem contendo clomazone for aberta e logo em seguida fechada novamente, já ocorre a volatilização de parte do produto. Em alguns dias a vegetação no entorno já mostra sinais de branqueamento, ou clorose albina. Quando o clomazone é aplicado nas lavouras, por avião ou pulverização terrestre, formam-se gotas de vários tamanhos. As menores, mais leves, não atingem o alvo e são arrastadas pelas correntes de ar, provocando a deriva. Mas há uma outra questão, talvez a mais preocupante com relação a esse e a outros produtos muito voláteis. O princípio ativo desprende-se das micro-gotas, pois parte da água usada como veículo também evapora. Assim, moléculas do agrotóxico livre se espalham pelo ambiente ao sabor das correntes de ar, voltando ao solo com as precipitações. 
  Tenho constatado que em regiões a muitos quilômetros de qualquer lavoura, plantas nativas apresentam sintomas de branqueamento por clomazone. Algumas espécies são mais vulneráveis e servem como indicadoras da ação do clomazone. Este é o caso da canafístula (Pelthophorum dubium), do cinamomo (Melia azedarach), entre muitas outras mais.
  Se a flora é atingida pelos agrotóxicos, que dizer então da água. Num trabalho feito pela EMBRAPA, unidade de Pelotas, foram monitoradas algumas lavouras de arroz que receberam aplicações de clomazone via aérea. O objetivo era verificar em situação real a presença de resíduos de clomazone na água dos condutos das lavouras pulverizadas. As análises mostraram que até 115 dias após a aplicação foi detectada a presença de clomazone na água. Essa pesquisa da EMBRAPA, contradiz as versões dos vendedores de clomazone e até da empresa FMC, registrante do produto Gamit. 
  A situação é ainda mais preocupante se for levada em conta toda a gama de produtos químicos que são utilizados no dia a dia. Mesmo a nível doméstico, as nossas casas tem sido contaminadas de várias formas. No afã de manter um ambiente livre de insetos e aracnídeos,   muitas pessoas exageram e pulverizam os ambientes domésticos. Casas e quintais são alvos de agrotóxicos. A lista aumenta com os produtos de limpeza, desinfetantes, tintas, solventes e até remédios, muitos descartados nas pias e vasos sanitários. As pessosas também querem se livrar das sobras e embalagens desses produtos. Boa parte disso vai para a coleta pública. Mesmo assim, o problema continua, pois os mananciais de água são os receptores dessa carga tóxica que volta até nós. 
Só há um meio de pelo menos atenuarmos os efeitos dessa contaminação do amibiente e das águas: é reduzirmos o consumo de alguns produtos, pela mudança dos nossos comportamentos. No caso dos agrotóxicos, alguns princípios ativos devem ser proibidos, como é o caso do Clomazone (Gamit). Não há justificativa para que um produto com esse potencial de contaminação continue a ser utilizado.
  A nível domiciliar, é preciso rever alguns conceitos. Uma simples barata, em visita ocasional a uma residência, não pode ser motivo para pulverização de todo o ambiente, colocando em risco os moradores. Medidas simples podem resultar em controle desse inseto sem riscos maiores. Por exemplo: utilização de iscas localizadas e cobrir os ralos dos banheiros. 
Para os mosquitos a colocação de telas nas aberturas da moradia e os mosquiteiros nas camas são medidas eficientes. Nos quintais, as medidas preventivas requerem que frascos, potes, peneus, plásticos, etc. não acumulem água das chuvas. É ali que as larvas dos mosquitos se desenvolvem. 
Como aliados no controle de artrópodes indesejados, os sapos, pererecas e lagartixas são importantes. 
Portanto, se quisermos uma água de boa qualidade, temos que mudar a nossa maneira de agir. 
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Mais sobre o tema:      




25 de março de 2011 às 14:27

Wanderlei Pignati: Até 13 metais pesados, 13 solventes, 22 agrotóxicos e 6 desinfetantes na água que você bebe

por Manuela Azenha, de Cuiabá (MT)
Há cinco anos, Lucas do Rio Verde, município de Mato Grosso, foi vítima de um acidente ampliado de contaminação tóxica por pulverização aérea. Wanderlei Pignati, médico e doutor na área de toxicologia, fez parte da equipe de perícia no local. Apesar de inconclusiva, ela revelava índices preocupantes de contaminação.
Em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Pignati passou então a dirigir suas pesquisas à região Centro-Oeste.  Professor na Universidade Federal do Mato Grosso,  há dez anos ele estuda os impactos do agronegócio na saúde coletiva. É o estado onde mais se aplica agrotóxicos e fertilizantes químicos no Brasil, país campeão no consumo mundial dessas substâncias. Pignati alerta que três grandes bacias hidrográficas se localizam no Mato Grosso,  portanto quando se mexe com agrotóxico no estado, a contaminação da água produz impacto enorme.
O projeto de pesquisa coordenado por Pignati tem o compromisso de  levar  às populações afetadas os dados  levantados e os diagnósticos. Para ele, é fundamental promover um movimento social de vigilância sanitária e ambiental que envolva não só entidades do governo, mas a sociedade civil organizada e participativa.
Diferentemente da União Européia, aqui a legislação não acompanha a produção de conhecimento científico acerca do tema. Segundo Pignati, a legislação nacional, permissiva demais, limita a poluição das indústrias urbanas e rurais, enquanto paralelamente a legaliza.
As portarias de potabilidade da água, por exemplo, ampliaram cada vez mais o limite de resíduos tóxicos na água que bebemos. E na revisão da portaria que está prestes a acontecer, pretende-se ampliar ainda mais.
Pignati condena a campanha nacional em prol do álcool e do biodiesel, energias que considera altamente prejudiciais e poluentes para o país que as produz: “Se engendrou toda uma campanha para dizer que o biodiesel viria da mamona, do girassol, de produtos que incentivariam a agricultura familiar, mas é mentira, vem quase tudo do óleo de soja”.
Assim como a pesquisadora cearense Raquel Rigotto (leia aqui a entrevista dela ao Viomundo), Pignati também questiona a confiabilidade do  “uso seguro dos agrotóxicos”,  um aparato de normas e procedimentos que mesmo se contasse com estrutura para seu funcionamento ideal, ainda assim não garantiria o manejo absolutamente seguro dos venenos.
Para Pignati, a falta de investimento na vigilância à saúde e ao ambiente no Brasil é uma questão de prioridade: “Tem muito dinheiro para vigilância, mas não para o homem. Existe um verdadeiro SUS que cuida de soja e gado, produtos para exportação”.
Viomundo – Desde o acidente de Lucas do Rio Verde, o que o senhor vem pesquisando?
Wanderlei Pignati – Na verdade, faz mais de dez anos que pesquisamos os impactos do agronegócio ao homem e ao ambiente.
Na safra de 2009 pra 2010, Mato Grosso usou 105 milhões de litros de agrotóxico. O Brasil usou 900 milhões, quase 1 bilhão de litros de agrotóxicos. É o maior consumidor do mundo. E Lucas do Rio Verde usou 5 milhões em 2009. Aonde vai parar esse volume todo? É isso o que temos pesquisado.
Estudamos a contaminação das águas e para isso a gente trabalha com bacias. No Mato Grosso, você tem várias bacias. A bacia do Pantanal, que é do rio Paraguai e nasce aqui no estado. Tem a bacia do Araguaia, uma de suas grandes nascentes é o rio Morto, aqui em Campo Verde. E a bacia do Amazonas em Lucas do Rio Verde, cujas nascentes são os rios Verde e Teles Pires.
Portanto, quando você mexe com agrotóxico e fertilizante químico no Mato Grosso, está mexendo com as três grandes bacias do Brasil: a do Araguaia, a Amazônica e a do Pantanal. A bacia do Pantanal é uma questão mais séria ainda porque ela vai atingir outros países, como Paraguai, Argentina e Uruguai. Tem três grandes bacias e três biomas no estado: o pantanal, o cerrado e a floresta.
As nascentes dos rios dessas bacias estão dentro das plantações de soja. É o mesmo caso da bacia do Xingu, o maior parque índigena do Brasil. As suas  nascentes estão nos municípios em volta, onde está cheio de plantação de soja, de milho e algodão. Queriam implantar mais uma série de usinas de açúcar e álcool no entorno do pantanal, mas veio um decreto do presidente proibindo. O agronegócio não respeita essa questão das bacias e nem das nascentes dos rios. Essa problemática é o que estudamos.
Em Lucas do Rio Verde, em 2006, houve um acidente agudo que saiu na mídia. Na mídia daqui, saiu pouco porque é muito comprometida com quem a paga, que na época era o governador Blairo Maggi. Ele tem a mídia sob controle.  Na época, estavam dissecando soja em torno das plantações, que se estendem até a beira da cidade.  Planta-se e pulveriza-se com trator ou com avião. Em Lucas, pulverizava-se a soja transgênica, que é muito pior para o ambiente do que a soja normal.
Viomundo – A maioria da soja já é transgênica?
Wanderlei Pignati – No Mato Grosso, 80% dessa última safra já é. No Rio Grande do Sul, é 95%. Agora está entrando muito milho transgênico também. Aqui, tira-se a soja e planta-se o milho. São duas safras grandes de plantação aqui.
Viomundo – Os transgênicos exigem mais agrotóxicos?
Wanderlei Pignati –A soja transgênica sim, porque  não é resistente à praga, ela é resistente a um agrotóxico, que é o glifosato. Esse é um agrotóxico bastante usado, que a Monsanto patenteou com o nome de Roundup. Na soja comum, você não pode usar o glifosato depois de ela ter nascido,  porque ele mata o mato e a soja também. Mata minhoca, fungo, bactérias sensíveis a ele. Por biotecnologia, pegaram uma bactéria resistente ao glifosato e injetaram o DNA dessa bactéria no DNA da soja.
Então, o glifosato só era usado antes da soja nascer para matar as ervas daninhas. Agora, como é resistente, aplica-se o glifosato a cada quinze dias e o uso dele foi multiplicado na soja. Depois, precisa madurar e dissecar a soja rapidamente para plantar o milho.  No meio natural, demora um mês e pouco. Com esse dissecante, em três dias a soja madura, seca e a máquina já pode entrar na plantação. Isso para aproveitar as chuvas da segunda safra e plantar o milho. Mas para dissecar agora já não se  pode usar o glifosato, porque a soja é resistente a ele. Então usa-se outro tipo de agrotóxico, o diquat ou o paraquat, classificado como classe 1, extremamente tóxico. O glifosato é classe 4, tóxico também, mas pouco. Oparaquat é proibido na União Européia.
Além de multiplicar o uso do glifosato, você agora usa um agrotóxico extremamente tóxico como secante [da soja]. E não é toxico só para o humano, ele é altamente perigoso para o ambiente, porque mata tudo quanto é coisa, abelha, pássaro. E no  caso de Lucas, eles estavam dissecando a soja de avião, usandodiquat paraquat em torno da cidade.
Uma nuvem foi para dentro da cidade e queimou todas as plantas medicinais. Tinha um horto de plantas medicinais com mais de 100 canteiros que abastecia várias cidades. Foram queimadas as hortaliças e plantas ornamentais da cidade também. Deu um surto agudo de vômito, diarréia e alergia de pele em crianças e idosos. Os médicos classificaram como rotavirose.
Nós da Universidade Federal do Mato Grosso fomos chamados pelo Ministério Público de Lucas do Rio Verde e do estado para fazer uma perícia. A gente viu que a coisa era bastante séria, um acidente sério que acontece todo dia. É a chamada deriva de agrotóxico. É previsível, porque os agronômos sabem que tem vento, o vento não está parado. Então, você passa agrotóxico perto da cidade e o vento vai levá-lo para lá.
O pessoal se esconde por trás da palavra “deriva” para dizer que aquilo foi um acidente, mas é um acontecimento prevísivel. Passar um agrotóxico extremamente tóxico a partir de um avião é mais previsível ainda. Mesmo quando o agrotóxico já está no solo, ele depois se  evapora. Jogar veneno é um ataque quase de guerra. Não se trata de pesticida ou defensivo agrícola. Na legislação, está como agrotóxico. O trabalhador que está passando o agrotóxico pode estar protegido com todos os EPI (equipamento de proteção individual), mas e o ambiente? Vai colocar EPI nas outras plantas? Querem matar os insetos, o fungo, a erva daninha. Então teria de  colocar EPI nos outros animais, como no peixe e no cavalo.
O uso seguro do agrotóxico é altamente questionável. Pode ser seguro para o trabalhador, isso se ele usar todos os EPI. Mesmo assim, tem toda uma questão da eficiência e eficácia desses EPI. Sou também médico do trabalho e a gente vê isso. A eficiência e eficácia do EPI é de 90%, se [os trabalhadores] usarem máscara com o filtro químico adequado. E o resto do vestimento? Agrotóxico penetra até pelo olho! Pela mucosa, pela pele. Então teria que ter até um cilindro de oxigênio para respirar igual a um astronauta. O filtro pega 80% ou 90% dos tipos de agrotóxico. Hoje, você tem mais de 600 tipos de princípios ativos e são 1.500 tipos de produtos formulados. Tem agrotóxicos novos com moléculas muito pequenas que passam pelo filtro. Então, com toda a proteção ideal, você protege o trabalhador. Mas, e o ambiente?
Os resíduos vão sair na água, depois na chuva, vão ficar no ar, vão para o lençol freático. A gente viu isso na cidade, depois fizemos uma perícia mas ficou inconclusiva. Por isso, resolvemos fazer uma pesquisa junto com a Fiocruz. Ao mesmo tempo, estava-se articulando pesquisas em outros estados aqui da região Centro-Oeste. O nome da nossa pesquisa é “Avaliação do risco à saúde humana decorrente do uso do agrotóxico na agricultura e pecuária na região Centro-Oeste”. A gente pegou dois municípios e um município-controle, em que quase não se usa agrotóxico.
Viomundo – As pesquisas em Lucas do Rio Verde já estão bastante avançadas?
Wanderlei Pignati – Já. Talvez a análise do leite materno tenha sido um dos últimos tópicos, mas a gente continua com sapos e com peixes.  Em outros munícipios, a gente não fez o teste do leite, por exemplo. Mas isso porque Lucas é o maior produtor de milho no estado do Mato Grosso, terceiro em produção de soja. Então achamos que era necessário o trabalho. Analisamos o leite materno de 62 mulheres em Lucas, 20% das nutrizes amamentando no ano passado. Todas as amostras revelaram algum agrotóxico. Mas o que mais deu nessas amostras é um derivado de DDT, que se usava na agicultura até 1985 e na saúde pública, até 1998, para combater a malária.
Só que ele é cumulativo, entra na gordura e não sai mais. O segundo que mais deu foi endossulfam, 40%. É um clorado proibido faz 20 anos na União Européia. E por ser um clorado também fica acumulado na gordura. Retirar o leite é uma maneira de analisar os resíduos de agrotóxico na gordura, menos agressiva que uma biópsia. Quando a mulher fabrica o leite, as gorduras mais antigas vão para o leite.
Depois desse acidente, despertou na população um movimento de querer saber o que está acontecendo.
Viomundo – E depois que a perícia averigua a causa do acidente, o que acontece?
Wanderlei Pignati – Algumas coisas você comprova na hora, outras demoram anos. Fazemos análise de resíduo de agrotóxico na água, no solo, na chuva, no leite.
Para avaliar o leite, a gente começou há três anos a desenvolver uma técnica para analisar dez agrotóxicos de uma só vez. Uma substância isolada é custosa em termos de dinheiro e tempo e, analisando dez substâncias, a chance de encontrar  resíduos é maior. Das amostras, 100% deram pelo menos um tipo de agrotóxico. Pegamos os 27 tipos de agrotóxicos mais consumidos na região do Mato Grosso e fizemos as análises. Dentre os 27 mais consumidos, você não tem o glifosato, por exemplo, que é o herbicida mais usado no país, porque não tínhamos tecnologia no Brasil para analisá-lo. Hoje tem, mas é muito cara. Os únicos que fazem esse exame são meia dúzia de laboratórios.
Periodicamente a gente levanta dados, tem as dissertações de alunos. No nosso grupo de estudos, tem uma aluna que estuda resíduo de agrotóxico em leite, outra que estudou agrotóxicos e câncer. Onde tem a maior incidência de câncer aqui no MT? Justamente nas regiões  produtoras do estado. Em torno de Sinop: Lucas do Rio Verde, Sorriso, Nova Mutum, que são os municípios no entorno. A região de Tangará da Serra, Sapezal, Campos Novos dos Parecis, que são os grandes produtores de soja. E a região de Rondonópolis, Primavera, Campo Verde, Itiquira, onde se produz muito algodão.
São as grandes regiões produtoras onde tem maior incidência de câncer, má formação, intoxicação aguda. Você tem 80% a 90% desmatado nesses lugares. Se está desmatado, é porque está se plantando soja, milho e algodão até a beira das casas. Mato Grosso produz 50% do algodão do Brasil e é justamente a cultura que mais usa agrotóxico. No Mato Grosso, em média, um hectare de soja usa dez litros de agrotóxico: herbicida, inseticida, funigicida e o dissecante.  O milho usa seis litros. A cana, quatro litros e o algodão, vinte.
Como a gente tem grande produção de soja — são seis mihões de hectares de soja no Mato Grosso –, dá 60 mihões de litros de agrotóxico na soja. Obtemos esses números no INDEA [Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso], onde todo receituário agronômico e uso de agrotóxico é registrado. Na maioria dos estados não tem, mas deveria haver esse banco de dados. São 40 municípios que consomem 80% desses 100 milhões de litros de agrotóxicos.
No geral, ocorre uma contaminação, inclusive da chuva, que tem muito agrotóxico presente. Ele evapora,  depois desce, principalmente no período de chuva, que é quando mais se usa agrotóxico. Na entressafra, chove pouquíssimo. Então, quase ninguém está plantando. O agrotóxico evapora, desce e vai para toda região, não só para aquele município onde foi aplicado. Vai para o ar também. Se você está pulverizando a alguns metros de uma escola, esse ar vai para os alunos, para os professores. E os poços artesianos a alguns metros de uma grande plantação de soja, milho ou algodão também se contaminam.
Com o tempo, o agrotóxico vai penetrando no solo e sai no poço, mesmo que esteja a 50, 60, 70 metros de profundidade. Isso é o que a gente chama de poço semi-artesiano e a maioria é assim. Uma região de cerrado tem pouco abastecimento por córrego, é mais por poço artesiano que as cidades e comunidades rurais se abastecem.
Encaminhamos o relatório dessa pesquisa para o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. Lá em Lucas, a gente já fez uma audiência pública na Câmara Municipal, onde apresentamos esses dados. Estavam presentes vários professores, vereadores, os secretários da saúde, educação e agricultura. As Secretaria da Agricultura e do Meio Ambiente são juntas em 140 dos 141 municípios de Mato Grosso. O grande poluidor do meio ambiente — a agricultura químico-dependente, que desmata e usa muito agrotóxico e fertilizante químico –  tem o mesmo gestor e fiscalizador que o meio ambiente. A maioria dos secretários da agricultura é de fazendeiros, eles não vão denunciar a poluição dos colegas deles. Aqui no estado, a única exceção é Cuiabá, mas é onde não tem agricultura.
O MP [Ministério Público] está elaborando um termo de ajuste de conduta. Em Campo Verde  também teve uma audiência pública para estabelecer uma legislação com os dados parciais que a gente já tinha e fazer uma legislação que determinasse a distância mínima para pulverização no entorno da cidade. O promotor recebeu o relatório e está preparando um ajuste de conduta também.
Esses lugares são semelhantes entre si, porque são dos 40 municípios do estado que consomem 80% dos agrotóxicos, dos fertilizantes químicos e das sementes. A dinâmica é parecida nesses 40 municípios. Desmata-se e pulveriza-se até a beira do córrego, no entorno dele e nas nascentes. As comunidades rurais e a própria cidade ficam ilhadas no meio das plantações.
No pasto, usa-se muito herbicida e inseticida e isso vai entrar no ciclo da carne. Os outros suínos e as aves são contaminados pela soja e pelo milho, porque a ração desses animais é à base desses produtos. Dessa maneira, os resíduos do agrotóxicos vão parar nos alimentos.
O Ministério da Saúde  analisou 20 tipos de alimentos e 30% pelo menos deram algum tipo de agrotóxico. A maioria dos agrotóxicos analisados — foram mais de cem –  é  autorizado aqui no Brasil.
Uma boa parte, uns 14, está sob revisão. Dois ou três foram proibidos e o endossulfam, bastante usado aqui e muito tóxico, vai ser proibido a partir de julho de 2013.
Metamidofois,  outro fosforado, que dá muito problema no sistema nervoso, psiquiátrico, até doença de Parkinson, vai ser proibido a partir de julho do ano que vem. Esses são proibidos há vinte anos na União Europeia e aqui quando é proibido, é só partir de 2013. Sabe-se que o metamidofós é cancerígeno, neurotóxico e mesmo assim só será proibido a partir de julho do ano que vem.
Viomundo – Já existe conhecimento científico suficiente para uma política mais incisiva? Por que é tão permissiva a legislação brasileira em relação aos agrotóxicos?
Wanderlei Pignati – Você tem a lei do agrotóxico, a Lei 7.802 de 1989,  depois regulamentada pelo decreto 4074, de 2002.  Mas existem alguns furos. Primeiro, quem está fiscalizando? É um volume imenso de agrotóxicos, todos permitidos no Brasil. Teria de haver alguns critérios. E os critérios que existem, como a distância mínima de 500 metros de nascente de água, casas, criação de animais, ninguém respeita.
Viomundo – Mas os critérios no Brasil são diferentes? Por que os proibidos lá fora, aqui são permitidos?
Wanderlei Pignati – São diferentes. Os mais tóxicos são proibidos lá e aqui permitidos. Isso por causa da nossa dependência econômica. Quem governa o Brasil? Aqui, no Mato Grosso, os grandes governantes são fazendeiros, assim como no Goiás. Falo de governantes não só do executivo, mas do legislativo também. Deputados estaduais, os veradores, uma boa parte é fazendeiro e comprometido com esse modelo de desenvolvimento.
Não querem mudar agora o Código Florestal para devastar mais ainda? Aqui, no Mato Grosso, 80% estão devastados por quê? Na região Amazônica também. Segundo a lei, teria que desmatar 20% e preservar 80% nas áreas de floresta, de preservação permanente. No cerrado, você pode desmatar 70% e deixar 30%.
Os agrotóxicos são fabricados lá fora e vêm para o Brasil. O compromisso dos empresários que vendem esses produtos não é com a saúde. E o grande fazendeiro quer saber de matar o que ele chama de praga.
A gente tem que inverter isso, quem é a praga que começou a desmatar, depois a usar um monte de veneno? Dá para produzir sem o veneno? Dá, é o modelo da agroecologia. Entra no modelo dos orgânicos.
O maior produtor de açúcar e álcool orgânico é o Brasil. É produzido numa cidade do interior de São Paulo, Sertãozinho. São 16 mil hectares de cana num processo industrial semelhante ao outro, tem máquina cortando mas sem usar uma gota de fertilizante químico ou agrotóxico. Começou 30 anos atrás, selecionando as sementes, as mudas de cana resistentes. Montou-se um laboratório próprio, com biólogo, engenheiro, para eles mesmos selecionarem ao invés de comprar sementes já selecionadas.
Diferentemente dos outros produtores, que dependem da meia dúzia de empresas que dominam toda indústria de semente de soja, milho, algodão, feijao, arroz. Essas empresas não fazem seleção para não usar agrotóxico ou fertilizante químico, se não como vai ficar a indústria deles, de fertilizante e agrotóxico? O mesmo dono da patente da semente é o dono do agrotóxico e do fertilizante químico. E mais ainda:  é o mesmo que produz o medicamento, da indústria química.
Hoje, uma boa parte de medicação que a gente usa para tratar pessoas que tiveram infecção aguda, câncer ou uma outra doença neurológica, psiquiátrica, é produzido por quem produz fertilizante químico e agrotóxico. É um complexo químico-industrial, estão todos ligados.
É um tanto esquizofrênico para essa sociedade que se diz desenvolvida. Tem que ser outro modelo de desenvolvimento, isso porque eu estou discutindo a área agrícola sem entrar na indústria urbana, que é semelhante.
Existe uma legislação para limitar a poluição e uma legislação paralela para legalizá-la.  Os jornalistas perguntam quanto que é o limite máximo permitido de agrotóxico no litro d’água? A gente já chegou a esse grau de não questionamento, de não se indignar, de acatar isso.
Se você pegar a Portaria 518 de 2004, do Ministério da Saúde, que chama-se Portaria da Potabilidade da Água, dá pra ver o que é permitido ter na água hoje. A gente fala muito de coliformes  fecais. Mas e os agrotóxicos são permitidos? E os solventes? E metais pesados? Todos eles são permitidos.
O litro de água que você bebe hoje, de acordo com essa portaria, pode ter 13 tipos de metais pesados, 13 tipos de solventes, 22 tipos de agrotóxicos diferentes e 6 tipos de desinfetantes. Hoje, a questão mais importante na contaminação da água não é mais a bactéria, mas toda essa contaminação química.
Viomundo – Essas portarias de potabilidade da água aumentaram cada vez mais o limite de contaminação. Por quê?
Wanderlei Pignati – Se você comparar essa portaria com a da Uniao Européia, vai ver que aqui tem 22 tipos de agrotóxicos enquanto lá pode ter, no máximo, cinco.  Os limites lá são ínfimos.
Enquanto lá você pode ter 20 microgramas de glifosato, aqui pode ter 500 microgramas. E ainda querem subir para mais. A primeira portaria, de 1977,  podia ter 12 agrotóxicos, 10 metais pesados, zero solventes e zero derivados de desinfetantes. A seguinte já é de 1990.  A vigente é de 2004. Isso acompanha o crescimento da população urbana e rural, que se  reflete na água. Os agrotóxicos são a poluição rural. Não se faz um tratamento adequado da água, só tiram os coliformes, botam cloro e fazem um tratamento primário. Esse tratamento, de 100 anos atrás, é feito por decantação.
Você coloca o produto, ele decanta, vai todo para o fundo, aí você aspira. É como limpar uma piscina. E os produtos químicos que ficaram dissolvidos na água? Quem usa muito solvente são as indústrias urbanas. Metais pesados são usadas nas indústrias urbanas e na agricultura também, junto com os fertilizantes químicos. Aquilo se acumula durante anos e sai na água. A portaria da potabilidade da água reflete a legalização da poluição urbana e rural.
Viomundo – Como o desenvolvimento urbano e rural foi crescendo, as portarias foram permitindo cada vez mais?
Wanderlei Pignati – Sim, porque essas substâncias vão sendo usadas cada vez mais. Depois,  na revisão da portaria, já querem aumentar o limite. Querem tirar alguns agrotóxicos antigos e colocar outros novos. É uma sociedade sem muita informação e sem muita indignação. A grande mídia fala de limite máximo de resíduo como se fosse uma banalidade. Tudo isso é permitido na água? O leite da vaca tem um monte de coisa permitida também, agrotóxicos que são muito usados no pasto e vão parar na carne e no leite.
Agora, quando é carne para exportar e existe esse limite de resíduo, aí fazemos as análises. Às vezes, volta soja e carne porque não foram aprovados pelo nível de resíduo de lá [do país importador]. Alguém ja viu incinerar aqueles vários navios de soja que voltaram? Depois que o produto saiu da indústria e foi para o supermercado daqui, seja carne, frango, soja, milho, quem fiscaliza?
A vigilância sanitária do município ou do estado tem que ir fazer as análises, e não se faz isso de maneira rotineira. Quando fazem análise de algum produto, analisam o coliforme fecal. Vêem se aquele produto entrou em putrefação. Mas vai fazer análise de resíduo de agrotóxico, que é cara?
Viomundo – Não fazem as análises por falta de estrutura?
Wanderley Pignati – Por falta de estrutura, mas não tem estrutura porque não tem investimento. Mas para exportar não fazem as análises? E para cuidar da saúde do boi e da soja? Existe muito dinheiro para a vigilância à saúde no Brasil, mas não para o homem. Existe a vigilância do boi e da soja. O SUS do boi e da soja.  A vigilância do boi e da soja tem escritórios do governo do estado nos 142 municipios, com agrônomo, veterinário. Tem mais de 20 carros. Quem é que faz toda a estrutura para vacinar 27 milhões de cabeças de gado do Mato Grosso?
Fazem campanha, o veterinário vai todo mês na fazenda ver se vacinou ou não contra febre aftosa. O fazendeiro compra a vacina, tudo bem, que é o custo menor. Aqui,no Mato Grosso, você tem 500 mil crianças abaixo de cinco anos e qual é a cobertura contra sarampo, hepatite, meningite, tuberculose? Vacinou quantos por cento das crianças? As 27 milhões de cabeças [de gado] estão todas vacinadas, do contrário não são exportadas. A infraestrutura é com o dinheiro público, mas os bois são de dinheiro privado. Com a soja, é a mesma coisa. Tem toda uma estrutura para não espalhar a ferrugem, que é um fungo da soja. Os agrônomos da Saúde tiram amostra, orientam os fazendeiros, fazem análise. O boi para exportar recebe cuidado, mas o que fica aqui e vai parar no supermercado, não.
Viomundo – O Mato Grosso é o maior produtor agrícola e maior consumidor de agrotóxico do país. O senhor acha que a alta produtividade de Mato Grosso depende do agrotóxico?
Wanderlei Pignati – As duas coisas estão ligadas. Cada vez se consome mais. Há dez anos, o hectare de soja consumia 8 litros e não 10 litros de agrotóxico, como hoje. Porque hoje você tem uma série de plantas já resistentes aos vários tipos de agrotóxicos. Então, primeiro você usa mais para ver se resolve.Depois, você troca por outro mais tóxico.
Viomundo – Mas é viável eliminar os agrotóxicos?
Wanderlei Pignati – Se você partir do sistema e começar a substituir a semente, sair desse domínio da semente, lógico que é viável, em grande escala. Como acontece em Sertãozinho, o maior produtor de açúcar orgânico do mundo. Eles exportam 99,9% dos produtos para União Européia. Hoje em dia a UE está preferindo nossos produtos orgânicos. Hoje tem algumas fazendas produzindo soja orgânica ou mesmo a soja tradicional, não transgênica, que já consome menos agrotóxico.
A UE prefere a soja não transgênica não só por causa do gene da bactéria que foi colocado junto com o da soja, mas também por causa dos resíduos do agrotóxico. Tem um nível de glifosato maior e depois, para dissecar, é usado o diquat ou paraquat, que é proibido na UE. Na China, na Índia, nos países do Oriente Médio e da África, esses produtos entram. Vamos levar a poluição para os nossos irmãos da África, da Ásia, que lá não tem controle nenhum. A sociedade precisa abrir os olhos e se mobilizar.
Viomundo – O governo Lula manteve esse modelo de desenvolvimento?
Wanderlei Pignati – Manteve, inclusive incentivou muito. Ele entrou dizendo que faria reforma agrária e fez praticamente nada. Ele fez 10% do que foi prometido. Em relação aos fazendeiros, ajudou o investimento na produção do biodiesel, da cana, ajudou a arrumar os portos, as estradas, mantendo algumas coisas do Fernando Henrique Cardoso. Por exemplo, manteve a antiga lei Kandir, em que os produtos rurais são isentos de imposto de exportação e do ICMS, então produzem soja e não fica um tostão aqui. Só produto industrializado é que paga imposto. Então, por que a gente produz tanta soja, exporta e mantém pouca industrialização aqui?
A carne é a mesma coisa, se você industrializar o que tem no frigorífco e transformar em salsicha, linguiça, aí paga imposto. E ainda vieram os governos estaduais, acabando com o ICMS.
Agrotóxico não paga ICMS, mas medicamento paga. Carros usados na agricultura, como tratores, não pagam ICMS aqui em Mato Grosso. São um monte de benesses que os governos federal e estadual deram ao agronegócio. Para a agricultura familiar, deu um pouquinho, para não dizer que não deu nada. Deram 95% aos grandes e 5% para a agricultura familiar.
Essa assistência técnica que o governo dá para os grandes produtores de boi e soja não tem nos assentamentos rurais. O governo manteve o modelo e ampliou mais ainda com o negócio do biodiesel, do álcool, dizendo que é a energia mais limpa do mundo. É mais limpa quando está dentro do navio, pronta para exportar, pois aqui dentro o álcool é a energia mais suja do mundo.  E agora o biodiesel. Tem que desmatar, usar agrotóxico, fertilizante químico, é o que mais emprega trabalho escravo, é o que mais está matando trabalhador na zona rural, inclusive de exaustão. Polui com os detritos dessas indústrias rurais.
Nossa gasolina tem que ter 20% de álcool e se consome muito nos carros a álcool. Agora, por decreto governamental, o diesel é 5% biodiesel. E de onde vem? Se engendrou toda uma campanha para dizer que viria da mamona, do girassol, de produtos que incentivariam a agricultura familiar. Mentira, hoje, 95% vem do óleo de soja. O Mato Grosso é um dos maiores produtores de biodiesel. Você pega o óleo de soja, que é um alimento, e transforma em óleo para ser misturado com o diesel lá em Paulínia [São Paulo]. O Lula incentivou isso. A maior indústria de biodiesel do Brasil fica aqui em  Barra do Bugres e há dois anos o Lula veio aqui inaugurar. Agora já tem dezenas no país todo. Assim como o álcool, com o qual poderia se produzir açúcar e outros alimentos em vez de ser produzido para carros.
Viomundo  – Do governo Dilma pode se esperar alguma mudança?
Wanderlei Pignati – É continuidade do governo que prioriza o desenvolvimento industrial urbano e rural nesse mesmo modelo. Pode piorar ainda mais se passar essa reforma do Código Florestal. Não é o governo da Dilma, é de vários partidos, como foi o do Lula. Um monte de empresários que permitem e mantêm esse modelo. A gente pensou que o governo Lula fosse mudar, não digo acabar com o capitalismo, mas, pelo menos, mudar um pouco essa correlação. Melhorar a agricultura familiar, ir no sentido da agroecologia, dar o mesmo privilégio de financiamento para os grandes e pequenos produtores. Nada disso aconteceu.
Viomundo – Lula ampliou o sistema de crédito para a agricultura familiar. O senhor não acha o suficiente para inverter o rumo do desenvolvimento?
Wanderlei Pignati – Ele ampliou no orçamento, mas no financeiro, quem conseguiu pegar? Grande parte dos assentamentos não tem uma legalização que pode ir lá pegar o financiamento. E se conseguir pegar, cadê a assistência técnica para ele produzir? A agricultura familiar vive um drama. Os pequenos produtores podem pegar 10 mil reais e o grande pega 10 milhões, 20 milhões. Desses 10 milhões de reais, ele vai investir oito e com os outros dois milhões, ele compra apartamento, outras coisas.
O pequeno, que pegou 10 mil reais para produzir, é com muito sacrifício, bota toda a família para trabalhar. São políticas iguais para o grande e para o pequeno — e não funciona assim. Tem de ter uma estrutura de crédito, de manejo, de assistência, que hoje não há. O grande produtor tem seus agrônomos. O pequeno, não. Fica sendo uma política mais demonstrativa, “dei tantos milhões”. Mas quantos pegaram? E os que pegaram o financiamento, quantos cumpriram aquilo? O pequeno gosta de cumprir. Os grandes não precisam, porque depois vem a anistia, eles não pagam impostos.
 Fonte:viomundo