21 de julho de 2010

DE VÍTIMA A RÉU (1)


Por Darci Bergmann

Na adolescência, fumei alguns cigarros ainda que esporàdicamente. Aquela história de imitar os adultos sem medir as conseqüências. Naquela época meu pai era fumante, mas por volta dos seus cinqüenta anos, o vício cobrara um preço alto e a realidade ali estava: a nicotina e todos os elementos nocivos aspirados junto com a fumaça deflagraram uma debilitação cardíaca e um quadro de enfisema pulmonar. Ali tive a primeira demonstração da propaganda enganosa que os fabricantes inescrupulosos lançam mão para venderem produtos prejudiciais à saúde. Naqueles tempos, a propaganda era feita com cartazes e nas revistas e também pelo rádio. É claro que por auto-estima, parei de fumar. Meu pai viveu um pouco além dos setenta anos. Não fosse o tabagismo teria acrescentado mais alguns anos de vida e com boa qualidade, já que tinha uma boa alimentação e não comia doces.

Com o tempo tornei-me um antitabagista convicto, pois o fumante, além de vítima, extrapola aos que o cercam as mazelas do vício. Os fumantes passivos também sofrem. O tabagismo provoca outras tragédias, estas contra o patrimônio e a Natureza. As pontas de cigarros acesas são causas de incêndios na cidade e nos campos. Pessoas deitam na cama e ali fumam. Adormecem e a bagana acesa inicia o sinistro. Na zona rural, já flagrei queimadas que iniciaram porque alguém que passava de carro jogou uma bituca de cigarro na macega seca pela estiagem. Nesses casos, o vento avoluma o fogo e metros adiante o que era verde se desidrata e a queimada se transforma em tragédia. Consome o capim, arbustos e o que vive neles de animais. Os que não morrem se tornam vítimas porque perdem os refúgios. As árvores são atingidas pelo calor do fogo que lhes consome a casca, causando o anelamento. Algumas resistem, mas a maioria morre a partir da parte afetada pelo calor das chamas.

A queimada na zona rural é enquadrada como crime ambiental. Mesmo que tenha como causa uma bagana de cigarro, a combustão espontânea, faísca de escapamentos de veículos ou um raio em tempestade seca. O proprietário da área afetada responde perante a lei. Supõe a doutrina legal que o dono deveria ter controle do seu patrimônio e como tal tomar medidas preventivas que evitem as queimadas. A chamada responsabilidade objetiva. Parece fácil, em teoria. O mesmo Estado que aufere recursos financeiros com venda de cigarros e assemelhados ainda estimula os seus fabricantes com incentivos fiscais, com a alegação de que o setor gera emprego e aumenta o PIB. Pois esse mesmo Estado é o que move o tacão da lei sobre proprietários que são vítimas das queimadas involuntárias.

Quero deixar bem claro, que sou contra as queimadas, radicalmente, pois já tenho sido vítima delas. Nenhum povo, nenhuma cultura, nas condições do Planeta já com escassez de recursos naturais, pode permitir a prática das queimadas inconseqüentes. Mas há que separar-se o joio do trigo. Por mais que alguém tome medidas acauteladoras, um incêndio pode ocorrer, até de forma criminosa e aí a vítima passa a réu, no entendimento de autoridades cartoriais. Presenciei tais situações que oportunamente deverei trazer a público. É preciso encontrar maneiras de não punir vítimas de crimes ambientais que não cometeram. Nos moldes atuais, o contradito legal custa caro à vítima transformada em réu. É penoso ser proprietário e guardião do patrimônio natural. Invasões, assaltos, queimadas e deriva de agrotóxicos rondam o proprietário rural por mais prevenido e consciente que seja. Se há quem, por teimosia, faz uso sistemático de práticas nocivas ao meio ambiente, que se lhe aplique o corretivo da lei. Diferente é quando alguém, cujo trato com o patrimônio natural tem um histórico de respeito e sustentabilidade, é punido por crimes ambientais que ocorreram por ação de terceiros.

Finalizo com uma pergunta. Quem multará o Estado quando as unidades de conservação e terras que estão sob seus cuidados são assoladas por queimadas?


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