28 de maio de 2012

Esperando a seca mais atroz



Solos prejudicados pela erosão, no município de
 San Cristóbal de las Casas, Chiapas, México.
Crédito:Maurício Ramos/IPS

Por Stephen Leahy

Uma aridez severa e permanente é o futuro previsto por vários estudos científicos para boa parte de México, Estados Unidos e América Central.


UXBRIDGE, Canadá, 21de maio de 2012 (Tierramérica).- Nos mapas que mostram a umidade que terão os solos neste século, México e América Central parecem cobertos por sangue seco. 


Os resultados de 19 modelos climáticos informatizados indicam condições de seca extrema e persistente (coloridos de marrom escuro nos mapas) para quase todo México, o meio-oeste dos Estados Unidos e a maior parte da América Central. Se o aumento da temperatura média do planeta chegar a 2,5 graus em relação à era pré-industrial, como muitos cientistas estão prevendo, essas regiões passarão a conviver com essa aridez severa. 



A situação será pior do que a atual seca do México ou a vivida pelos Estados Unidos na década de 1930, quando intensas tempestades de poeira forçaram a migração de centenas de milhares de pessoas. 



Estas são algumas das conclusões do estudo Projections of Future Drought in the Continental United States and Mexico (Projeções de Seca Futura nos Estados Unidos e México Continentais), publicado em dezembro de 2011 na revista Journal of Hydrometeorology, da American Meteorological Society, e que passou praticamente despercebido.



“As condições de seca prevalecerão, não importa quais forem os registros de precipitações no futuro”, disse ao Terramérica o coautor do estudo, Michael Wehner, cientista climático do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, um centro de pesquisas do governo norte-americano no Estado da Califórnia. “Mesmo nas regiões onde haverá mais chuva, os solos se tornarão mais áridos. Esta é uma descoberta bastante contundente”, acrescentou.



Se não houver importantes reduções nas emissões de dióxido de carbono, como as derivadas da queima de combustíveis fósseis, o aquecimento global chegará a, pelo menos, 2,5 graus entre 2050 e 2090, dependendo da proporção de gases-estufa, da sensibilidade climática e da capacidade de resposta.



Os 19 modelos empregados neste estudo mostram que o calor crescente secará tanto os solos que nem mesmo uma quantidade maior de chuva poderá recuperar seus níveis de umidade. As temperaturas do ar causarão maior evaporação, secando ainda mais os solos. 



A mudança climática também está alterando os padrões de precipitações, concentrando mais e mais chuvas nos meses de inverno. E é mais provável que este fenômeno se manifeste como precipitações muito copiosas e curtas, advertiu Wehner.



Uma vez que o solo esteja seco, a energia solar começa a cozinhá-lo, o que, por sua vez, esquenta ainda mais o ar, explicou ao Terramérica a pesquisadora Beverly Law, especialista em mudança climática da Oregon State University, durante a 16ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada em 2010 no balneário mexicano de Cancún.



Grandes áreas do Hemisfério Sul, por exemplo na Austrália, África e América do Sul, sofreram processos de aridez e desertificação na última década, segundo o estudo Climate Change: Water Cycle Dries Out (Mudança Climática: o Ciclo da Água Seca), publicado em 2010 por Law e seus colegas na revista Nature.



Outra pesquisa divulgada em 2010, Drought Under Global Warming: A Review (A Seca no Aquecimento Global: uma Avaliação), examinou projeções climáticas e determinou que os solos apresentarão aridez extrema em boa parte dos Estados Unidos, do México e da América Central até 2060, com esse processo começando bem antes dessa data. 



Este estudo, de Aiguo Dai, cientista do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, no Estado norte-americano do Colorado, também prevê um cenário semelhante para a o nordeste da América do Sul. “Se essas projeções se aproximarem da realidade, as consequências sociais serão enormes em todo o mundo”, afirmou Dai na ocasião.



Segundo Wehner, as últimas previsões surgidas dos modelos informatizados mais modernos e ainda não divulgados mostram resultados muito semelhantes. “No mínimo, prevemos severas secas no futuro”, apontou. 



O que estas projeções representam para as gerações futuras é “um tema que para mim é muito difícil de falar”, admitiu ao Terramérica. Ao mesmo tempo há poucas pesquisas sobre como a aridez extrema incidirá na agricultura, na disponibilidade de água e nos assentamentos humanos.



“Procuro trabalhar com cientistas agrícolas e de outros campos para determinar esses impactos, mas não encontro financiamento”, lamentou. Lester Brown, especialista internacional em assuntos agrícolas, disse ao Terramérica que “é difícil imaginar as consequências. 



Já estamos à beira do precipício”. O México vive atualmente sua pior seca em 70 anos. O Estado do Texas, no sul dos Estados Unidos, sofreu a sua em 2011, e 56% do território desse país estava em situação de seca no dia 8 deste mês, quase o dobro da área afetada no ano passado, segundo dados do U. S. Drought Monitor.



“Os agricultores de todo o mundo estão batalhando para satisfazer a demanda de alimentos”, observou Brown, presidente do Earth Policy Institute, com sede em Washington. O consumo mundial de grãos cresceu mais que o dobro, bem como os preços.



A escassez de água, os eventos meteorológicos extremos e as temperaturas elevadas já estão causando efeitos, detalhou.



“Todo nosso sistema agrícola é baseado nas condições meteorológicas estáveis que desfrutamos nos últimos milênios. Só que isso está mudando. A agricultura e o clima já não estão em sintonia”, alertou Brown. 



Neste contexto, há uma aceleração na corrida para monopolizar terras cultiváveis e água. No entanto, a concentração da propriedade agrária é a pior resposta para estes problemas, ressaltou.



Nos últimos anos, especuladores, bancos de investimento, fundos de pensão e corporações estatais se apropriaram de aproximadamente 200 milhões de hectares de terras de agricultores pobres de África, América Latina e Ásia. 



E, quando a população local fica sem terra e sem água, se desespera e cai em reações violentas, segundo Brown. “Temos que trabalhar juntos. Não podemos responder a estes desafios se cada país continuar pensando em salvar sua própria pele”, enfatizou.