Desastres naturais com grande número de vítimas e desabrigados, como aconteceu em janeiro na serra carioca, parecem ser cada vez mais comuns no Brasil. Não é por acaso, segundo a carta publicada por três pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), em 24 de fevereiro de 2011, na revista Nature. As principais culpadas pelas catástrofes – escrevem Carlos Zucco, Luiz Gustavo Oliveira Santos e Fernando Fernandez – são as políticas de uso da terra no país, que permitem a retirada de mata em montanhas e junto a cursos d’água.
O alerta não vem à toa, e o grupo da UFRJ não é o único a chamar atenção para o problema: este mês de março, deve ser votado no Congresso Nacional o Código Florestal proposto pelo deputado Aldo Rebelo. Nesse contexto, a Organização não-governamental (ONG)SOS Mata Atlântica promoveu, também no dia 24 de fevereiro, um encontro em que dois especialistas expuseram as prováveis consequências das alterações propostas para a lei que protege as florestas na beira de rios (as matas de galeria), a vegetação em encosta e nos topos de morros, e que regulamenta as áreas de floresta nativa que deve ser preservada em propriedades privadas.
Ao contrário do que clamam grandes proprietários de terra, eliminar a floresta junto aos rios prejudica a agricultura, conforme explicou o biólogo Sergius Gandolfi, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Sem vegetação junto aos rios e nas encostas, as chuvas lavam o solo e carregam a camada mais fértil, que deixa de estar disponível para nutrir lavouras e passa a entupir, ou assorear, os rios. E é isso que deve acontecer caso a nova proposta de Código Florestal seja aprovada, já que ela reduz à metade a faixa que deve ser preservada das matas de galeria e elimina a obrigação de manter a vegetação em encostas e topos de morros. "O assoreamento dos rios já está causando um apagão hídrico, que tornará a energia hidrelétrica mais escassa e mais cara", avisa.
Essas medidas, entre outras, reduziriam as reservas obrigatórias em propriedades privadas a ponto de eliminar o passivo ambiental de boa parte das fazendas. O advogado Raul do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA), completou que o Código Florestal, que data de 1934 e passou por diversas modificações de lá para cá, é insuficiente e precisa ser atualizado para o século XXI. Mas de maneira muito diferente da proposta. "Precisamos reconhecer que o passivo ambiental é um problema da sociedade e compartilhar o ônus da conservação", propôs. Para isso, seria necessário instaurar medidas como facilitar o crédito rural para quem recuperar e mantiver áreas de preservação em sua propriedade.
Mais do que defender a 'natureza' por questões estéticas ou por princípio, trata-se de defender a produção de energia elétrica, de evitar as grandes catástrofes e de manter a fertilidade dos solos, por exemplo. "Como acontece tantas vezes em questões ambientais, o bem-estar de muitos está ameaçado pelos interesses de poucos", conclui a carta na Nature.
Pesquisa Fapesp
Maria Guimarães - Jornalista
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