O tempo e a
observação cuidadosa podem nos ensinar muito.
Estamos imersos num mar de preocupações e de cobranças impostas pela civilização
tecnológica. Nesse contexto nem sempre aprendemos as lições que a natureza nos
transmite. Quase sempre queremos resultados rápidos. Quantos são os que plantam
florestas nativas e recuperam áreas degradadas? Um percentual pequeno talvez. O
nosso imediatismo nos leva a consumir ràpidamente o que a natureza levou um bom
tempo para construir. Os produtos das florestas, por exemplo. Precisamos de
madeira, lenha, fibras, matéria-prima para remédios, frutos e sementes. Esses
produtos são muito cobiçados por quem não os plantou e não tem paciência em
produzi-los, nem em conservá-los. Quando escasseiam, pelo excesso de consumo e
esbanjamento, aumentam de preço. Aí, vozes inconformadas bradam ante os
holofotes.
Um modelo de
agricultura predatória na base do arado, do agrotóxico, da monocultura, do uso abusivo
do fogo e desmatamento descomedido arruinou milhões de hectares dos nossos
solos.
Em meio a
esse transe imediatista, surgiram pessoas que alertaram sobre a necessidade de
ações mais respeitosas ao solo e a todas as formas de vida nele contidas. Foram
assim as práticas naturais propostas pelo casal Arthur e Ana Primavesi, que conheci
nos meus tempos na Agronomia da UFSM. Tive a honra de ler e comentar alguns dos
seus livros antes mesmo de serem publicados. E quanto aprendi com eles. Nesse tempo,
conheci também o José Lutzenberger, notável ambientalista. Antes deles, tive
professores no então Ginásio Agrícola Celeste Gobbato*, em Palmeira das Missões, depois
na Escola Técnica de Agricultura – a ETA em Viamão, que se preocupavam com uma agricultura
mais natural. Caso do professor Henrique Muxfeldt e de Napoleão Leiria e outros
mais.
Em Palmeira
das Missões, Henrique Muxfeldt ministrava aulas práticas de silvicultura aos
adolescentes – eu tinha então 15 anos. Elas sempre eram precedidas de uma
explanação. Os alunos sentavam no chão, sob a copa das árvores. Então a gente
aprendia a refletir sobre o tema e a observar a natureza no entorno. Meu grupo
plantou centenas de mudas de araucária, o nosso pinheiro. Muitos anos depois
fiz uma visita ao local e me emocionei ao ver as árvores enormes que resultaram
daquelas mudas produzidas e plantadas na minha adolescência. Só se aprende fazendo.
Um cenário natural é a melhor sala de aula para se aprender sobre a própria
natureza. Como vamos ensinar aos nossos jovens sobre a
natureza se tem escolas sem uma árvore sequer? Penso que ambientes excessivamente artificiais não significam melhor
qualidade de ensino.
Voltemos aos
nossos mestres da agricultura natural. Transcrevo a matéria apresentada no
programa Globo Rural, que faz referência à Ana Primavesi, com todos os méritos.
Nota: * Ginásio Agrícola Celeste Gobbato, hoje Escola Estadual Técnica Celeste Gobbato, .____________________________________________________
Nota: * Ginásio Agrícola Celeste Gobbato, hoje Escola Estadual Técnica Celeste Gobbato, .____________________________________________________
16/09/2012
09h00 - Atualizado em 16/09/2012 09h00
Globo Rural conta a vida e a obra da
agrônoma Ana Maria Primavesi
Manejo ecológico dos solos é o centro do trabalho
de Primavesi.
Em mais de 60 anos de carreira, ela escreveu livros e ganhou prêmios.
Em mais de 60 anos de carreira, ela escreveu livros e ganhou prêmios.
Do Globo Rural
Focando seu trabalho no manejo ecológico dos solos,
Ana Maria Primavesi é a agrônoma que desvendou mistérios da vida no solo. Seu
estudo é um ponto de virada da agricultura tropical. Ao longo de mais de 60
anos de carreira, ela deu aulas, escreveu livros, fez conferências e ganhou
prêmios em vários países.
A doutora Primavesi, hoje com 92 anos, passou a
vida toda no campo, estudando e aprendendo com a natureza. Ao longo da
carreira, ela sempre defendeu uma agricultura natural, sem agrotóxico e que
valoriza a vida no solo. “Para mim é fascinante como a terra melhora, como a
água nasce, como tudo está se desenvolvendo. A minha paixão é o solo, porque
tudo depende do solo, inclusive os homens”, explica.
A renomada cientista nasceu em um vilarejo na
Áustria. De família nobre, teve educação de qualidade, com muita leitura e
estudo de várias línguas. Vivia em um ambiente ao mesmo tempo sofisticado e
muito ligado às coisas simples do campo. A propriedade em que morava era também
uma fazenda, com gado de leite, trigo e outros produtos.
Segundo a geógrafa e professora, Virgínia Knabben,
que está escrevendo um livro sobre Primavesi, o contato com a agricultura,
desde cedo, foi fundamental para que ela resolvesse estudar agronomia e
ciências florestais na Universidade Rural de Viena e, posteriormente, fizesse
um doutorado sobre nutrição de plantas e solos.
Em 1946, Ana se casou com Artur Primavesi, de quem
pegaria o sobrenome. Quando chegaram ao Brasil, em 1949, ambos começaram a
trabalhar como agrônomos, dando início a uma relação profunda com o mundo rural
brasileiro.
Visitando fazendas, conversando com agricultores,
aos poucos, o casal aprendeu português e começou a escrever livros e manuais.
Ao longo da vida, a doutora Primavesi publicou 12 livros e 94 textos e artigos
científicos inéditos.
Para o agrônomo João Pedro Santiago, o pensamento
de Primavesi é um marco na agricultura tropical e começa com uma ideia simples:
o agricultor deve valorizar a vida do solo. “O solo orgânico pode ter, em um
punhado de terra, até cinco bilhões de seres vivos, desde os grandes, como
minhocas, até bactérias, fungos e algas. É um universo de vida e quem fez a
gente enxergar isso foi a Primavesi. Na época em que ela começou a defender
essas ideias, o foco era dado apenas para a adubação química e o para o
veneno”, conta.
Segundo Primavesi, as plantas que crescem em um
ambiente rico em matéria orgânica ficam mais fortes e mais resistentes ao
ataque de pragas e doenças. Ela é totalmente contra ao uso de agrotóxicos.
“Quando você tem um ambiente em que não usa veneno, a vida é diversificada, uns
competem com os outros. É um controle biológico natural. Quando você joga
veneno, vira praga. O tóxico mata a vida”, defende.
De todos os livros da doutora Primavesi, o mais
famoso é o “Manejo ecológico do solo”, lançado em 1979. Com força e
pioneirismo, as ideias da agrônoma se espalharam pelas faculdades de agronomia
e se tornaram referência obrigatória, principalmente para quem estuda manejo de
solos e agricultura orgânica.
Os
ensinamentos de Primavesi
A mensagem da doutora Primavesi também entrou no
dia-a-dia de agricultores de várias regiões do Brasil. É o caso do produtor
orgânico Fernando Ataliba. Em seu sítio de 36 hectares, em Indaiatuba,
interior de São Paulo, ele planta hortaliças, frutas e grãos.
No sítio de Fernando estão vários exemplos
concretos do que ele chama de “manejo Primavesi”. Por exemplo, em todos os
cultivos, as entrelinhas devem estar sempre cobertas, o que ajuda a manter o
solo úmido, fofo e fresco. “Tudo isso enriquece a vida do solo, que vai sendo
alimento de fungos e bactérias. Quanto mais formas de vida, mais saudável e
mais sustentável ele fica”, explica o agricultor.
Outra recomendação de Primavesi adotada no sítio é
a rotação de culturas. A prática é positiva para a saúde do solo e também ajuda
no controle de pragas e doenças. Além de não usar veneno industrial, Fernando
evita também as caldas e defensivos orgânicos.
Outra dica de manejo, particularmente importante
para a agricultura tropical, é o uso de quebra-vento. “O vento constante
desidrata as plantas, carreia a umidade do solo e das folhas, fazendo as
plantas se estressarem com essa situação”, explica Fernando.
Com todos esses cuidados e seguindo à risca as
ideias da doutora Primavesi, a propriedade vem conseguindo resultados positivos
em termos de produção. “Respeitando o equilíbrio do solo e a natureza das
plantas, nós conseguimos explorar todo o potencial genético das plantas. Isso
quer dizer que eu estou produzindo acima da produtividade convencional um
produto de alta qualidade”, garante Fernando.
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