31 de julho de 2010

O PRESIDENTE E A PERERECA

Por Darci Bergmann

O presidente Luís Inácio Lula da Silva parece incomodado com os pequenos bichos que atrapalhariam as suas grandes obras. Ao se referir às obras do seu governo, Lula afirmou que algumas delas sofrem atrasos devido à burocracia das leis ambientais. Ao discursar em Porto Alegre, no dia 29 de julho do ano corrente, o presidente voltou a se referir a um episódio que teria ocorrido aqui no Estado. Uma obra não saía do papel porque o estudo de impacto ambiental teria identificado uma espécie de perereca em risco de extinção. Depois de seis meses, pela interferência presidencial, a obra finalmente teria sido licenciada. Eu assisti pela televisão o discurso do presidente e me chamou atenção esse detalhe da perereca. Mas o jeito descontraído do presidente, ao contar o fato como uma espécie de anedota, esconde algo muito mais sério. Parece que os governos não gostam de cumprir as leis ambientais. Especialmente em anos eleitorais quando certas obras devem ser anunciadas e iniciadas rapidamente porque podem gerar dividendos. A qualidade de tais obras e os impactos ambientais delas decorrentes parecem não preocupar muito os governantes desde há muitos anos. Em outros tempos, incontáveis obras foram iniciadas por pura demagogia eleitoreira e depois abandonadas por falta de verbas e viabilidade econômica. Outras causaram grandes estragos ambientais, tudo porque foram implantadas às pressas. Agora, prefeitos, governadores e até presidentes usam o pretexto da legislação ambiental como responsável pelo atraso de obras.

O leitor atento verá que enquanto o presidente fica invocado com as pererecas, grupos verbívoros estão sempre atentos para devorar recursos públicos em obras faraônicas por esse Brasil afora. Algumas dessas obras são questionadas não só por questões ambientais, mas também pelos impactos sociais negativos que podem causar às populações. No atual momento, obras previstas de usinas hidrelétricas estão sob forte análise de vários órgãos e inclusive da sociedade civil. Num caso assim pode acontecer que alguma outra espécie de perereca seja acusada de atrapalhar algum licenciamento.

Lembro-me de um fato ocorrido no Fórum Global, em 1992, no Rio de Janeiro. Eu estava num estande de ONG ligada à defesa dos animais, chamada SOZED – Sociedade Zoófila Educativa. Esta e outras organizações promoviam um abaixo-assinado pela proibição da caça esportiva, aquela em que o caçador mata simplesmente pelo prazer. Assinei pela proibição da caça e recolhi outras assinaturas no entorno. Próximo vi o então líder sindical Lula e o deputado Roberto Freire. Cumprimentei-os e disse que Lula estava predestinado a ser um dia o presidente deste País e o meu voto ajudaria para tal, como de fato ocorreu. Depois de rápidas conversas, apresentei-lhes o documento contra a caça rotulada de esportiva. Lula e Freire assinaram e se mostraram adeptos da causa. Mostraram-se preocupados com as questões ambientais e ali no Fórum Global poderiam recolher subsídios. Voltei ao estande da SOZED e disse ao grupo: o futuro presidente da república assinou a favor dos animais.

Hoje, decorridos dezoito anos daquele episódio no Fórum Global do Rio de Janeiro, percebo que o poder parece influenciar as pessoas. As palavras parecem que tem outro significado com o passar dos tempos. Talvez a pressão dos compromissos assumidos em campanhas influencie os mandatários eleitos. Ou quem sabe o tempo vai minando o interesse por certas questões. Não sei se esse é o caso do meu presidente. Mas não escondo que me causa certa estranheza vê-lo incomodado com a perereca.

28 de julho de 2010

Quando a tendência vira fato

28/07/2010 - 10h07



Por Redação Greenpeace


Governo anuncia queda no desmatamento da Amazônia antes de fechar análise anual. Ainda que o corte raso diminua, extração de madeira se mantém.

No fim da última semana, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, chamou a imprensa para divulgar "dados parciais" da taxa de desmatamento na Amazônia. Com números do sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), ela afirmou que, entre agosto de 2009 e maio de 2010, o desmatamento na região caiu 47% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Na festa propagada pelo governo, no entanto, pouca voz foi dada a quem entende de monitoramento. Dalton Valeriano, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe, foi categórico no jornal "Folha de S.Paulo": "Afirmar que o país está desmatando menos ainda é mera especulação".

Valeriano se refere à imprecisão do Deter em medir o tamanho das áreas devastadas. Criado em 2004 pelo Inpe, o sistema veio com o objetivo de, mensalmente, alertar os órgãos de fiscalização quando algo estivesse errado pela floresta. Usando imagens de satélite, o sensor Modis é capaz de "enxergar" cortes rasos e processos de degradação por extração de madeira, mas somente em áreas maiores que 25 hectares. As derrubadas menores que isso ficam de fora. O que não é pouca coisa. De acordo com o próprio pesquisador, hoje os desmatamentos menores representam 60% de toda a devastação.

"Quando o governo começou a usar o Deter e a mandar equipes de fiscalização para os locais que estavam sendo desmatados, os grandes desmatadores entenderam a lógica. Agora, em vez de desmatar uma extensão enorme, eles desmatam várias áreas menores, para que o Deter não pegue", explica André Muggiati, da Campanha da Amazônia do Greenpeace, acrescentando que a imprecisão também ocorre por conta das nuvens: quando o céu está coberto – o que não é incomum na região – nem todas as áreas são identificadas. "Qualquer dado que se refira à área desmatada é equivocado se for gerado por esse sistema. O Deter não foi feito para medir o tamanho do desmatamento".

Dados imprecisos

Por se tratarem de números falhos, o anúncio feito pelo MMA acaba gerando interpretações equivocadas, de que as estatísticas indicam que a agricultura e a pecuária seguem trilhas mais saudáveis, ao mesmo tempo em que a extração predatória de madeira mingua. Ledo engano.

Se o agronegócio está, aos poucos, diminuindo sua pressão sobre a floresta, não se pode falar o mesmo do setor madeireiro. Quem o diz é também o Inpe, com dados do sistema Degrad, criado há dois anos para medir, aí sim, o tamanho de áreas em processo de degradação por extração predatória de madeira.

O gráfico mostra a diferença entre os números do Deter e do Prodes. Os dados de 2010 do Deter ainda não estão completos, e o Prodes ainda não saiu.

Enquanto o desmatamento demonstra queda nos últimos anos, o Degrad mostra que a degradação na floresta seguiu o caminho inverso. Enquanto, em 2007, quase 16 mil quilômetros quadrados foram identificados em estágio de degradação, a taxa subiu para mais de 27 mil km2 no ano seguinte. Os números de 2009, que já deveriam ter ido para a rua, o MMA ainda não soltou.

Para calcular as áreas degradadas, o Inpe utiliza imagens do satélite Landsat, muito mais preciso que o usado pelo Deter. É a partir do que ele aponta que são geradas as taxas anuais de desmatamento na Amazônia. A metodologia adotada para se fazer essa análise ganhou o nome de Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia). Muito mais refinado que o Deter, esse sistema consegue identificar desmatamentos a partir de 6,25 hectares, deixando de fora uma fatia muito menor da devastação.
Para exemplificar a diferença na precisão entre os dois sistemas, não é preciso ir muito longe. Em 2009, o Deter apontou cerca de 4 mil quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia. Pouco tempo depois, saíram os números do Prodes, que havia identificado muito mais: quase 7.500 quilômetros quadrados derrubados. Nesta terça-feira, a ONG Imazon também soltou seus números de monitoramento mensal. Contrapondo os dados do Deter, o instituto afirma que, de agosto de 2009 a junho de 2010 houve, não declínio, mas um aumento de 8% no desmatamento, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Portanto, todo cuidado é pouco na hora de falar de números, ainda mais se tratando de ano eleitoral. "Uma série de fatores levou à tendência de redução do desmatamento nos últimos anos. A moratória da soja e o compromisso público assumido pelos grandes frigoríficos de não comprar mais gado de áreas devastadas influenciaram bastante, assim como as ações de fiscalização", diz Marcio Astrini, da Campanha Amazônia do Greenpeace. "No ano passado, com crise financeira mundial, o que caiu foi a procura pelas commodities. Com menor demanda, os setores que produziam pressionando a floresta diminuíram o ritmo, e isso teve reflexo na queda do desmate."

Tendências à parte, a atenção deve ser redobrada. Julho é quando começa o período de seca e as motosserras são ligadas a todo vapor. Quantas árvores vão cair nos próximos meses, ainda não se sabe. Mas elas têm de entrar na conta antes que qualquer anúncio seja feito.


Foto:
Legenda: Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente: anunciados precocemente, dados parciais do desmatamento abrem espaço para controvérsias.

Crédito: José Cruz/ABr
(Envolverde/Greenpeace)


Há chumbo no seu batom?

Envolverde 27/07/2010 - 11h07


Por Andrea Vialli*


Muitos dos leitores já devem ter assistido aos vídeos sobre sustentabilidade produzidos pela ciberativista americana Annie Leonard, que, entre outros, fez o famoso “A História das Coisas” e também o “A História da Água Engarrafada”.
Agora Annie, cujos vídeos na internet já foram vistos por mais de 10 milhões de pessoas, nos brinda com mais um de seus petardos. “A História dos Cosméticos”, lançado na semana passada, mostra a problemática que envolve a bilionária indústria de cosméticos no mundo todo: a segurança de vários dos produtos químicos utilizados nas fórmulas do shampoo nosso de cada dia, no desodorante, no batom.
Ah, o batom…o vídeo alerta para o fato de que um singelo batomzinho pode conter níveis de chumbo acima das recomendações de segurança, o que pode causar distúrbios de comportamento e até de aprendizagem. Os dados dizem respeito particularmente ao mercado americano: há três anos, a ONG Campaign for Safe Cosmetics publicou um estudo onde denunciava que de 33 grandes marcas de batom testadas, 61% apresentavam chumbo na fórmula.

Só depois de dois anos, com a pressão dos consumidores, o Food and Drug Administration (FDA), órgão americano responsável pela segurança dos alimentos, remédios e cosméticos, se pronunciou sobre o tema, publicando uma pesquisa que revelou níveis de chumbo ainda maiores aos testados pela Campaing for Safe Cosmetics em 2007. Todas as marcas testadas pelo órgão apresentavam o elemento em suas composições. Apesar disso, o FDA afirmou não considerar a substância prejudicial à saúde por não ser ingerido pelos consumidores.

A campanha continua, e o objetivo é fazer com que o FDA estabeleça um limite máximo de chumbo nos produtos de maquiagem – o pesado lobby da indústria de cosméticos, no entanto, tem travado qualquer avanço nesse sentido.

Assista o vídeo, com legendas em inglês - http://www.youtube.com/watch?v=pfq000AF1i8&feature=player_embedded



*Publicado originalmente no blog Ecotendências, editado pela autora. Para conhecer o blog acesse http://blogs.estadao.com.br/andrea-vialli/

Fonte: http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=78306&edt=
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Temas relacionados:


BELEZA TÓXICA
FTALATOS – São usados para tornar macios os brinquedos de plástico e são encontrados na maioria dos cosméticos, perfumes e desodorantes. O que podemos fazer para impedir que as indústrias químicas continuem nos contaminando?

            Os ftalatos, uma família de substâncias químicas nocivas à saúde e à fertilidade humana, estão presentes em quatro de cada cinco produtos cosméticos mais vendidos, segundo um estudo recente feito pelo Women’s Environmental Network - WEN (Rede Feminina de Informações sobre o Meio Ambiente). As descobertas desses estudos são especialmente preocupantes, uma vez que essas substâncias são prontamente absorvidas pela pele e já foram relacionadas a defeitos congênitos, dano a órgãos, infertilidade e câncer.
            Todos os cosméticos de grandes marcas como a Boots, Dior, L’Oreal, Procter & Gamble, Fabergé e Wella não mencionam, no rótulo, os ftalatos usados em sua fabricação. De acordo com a lei britânica, os fabricantes não têm obrigação de listar os ftalatos nos rótulos de produtos. Isso torna praticamente impossível que os consumidores evitem essas substâncias.
            Em seu estudo, a WEN, em associação com a Swedish Society for Nature Conservation (Sociedade Sueca de Preservação à Natureza) e com a organização internacional Health Care Without Harm (Cuidados com a Saúde sem Causar Danos), testou os 34 produtos cosméticos mais vendidos. Quarenta por cento das amostras continham um ou ambos dos seguintes ftalatos, que são altamente tóxicos: di (2-etilexil) ftalato (DEHP) e dibutila ftalato (DBP). Em novembro de 2002, a União Européia aprovou a proibição do uso de DEHP e DBP, embora ainda não tenha entrado em vigor.

Ftalatos em números

·         1 milhão de toneladas de ftalatos é produzido na Europa Ocidental a cada ano
·         3 milhões de mulheres em idade fértil têm, em seus corpos, sete vezes mais ftalatos do que a média (número do Centre for Disease Control – CDC- Centro de Controle de Doenças)
·         1953 foi o ano de realização de um estudo no qual a Agência Estadunidense de Proteção ao Meio Ambiente (USEPA) baseia suas avaliações das quantidades “seguras” de DBP, embora haja estudos científicos mais recentes mostrando defeitos congênitos associados a quantidades de ftalatos muito menores.
·         5.676.935 é o número do documento da patente registrada pela L’Oreal nos Estados Unidos, no qual a empresa declara que: “hoje, é preferível usar em esmaltes outros tipos de plastificantes que não sejam os ftalatos, por motivos de alergias”.
·         289 é o número de pessoas submetidas a testes devido à suspeita de traços de DBP em seus corpos (fonte do dado CDC)
·         289 é o número de pessoas em que a presença de traços de DBP em seus corpos foi confirmada (fonte do dado CDC)
·         100 é o percentual em que foram encontrados ftalatos nas fórmulas de 15 marcas testadas de leite para bebês (fonte do dado: Ministry of Agriculture, Food and Fisheries   Ministério da Agricultura, Alimentação e Pesca do Reino Unido, 1996).
O que são ftalatos?
Ftalatos são líquidos incolores e inodoros que são usados principalmente como plastificantes, para amaciar PVCs e outros plásticos. Cerca de 10% dos ftalatos são usados em produtos de beleza e higiene pessoal para conferir-lhes flexibilidade e para ajudar a dissolver e fixar outros ingredientes cosméticos.
Os ftalatos podem ser absorvidos através da pele, e inalados como vapor e ingeridos quando contaminam alimentos ou quando as crianças mordem ou chupam brinquedos. Em forma concentrada, os ftalatos são considerados lixo tóxico e, enquanto poluentes do ar e da água, são controlados. Entretanto, permanece substancialmente sem regulamentação seu uso em alimentos e cosméticos.

Por que os consumidores devem reagir?

            Ignorando convenientemente os efeitos da exposição cumulativa a diferentes substâncias químicas e das interações entre elas, as indústrias químicas e de plásticos lidam com questões de segurança e com as pressões de regulamentação como sendo problemas da esfera das relações públicas. Durante os últimos 50 anos, essas indústrias fizeram lóbi intenso contra a obrigação de fazer testes de segurança antes da comercialização. Quando são questionadas sobre questões de saúde e a segurança de seus produtos, as empresas exigem uma avaliação completa de riscos antes de qualquer medida de regulamentação seja tomada.
            Isso resulta numa situação em que não há meios legais ou práticos para afastar produtos do uso comercial, a não ser que haja um desastre de saúde pública ou uma manifestação dos consumidores.

Objetivos da campanha da WEN

1-      Fabricantes se comprometam a retirar todos os ftalatos de seus produtos e, durante o período de transição, rotulem os produtos de maneira clara;
2-      A União Européia proíba incondicionalmente todos os ftalatos em cosméticos;
3-      Consumidores pressionem varejistas, fabricantes e políticos a garantirem que os ftalatos não serão mais usados na fabricação de cosméticos;

Maciez

            DBP é usado como umectante (para hidratar a pele) ou emoliente (para amaciar a pele) em produtos patenteados por Procter & Gamble, Lever Brothers, Colgate, Palmolive, Kraft General Foods e Anheuser-Busch. Quando é adicionado a produtos para o cuidado da pele, a textura oleosa do DBP dá a impressão de que a pele está macia e hidratada. A ênfase aqui é na palavra “impressão”, por que é apenas o resíduo do DBP que é macio e não a pele que se pretendia hidratada.

Impactos na saúde

            A indústria fazendo rodeios
            O setor de produtos químicos alega que, em relação à saúde humana e ao meio ambiente, os ftalatos são um dos compostos mais estudados e melhor conhecidos no mundo.



Fatos

            Dizer que são amplamente estudados não quer dizer que são seguros...
·         Os ftalatos podem causar danos ao fígado, aos rins, aos pulmões e ao sistema reprodutor especialmente aos testículos dos meninos em desenvolvimento.
·         Alguns estudos sugeriram que os ftalatos podem afetar a qualidade do esperma humano. Um dos estudos encontrou ftalatos no sêmen de universitários (Biological and Environmental Mass Spectrometry, 1978).
·         Os ftalatos foram relacionados a defeitos congênitos, anemia e a outras complicações da gravidez em estudo publicado em Toxicology and Applied Pharmacology de 2001.
·         DBP pode causar graves reações alérgicas, incluindo o tipo de reação mais grave (e, por vezes, fatal): o choque anafilático.
·         Verificou-se que meninas porto-riquenhas com desenvolvimento prematuro dos seios tinham altos níveis de ftalatos nos sangue, segundo um estudo publicado em Environmental Health Perspectives.
·         De acordo com estudos com animais em laboratório, o DBP pode causar danos à quase todas as estruturas físicas no desenvolvimento do sistema reprodutor masculino. Os efeitos incluem atrofia de testículos, ausência de testículos e contagem de espermatozóides reduzida.

  FONTE: The Ecologist UK – Março de 2003

27 de julho de 2010

ÁREA LIVRE VEGETADA: MELHORIA NO AMBIENTE URBANO


Por Darci Bergmann

Em Porto Alegre foi aprovada proposta do vereador Beto Moesch que estabelece a média de 20% de cada terreno com área livre vegetada,  seja ele público ou privado. Esta medida traz muitas vantagens para a qualidade ambiental das cidades, pois permite maior infiltração das águas pluviais, oxigenação, retenção de gás carbônico, redução do calor, entre outros beneficios. A seguir, parte do texto publicado no Boletim do vereador Beto Moesch, de Porto Alegre, sobre a matéria.

"A sanção do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental, ontem (22/07), foi notícia nos principais jornais da cidade, com destaque para a criação da Área Livre Permeável e Vegetada, conceito introduzido e aplicado pelo vereador Beto Moesch desde 2005, na Secretaria Municipal do Meio Ambiente.
A medida estabelece que as construções públicas e privadas devem deixar, em média, 20% do terreno não-pavimentado e vegetado. A aprovação foi motivo de comemoração entre lideranças ambientalistas e comunitárias".
Este conceito de área livre permeável e vegetada  certamente será implantado em muitas cidades do Brasil e quiçá em outros países. Não se pode mais conviver com aquela idéia de cidades que deixam o solo praticamente impermeável, terrenos sem um cantinho verde e as pessoas presas entre paredes de concreto. No artigo A LAJOTA, emiti opinião sobre áreas verdes urbanas e da sua importância para a qualidade de vida de seus moradores. Alguns administradores municipais ainda não assimilaram esse conceito, mas iniciativas como essa de Porto Alegre talvez sejam o prenúncio de novos tempos. Ainda bem.

Foto: Darci Bergmann/Alunos da Escola Municipal Olinto Dornelles, de São Borja/RS





24 de julho de 2010

BIOMA PAMPA - BIODIVERSIDADE AMEAÇADA


Por Darci Bergmann

Os dados divulgados pelo MMA - Ministério do Meio Ambiente sobre perdas por supressão da vegetação nativa no Pampa gaúcho são preocupantes.  No período entre 2002 e 2008 a cada ano foram perdidos 364 Km², num total de 2.183 Km² da cobertura vegetal nativa.

A Wikipédia assim o define: "Pampa que também é chamado de Campos do Sul ou Campos Sulinos ocupa uma área de 176.496 Km² correspondente a 2,07% do território nacional e que é constituído principalmente por vegetação campestre.[1] No Brasil o Pampa só está presente no estado do Rio Grande do Sul, ocupando 63% do território gaúcho.[2] O Bioma caracteriza-se pela grande riqueza de espécies herbáceas e várias tipologias campestres, compondo em algumas regiões, ambientes integrados com a floresta de araucária.[7]"

Segundo o MMA, o bioma Pampa tem o menor ritmo de perdas, em comparação com os biomas Amazônico e Cerrado. No entanto, a leitura  aponta que outros fatores devem ser considerados. Senão vejamos.
1) A área do Bioma Pampa é bem menor que a dos outros dois biomas citados anteriormente. E aí a diferença relativa já não é tão expressiva.
2) O tipo de exploração está se ampliando com tremendos impactos na área remanescente do bioma.
A utilização maciça de insumos químicos está afetando toda a biota e o meio físico - solo, água e ar - está repleto de resíduos, conforme muitos estudos já de conhecimento público.
Quem viaja pela região Fronteira Oeste do Estado, grande produtora de arroz irrigado e de pecuária extensiva e de pastagens implantadas, percebe mudança do cenário a cada ano que passa. Cenário que preocupa.
Assim, os impactos sobre a biodiversidade não se referem unicamente à conversão de parte do bioma para a exploração agropecuária ou mesmo de silvicultura.  

Existem áreas do bioma bastante vulneráveis
Áreas em que a gênese do solo tem como base o arenito. Essas áreas ocupam boa parte da região da Fronteira Oeste e Central. O excesso de pastoreio, as queimadas e a implantação de cultivos impróprios já causou grande perda em termos de solo e biodiversidade.
Nesses casos, as políticas públicas devem contemplar ações urgentes de ordenação das atividades antrópicas. Parte dessas áreas pode ser transformada em Unidades de Conservação, com ações de recuperação do solo.  



Os banhados do Bioma Pampa estão entre os ecossistemas ameaçados

Muitos banhados simplesmente desapareceram pelas drenagens.
A Reserva Biológica do São Donato, às margens da BR 472, nos municípios de Itaqui e Maçambará está sériamente impactada pela pecuária, lavouras de arroz, caça e pesca predatória e queimadas criminosas. Esta reserva era constituída na maior parte por banhado que foi drenado parcialmente. As matas de cabeceira, antes ricas, sofreram invasões. Nisso tudo os próprios órgãos oficiais participaram com financiamentos, desde os tempos do Pró-várzeas. Até draga do DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas  foi enviada para drenar parte do Banhado de São Donato.





O impacto dos agrotóxicos

As matas de galeria ao longo dos rios Uruguai, Ibicuí, Santa Maria, Jaguari, Icamaquã, Ibirapuitã, Butuí, entre outros, evidenciam o impacto dos herbicidas sobre a flora nativa. Espécies arbóreas como a canafístula ( Pelthophorum dubium), timbáuva (Enterolobium contortisiliquun), angico-vermelho (Parapiptadenia rigida), açoita-cavalo (Luhea divaricata), para citar algumas, estão desaparecendo por ação de herbicidas tipo Clomazone e Glifosato. Nas sedes das propriedades rurais o adotado cinamomo (Melia azedarach), tão presente no passado, mostra-se esbranquiçado pela ação do Clomazone ao qual é vulnerável. Os esqueletos secos dessa espécie exótica mais os de outras nativas são testemunhos eloquentes e tristes de um bioma em franca regressão.



É difícil mensurar a perda de biodiversidade. Mas se ela mostra evidências pelas espécies de maior porte pode-se inferir que todos os ecossistemas estão sendo afetados, inclusive as formações tipo campo fino, estepe ou savana, também componentes do bioma Pampa. 



Ambientalistas gaúchos e mesmo proprietários rurais tem mostrado preocupação com a escalada das aplicações aéreas de agrotóxicos. Isto porque o bioma Pampa sofre bruscas alterações meteorológicas nas épocas de primavera e verão, justamente quando é maior a aplicação de herbicidas de ação total como o glifosato ou muito voláteis e pouco seletivos como o clomazone.
Com referência ao clomazone é preocupante o descaso das autoridades sobre as condições de uso desse produto. No site AGROFIT, do MAPA - Min. da Agricultura, Pecuária e Abastecimento consta que as formulações comerciais mais conhecidas não podem ser aplicadas a menos de oitocentos metros de bosques nativos, vegetação ciliar, arvoredos em geral, etc. Isto praticamente inviabiliza a utilização do produto na maioria das lavouras gaúchas. No entanto, é aplicado indiscriminadamente até com receituário agronômico. Fala-se muito na entrada de produtos contrabadeados, mas o uso irregular consentido e receitado do clomazone é uma das maiores causas de degradação ambiental nos remanescentes do Pampa.
A situação tende a se agravar com a possibilidade de plantio em grande escala da cana-de-açúcar. São mais de 800 mil hectares zoneados no Estado. Em São Borja, a área zoneada supera os 40 mil hectares. A utilização de herbicidas à base de clomazone na cana-de-açúçar vai ampliar o impacto sobre a biodiversidade do bioma Pampa e nos biomas adjacentes.

Ambientalistas e produtores prejudicados por derivas se mobilizam
 A ASPAN - Associação São Borjense de Proteção ao Ambiente Natural encaminhou expediente ao Ministério Público Federal em Uruguaiana, solicitando atenção desse órgão para os problemas ambientais causados pelas derivas de clomazone em território gaúcho. A entidade ambientalista encaminhou fotos e farto material de receituário e relatórios de vôo requisitados pelo MPF que encaminhou o caso à alçada do MP estadual.



No expediente, a ASPAN solicitou a suspensão do registro de produtos comerciais que contenham ingrediente ativo clomazone.

O IBAMA não se manifestou sobre os impactos de agrotóxicos no bioma Pampa.

 Até agora, não se sabe de alguma ação do IBAMA para constatar o impacto ambiental desses produtos, notadamente com relação aos herbicidas. Os dados de produtos que contém clomazone e que são encaminhados ao MAPA referem-se aqueles apresentados pelas empresas requerentes do registro. Existem certamente muitas omissões. Na maioria das vezes as conclusões se baseiam em trabalhos unicamente da empresa, retirado o que não deve ser mostrado. Os trabalhos se referem a ensaios em canteiros para os dados agronômicos e cobaias com relação à saúde. Mas quem garante que o produto vai ter esse comportamento num ambiente muito mais complexo e de muitas variáveis? No caso do clomazone uma questão típica é o tempo de constatação do produto no meio ambiente, após a aplicação. Dados de pesquisa, em situação real de monitoramento, após aplicação aérea em lavoura de arroz irrigado, na zona sul do Estado, detectaram o produto até 115 quinze após, na água de condutos de irrigação. Os dados fornecidos pelos registrantes ao MAPA indicam a presença de clomazone no ambiente em período de tempo bem mais curto.   



Parte do bioma Pampa ainda pode ser preservada

O Ministério do Meio Ambiente mostrou interesse em implantar mais Unidades de Conservação no Pampa.
Isto é bom, mas que não sejam em forma de APA - Áreas de Proteção Ambiental que parecem não surtir efeito desejado. Ouso sugerir que sejam estudadas algumas áreas representativas e transformadas em parques ou reservas biológicas. Até a Rebio São Donato, que é estadual, poderia ser alvo de parceria União/Estado.
A região tem muitos atrativos cênicos, que preservados, podem alavancar o turismo. Isto gerará emprego e renda com preservação do patrimônio natural.






As áreas de preservação permanente precisam ser respeitadas





Os proprietários rurais tem um importante papel na preservação do que ainda resta do bioma Pampa original e até na recuperação de áreas degradadas. Algumas atitudes, como o recuo das lavouras das margens dos   rios e sangas e o isolamento dessas áreas com cercas de proteção, já ajudam na recomposição da vegetação ciliar. Os produtores de arroz podem abolir o uso de herbicidas à base de clomazone, pois há alternativa de produtos menos impactantes. Aplicação aérea de produtos, na maior parte dos casos, deveria se limitar aos fertlizantes e sementes. O ideal seria um modelo de agricultura ainda mais sustentável dentro dos princípios da agroecologia e seus similares. Ainda acredito na boa vontade das pessoas e talvez um dia nossa produção primária seja toda orgânica. Com a ajuda dos consumidores que podem fazer escolhas no tipo de produto mais adequado a uma boa saúde. Lembrando sempre, que solo, água, ar e a paisagem natural são ingredientes fundamentais para uma boa qualidade de vida. O nosso Pampa clama por ações de preservação. Enquanto é tempo.

 Esta ave espetacular é uma referência nas matas de galeria em São Borja
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Mais sobre o tema:

                   EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA AGRICULTURA DO RIO GRANDE DO SUL

A compreensão de uma realidade exige o conhecimento do seu passado. Para compreender uma sociedade é indispensável que se reporte á sua origem e formação, não apenas para conhece-la, mas assinalar as suas tendências.
Essas tendências nortearão a atuação do homem no processo histórico em que está inserido, quer no sentido do apressamento deste processo, quer no de modificação da orientação até agora verificado.
A região sul do País teve um processo de colonização diferente daqueles de outras áreas nacionais, o que levará, certamente, a atuações também diferenciadas.
Assim, procurou-se traçar, dentro do quadro histórico brasileiro, o quadro das perspectivas do Rio Grande do Sul, com base nos fatos que determinaram a ocupação de seu território e do comportamento, num passado recente da economia agrícola que o processo de colonização originou.

A-    OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO

1-      Antecedentes

Contemporâneos ao bandeirismo predatório, os jesuítas – espanhóis e portugueses – em 1609, infiltram -se por várias regiões do Estado, estabelecendo-se, finalmente, em estâncias localizadas no oeste do território gaúcho. Ali ao redor de 1630, os missionários e seus protegidos vieram a constituir a República Guarani, uma comunidade de índios cristianizados.
A redução de São Miguel, fundada em 1632, foi o marco inicial da civilização implantada no Estado do Rio Grande do Sul. Os historiadores informam que, nessa época, os jesuítas já trouxeram “mil e quinhentas cabeças de gado” cujas origens remotas seriam de rebanhos introduzidos no Paraguai, quase um século antes.
O gado, elemento que determinou, de início, a conquista do território gaúcho e, posteriormente, a consolidação da mesma pela instituição da propriedade, não constitui, inicialmente, uma atividade mercantil. Sua finalidade era suprir o consumo das aldeias jesuíticas.
Os rebanhos, em um meio extraordinariamente favorável, expandiram-se livremente, povoando os campos e passando a constituir um atrativo aos bandeirantes. A estes desbravadores que, desde princípios do século XVII, percorriam intermitentemente a região sulina na caça aos índios domesticados pelos jesuítas e, depois, na caça ao gado, não interessava, inicialmente, a posse da terra. Ao avistarem muito gado disperso, sem dono, oriundo das missões jesuítas – apreendiam-no, conduzindo-o para São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. É provável que, com a necessidade de estabelecer áreas de pastagens ao longo dos caminhos, uma vez que o gado não suportava longos percursos sem “invernar”, tenha surgido a posse efetiva da terra.Naturalmente que se tratava de uma posse sem nenhum título de legitimidade, pois a consolidação da propriedade só teve início com a Lei das Sesmarias e, no Rio Grande do Sul, somente em 1732 foram concedidas as primeiras glebas por este sistema.

Após 1640, quando da Restauração, Portugal passou a preocupar-se seriamente com sua colônia americana, tratando de fixar-lhe as fronteiras, em especial no setor meridional, onde os estabelecimentos espanhóis e portugueses avisinhavam-se e, por isso, temiam-se os choques. Com essa finalidade empreenderam a tarefa de estender a soberania da metrópole no grande vácuo que separava as duas nações desde o sul da capitania de São Vicente – limite da sua posse efetiva – até Buenos Aires, onde os espanhóis se haviam estabelecido, no Rio da Prata. Em 1680, às margens setentrionais do mesmo rio, frente a Buenos Aires, instala-se uma forte guarnição militar, vinda do Rio de Janeiro, e é fundada a Colônia do Sacramento, hoje cidade uruguaia. Durante século e meio a famosa colônia seria causa de permanentes contendas entre os dois povos colonizadores que o Tratado de Madrid, de1750, cede expressamente à Espanha. Ainda no século XVII, os portugueses, com elementos paulistas, sem cunho oficial, seguindo o litoral para o sul, fundam Paranaguá (1647), São Francisco (1660) e Laguna (1676). A fundação de Laguna, principalmente, visava a conquista dos rebanhos sulinos.
Até então, a população do Rio Grande do Sul, exceção feita aos indígenas das missões, era constituída por elementos nômades, preocupados exclusivamente com a captura do gado selvagem para o mercado de Sorocaba. Reconhecendo a impossibilidade de manter em suas mãos a disputada colônia, Portugal concentra seus esforços de ocupação na área mais pra trás, ao norte, que seria incorporada definitivamente ao Brasil. Além das tropas destacadas para a defesa, originárias de São Paulo, uma corrente de povoadores se estabelece no território que hoje forma o Rio Grande do Sul. Para entrar na posse efetiva dessa vasta área, adequadamente chamada pelos historiadores de “terra de ninguém”, Portugal procurou fixar algumas famílias de colonos iniciando o povoamento definitivo da região e assegurando o predomínio luso-brasileiro. Em geral o recrutamento foi feito nas ilhas dos Açores – reservatório de mão-de-obra de preferência entre camponeses que emigravam em grupos familiares. Em regime de pequena propriedade, para a época, “lotes pequenos do tamanho de um quarto de légua” (9.274 ha), esses agricultores se dedicaram à agricultura, cultivando, principalmente, o trigo e a vinha, como na pátria de origem.
Não existem registros sobre a data exata da chegada dos primeiros colonos açorianos. A falta de precisão é explicada pelos historiadores como uma decorrência do caráter sigiloso que envolvia todas as atividades portuguesas dirigidas ao cumprimento do Tratado de Madrid. Não interessava a Portugal divulgar seu plano de segurança, conforme foi recomendado a seu Secretário de Estado: “neste particular, use de alguma dissimulação para que não se conheça o nosso intento e pouco a pouco vai mandando casais povoar as ditas Aldeias”. A única data de que se tem notícia é a da publicação, em novembro de 1746, na Ilha dos Açores, de um edital proclamando as vantagens que seriam outorgadas aos interessados em emigrar para o Brasil. Somente em 1751, no entanto, se observaria a presença significativa de açorianos no Estado.
No transcorrer da colonização insulana são observados dois momentos. De 1751 a 1759 vinham para a região sulina, com a finalidade de substituir o índio nas reduções jesuítas e, uma vez frustrado esse objetivo, passaram a atuar como reforço aos contingentes armados, sendo espalhados pelo território, segundo plano dos altos chefes militares. O segundo momento é quando, fracassada a tentativa de apossamento das aldeias missionárias, começa, em caráter metódico, o povoamento com distribuição de datas aos povoadores. Inicialmente sua trajetória foi no Rio Grande, Viamão, Porto Alegre, Triunfo, Santo Amaro e Rio Pardo. Com a invasão espanhola em 1756, houve a dispersão desses núcleos, com seus habitantes se dirigindo para Taquari, Santo Antônio da patrulha Mostardas e Cachoeira.
Os dois primeiros grupos étnicos que iniciaram o processo de ocupação do território gaúcho – indígenas e açorianos – tinham alguma experiência de práticas da lavoura. A história registra que os silvícolas, ao abandonarem a vida nômade, fixando-se nas reduções, renunciam às atividades da caça e da pesca, sua principal fonte de sustento, e passam a dedicar-se à lavoura e às pequenas indústrias.
Seguindo os grandes objetivos da catequese, os jesuítas, ao contrário do que acontecia com o bandeirismo predador, necessitavam montar uma estrutura de produção e passaram a utilizar a mão-de-obra indígena na exploração da erva-mate, base econômica da empresa.
O regime de propriedade posto em vigor pelos jesuítas se baseava na posse comunitária e indivisível da terra. “Todo o solo pertencia à comunidade”. Em 1712 o frade capuchinho Florentin de Bourges, em visita às reduções declarou: “os bens são comuns, e a ambição e a avareza são vícios desconhecidos e não se registra entre eles ligítios nem processo de divisão. Nada me pareceu mais belo do que a maneira como se provê a subsistência de todos os habitantes do povoado. Os que fazem a colheita são obrigados a transportar todo o cereal para os armazéns públicos”. Através dos chefes de bairro, a distribuição era feita às famílias, cabendo a cada uma mais ou menos, segundo seja ela mais ou menos numerosa, quantidades correspondentes da produção.
Além da erva-mate, esses agricultores produziam algodão, vinho para as missas, cana-de-açucar, tabaco e milho. A produção atendia ao mercado interno e, não raro, parcelas de excedentes eram exportadas. Trabalhando, no máximo, oito horas diárias e com instrumentos rudimentares conseguiam cobrir as necessidades da população e sua gradual elevação do nível de vida. A explicação é dada pela natureza da organização sócio-econômica implantada pelos jesuítas, a qual não dava lugar ao surgimento de ociosos, parasitas da comunidade.
Os açorianos, como já se fez referência, eram, tradicionalmente, agricultores. Ao se transferirem para o novo habitat passam a dedicar-se às atividades da lavoura, principalmente o trigo, produto básico da economia açoriana. No período de 1805/1810 a produção de trigo açoriano permitiu a exportação de 460.000 alqueires.
Motivos diferentes, no entanto, fizeram malograr a duas tentativas de estabelecer uma lavoura sólida, embora, fundamentalmente, voltada para o mercado interno, na época, de dimensões limitadas.

Em primeiro lugar, no caso das missões, houve um conflito de interesses que envolveram os jesuítas e os colonos. Enquanto a Igreja via na catequese um meio de ganhar, para a religião católica, a população das novas áreas recém descobertas, o elemento alienígena que, em principio, não era desfavorável a catequese, mudava de opinião quando surgia a necessidade de escravizar o índio. Assim surgiu a concorrência e, com ela, o conflito entre o particular e o catequista que culminaria com a expulsão dos jesuítas, mesmo à revelia da coroa. Com a expulsão dos missionários, em razão da existência de outros interesses por parte dos novos donos da terra, a lavoura entrou em decadência. Bourgade La Dardye, referindo-se à erva-mate declara: “depois da expulsão dos jesuítas, o segredo da cultura perdeu-se e não pôde ser reencontrado. Existe uma oferta de prêmio a quem voltar a descobrir o processo”.
No caso da colonização açoriana, passados dez anos, a ferrugem ataca os trigais, liquidando a cultura e obrigando o Estado a importar farinha. As lavouras de trigo desaparecem e com elas as propriedades agrícolas que são absorvidas pelos latifúndios pastoris. A lavoura é abandonada e os lavradores tranferem-se para as atividades criatórias. Somente mais tarde o labor agrícola seria retomado, não mais pelos primitivos povoadores, mas por camponeses de outras regiões da Europa.
Estava, pois, a pecuária extensiva destinada a cumprir o principal papel na caracterização da sociedade gaúcha, como se poderá concluir da análise a seguir.

2-      O papel da pecuária

A situação política e geográfica do Rio Grande do Sul condicionaram, especialmente nos primeiros tempos, seu desenvolvimento. À distância que o separava do núcleo político colonial acarretou o isolamento dos grupos que, no litoral ou no interior, tentavam organizar-se, econômica e socialmente, num clima de insegurança, em conseqüência da situação fronteiriça, em conflitos periódicos. Ao longo de sua história foi o palco de constantes atritos, onde as lutas se sucederam tão intensamente que, dos acampamentos ou passagens obrigatórias, foram surgindo às cidades.
Não só a distância geográfica, mas, também, a existência de uma costa difícil, sem ancoradouros, concorreu para o isolamento da zona sul numa época em que a navegação oceânica era o único meio de transporte utilizado pelo resto da colônia.
Um fator exógeno, a mineração, entretanto irradiando suas influências para o sul, transformaria esse quadro, integrando a região rio-grandense no conjunto da economia brasileira. Um amplo mercado abre-se, desencadeando um grande processo de desenvolvimento e permitindo um melhor aproveitamento do gado, do qual, até então, apenas se utilizava o couro, pois a carne – perecível- não podia ser transportada. As invernadas, onde o gado era reunido para depois deslocar-se por seus próprios pés, dão lugar às estâncias de criação, transformando a fisionomia do Rio Grande do Sul, dele fazendo uma das principais fontes de suprimento da colônia. Por outro lado, fez da região uma das mais movimentadas bases de contrabando na invasão do mercado platino, buscando, principalmente, animais de transporte, pois, paralelamente, criou-se um grande mercado para animais de carga que funcionou como verdadeira infra-estrutura para o sistema.

O longo período de hostilidade – primeiro entre espanhóis e portugueses e, depois, entre estes e os habitantes das missões – foi sucedido por um período de tranqüilidade de 1777 a 1801. Este clima de paz favoreceu o estabelecimento das primeiras estâncias regulares, principalmente na fronteira, onde em função das guerras se havia concentrado, de início, uma população constituída, predominantemente de militares e guerrilheiros. A consolidação da posse portuguesa, antes mantida pelas armas, fazia-se necessária e foram, aí, concedidas sesmarias, principalmente aos militares servidores da metrópole.
As estâncias caracterizam-se pela vastidão da área. Foram distribuídas propriedades em amplas proporções, apesar da limitação legal de três léguas por uma de largura para cada pessoa ou 1,5 léguas em quadra. As irregularidades surgiram e se multiplicaram: várias pessoas de uma mesma família recebiam três léguas, resultando propriedades de quinze a dezoito léguas (65.340 a 78.408 ha). É a repetição do que ocorrera no século anterior, no Nordeste: a concentração da posse da terra e, conseqüentemente da riqueza e do poder. Esse tipo de colonização, que correspondeu ao realizado na maioria do território brasileiro, determinou a existência das grandes propriedades que permaneceram até os dias atuais, parcialmente exploradas. É sem dúvida a principal responsável pela estrutura agrária defeituosa do Estado.
O surgimento da indústria do charque (1780), coincidindo com a decadência da pecuária no nordeste, propiciou ao Estado a grande oportunidade para desencadear seu processo de desenvolvimento. Dispondo de condições altamente vantajosas – pastagens abundantes e um imenso rebanho – a capitania a soube aproveitar muito bem. Em 1793 já eram exportadas 13.000 arrobas de charque e nos primeiros anos do século XIX essa exportação atingia, aproximadamente, 60.000 arrobas.
As “charqueadas” estavam bem localizadas, entre os rios Pelotas e São Gonçalo, com a dupla vantagem de estarem próximas dos grandes centros criatórios da fronteira e do porto de Rio grande, único escoadouro da produção. A cidade de Pelotas deve sua criação à indústria das “charqueadas”.
A pecuária do Estado, até então, não apresentava nenhum sinal de cuidados técnicos. Somente após a industrialização e a comercialização da carne é que se cogita de tecnificar essa atividade, mas, ainda em 1810, mesmo nas melhores fazendas, a maior parte do gado vivia solto, mais aos cuidados da natureza do que do homem.
A base social da estância é composta do capataz e dos peões, existindo, também, escravos, embora em menor número.
Não havendo, nas fazendas, trabalho em caráter permanente para grande número de pessoas, nos momentos de necessidade como no “rodeio”, facilmente eram recrutados peões para trabalhos extraordinários entre a numerosa população errante pela campanha em busca de trabalho.
Os empregados residentes reúnem-se em torno do estanceiro que, fundamentalmente por razões econômicas, se lhes impõe como chefe, sob a forma de clãs patriarcais, constituindo-se no germe da figura do “caudilho” que marcou profundamente a vida pública do Rio Grande do Sul.
Os hábitos nômades e aventureiros desses campeiros, adquiridos especialmente nas guerras, configuram-lhes um caráter de audácia, agilidade e destemor que muito bem se coadunava com a atividade pastoril.



3-      Colonização Européia

Na Europa do século XIX o crescimento das economias industrializadas se fazia, basicamente, por uma revolução tecnológica, a qual foi possível graças à acumulação de capitais provenientes da atividade mercantil, em especial, da Inglaterra com nações de outros continentes de economia predominantemente agrícola. Parte integrante dessas nações, no Brasil o processo foi intensivo. Procurou-se intensificar a utilização do fator abundante, terra, mediante um incremento de mão-de-obra. Esse caminho, no entanto, apresentou problemas uma vez que, eliminada a imigração africana, a questão de braços para a lavoura agravou-se, e o setor de subsistência, em realidade, não representava uma fonte em potencial desse fator. Por outro lado, certamente, baseando-se no exemplo representado pelo fluxo de imigrantes europeus para o EE. UU; o Brasil, através da promoção da vinda desse mesmo tipo de trabalhador, buscou a solução para o grande problema da mão-de-obra. Assim, ainda no Brasil imperial, através de medidas oficiais, iniciava-se a instalação de colônias de imigrantes europeus. Foi, entretanto, ante a ameaça de extinção do tráfico negreiro que a política de imigração e colonização européia foi retomada, aproximadamente pelos anos 1840. Neste mesmo período profundas transformações processaram-se na estrutura de poder da nação: os fazendeiros de café assumem a política – antes nas mãos dos senhores de engenhos – e passam a se preocupar diretamente com o problema.
Ao lado das colônias oficiais, originada pela distribuição aos colonos de pequenos lotes de terra, dispostas em núcleos autônomos, surge um outro tipo de colonização: os colonos são fixados nas fazendas ou em grandes lavouras, trabalhando em regime de parceria. Do primeiro processo resultava a formação de pequenos proprietários independentes enquanto que do regime de parceria surgem trabalhadores subordinados de diferentes maneiras ao grande proprietário da terra. A economia brasileira nos primeiros séculos da colonização, baseadas em grandes latifúndios e voltada exclusivamente para a exploração em larga escala de produtos de alto valor comercial destinados à exportação, não podia favorecer o surgimento da pequena propriedade.
No século XIX, no entanto, um conjunto de circunstâncias vem propiciar a eclosão de uma nova economia de caráter mais democrático, fundada em pequena propriedade. A imigração européia constitui o fator mais imediato no estabelecimento e progresso dessa nova organização agrária brasileira.
Para o Rio Grande do Sul as principais correntes imigratórias foram de alemães e italianos. Apenas essas duas nacionalidades serão consideradas nesse estudo, visto terem exercido papel relevante na formação econômica, social e cultural do Estado.

a-      Alemães

Em 1824 chegam os primeiros casais de alemães e fundam São Leopoldo, berço da colonização germânica. Embora com breves interrupções, segue-se ampliando a corrente imigratória, ocupando a Encosta Inferior do Nordeste (Colônia Velha) e a região do Alto Uruguai (Colônia Nova). É o inicio do processo de ocupação de áreas acidentadas, cobertas de matas, desprezadas pelos criadores de gado.

No Rio Grande do Sul, os alemães instalados em propriedades bastante reduzidas inicialmente 25ha – hereditárias e trabalhadas exclusivamente pelos componentes da família, retomam e desenvolvem a agricultura. Essa classe formada de trabalhadores, brancos, independentes, constitui uma nova força social que aos poucos adquire grande importância no progresso do Rio Grande do Sul.
A massa dos imigrantes era constituída de agricultores e artesãos. A pressão demográfica sobre a terra, de um lado, e a resistência dos artesãos à proletarização, de outro, levaram os alemães a emigrar para outras nações.
A situação de pobreza e a luta pela sobrevivência da maioria dos imigrantes muito contribuíram para a modificação de certos traços do regime de trabalho vigente na pátria de origem. Forçados pelo ajustamento que se fazia necessário ao novo ambiente geográfico, mas, sobretudo por condicionamentos econômicos, os colonos regridem a métodos agrícolas já abandonados na Europa. Tais circunstâncias exigiam um equipamento técnico diverso do tradicional. Em vez de roças livres de pedras, tocos e raízes – com que estavam habituados -, os imigrantes encontraram um solo acidentado coberto de florestas virgens. Naturalmente tiveram de adotar o funesto “sistema de bugre” corrente, da derrubada e queimadas. Esse processo, que em menos de 50 anos levaria ao esgotamento do solo, a par do rápido crescimento demográfico, forçava os colonos a procurar novas terras. Já nos primeiros anos de agricultura os imigrantes, em vista do mau resultado com as culturas da terra de origem, sentiram a necessidade de adotar as espécies cultivadas na nova pátria. Passaram a dedicar-se ao plantio do milho, fumo, cana-de-açúcar, alfafa, amendoim, arroz e mandioca. A industria do fumo irradia-se de Santa Cruz para toda a região da colônia, atingindo os novos núcleos no Alto Uruguai. Em 1922, com 14.480 toneladas, o Rio Grande do Sul é o segundo produtor de fumo no País. A exportação de 3.532 quilos, em 1860, subiu para 518 toneladas em 1920, sendo que, dessa data até os dias atuais, o volume aumentou quase dez vezes. Progresso semelhante verificou-se com os demais produtos e dentro de um mesmo sistema de exploração. O crescimento dava-se através da ampliação da área cultivada e expansão para outras áreas, com o uso da mesma tecnologia rudimentar.
Num regime da economia familiar as primeiras atividades dos imigrantes visavam apenas ao atendimento das necessidades fundamentais: alimentação, alojamento e vestuário. Essas necessidades eram atendidas predominantemente através da produção para o autoconsumo e da troca simples dos produtos excedentes. Com o crescimento da produção agrícola e da população, amplia-se o processo de troca, intensifica-se a divisão social do trabalho, tornando possível o surgimento do artesanato como atividade econômica. O colono passou, progressivamente, a especializar-se, em termos de agricultura, artesanato e comércio incipiente, tendo em vista o mercado, tornando-se, ao mesmo tempo, demandante de bens produzidos pelos outros setores de atividades.
Ao lado dos tecelões aparecem os alfaiates, sapateiros, ferreiros, serralheiros, pedreiros, etc. Na segunda geração, as rodas e os teares vão gradativamente desaparecendo, cedendo lugar às serrarias, marcenarias e tanoarias. Esses ramos artesanais vão se diversificando até mesmo para atender ao supérfluo com o surgimento de pequenas fábricas de beneficiamento do fumo, jóias e instrumentos musicais. O progresso do artesanato, no entanto, apresentava limitações e, após viver a “idade de ouro”, começa a declinar.

O artesanato não podia mais atender à demanda da colônia, de intenso crescimento demográfico e econômico. À medida que a colônia se desenvolve, transformando o panorama social da antiga sociedade rio-grandense, no seu interior começa a destacar-se um setor, o comércio, que progressivamente vai assumindo a direção deste contingente populacional. Através do mecanismo do comércio rural, acentua-se o desnível das rendas do comerciante em relação ao resto da população colonial. Distanciam-se econômica e socialmente dos demais elementos da comunidade. A prosperidade deste grupo, a par do aumento populacional e ampliação do mercado interno, permite que o capital acumulado seja aplicado em atividades industriais. Afirma Jean Roche que a maior parte das indústrias espalhadas no Vale do Rio dos Sinos não foi fundada por artesãos rurais, mas por citadinos que nem sempre originariamente teriam sido artesãos. Por outro lado, o mesmo historiador faz uma exceção ao artesanato do couro que consegue sobreviver ao lado da indústria.
A literatura sobre a colonização alemã enfatiza o caráter associativo dos teutos. Associam-se em torno de objetivos religiosos, educacionais, recreativos e beneficentes, criando várias sociedades na colônia, embora as primeiras tenham sido fundadas em Porto Alegre.
O historiador Dr. Emílio Willens, declara que a escola, elemento cultural familiar aos alemães, aqui, foi frustrado. Acostumados à assistência educacional mantida pelo governo, ao chegarem na nova pátria, por inúmeras vezes, solicitaram às autoridades públicas a instalação de colégios na colônia. Não encontrando receptividade por parte do governo, por iniciativa particular, passaram a construir seus estabelecimentos de ensino. Além da necessidade de preservar sua cultura, os imigrantes precisavam conhecer o idioma da nova terra. Essas escolas foram se incorporando na comunidade e, juntamente com a igreja, formaram o centro de gravidade da vida pública.

b-      Italianos

No Rio Grande do Sul, em 1784, inicia-se a chegada de italianos, intensificando-se a cada ano seu número. Como os alemães, os italianos também se estabelecem nas Regiões Fisiográficas da Encosta Superior do Nordeste e do Alto Uruguai, zonas acidentadas e de matas, desprezadas pelos grandes criadores de gado.
Os magníficos resultados que a experiência da colonização alemã apresentou, constituíram incentivos à persistência e intensificação da imigração, por parte do governo imperial.
D. Pedro II, obedecendo às determinações do Conselho Ultramarino que proibia a entrada de elementos castelhanos, holandeses, ingleses e franceses no Brasil, passa a promover a vinda de italianos para complementar a corrente imigratória alemã que se revela insuficiente.
Criou-se uma legislação visando a facilitar o transporte, introdução e estabelecimento dos imigrantes italianos nas áreas selecionadas para a colonização no nordeste do Estado. Estas medidas, no entanto, não foram efetivadas e os imigrantes foram jogados ao mato, praticamente isolados, sem a menor assistência. Vários documentos históricos informam sobre a precariedade da vida desses europeus nos primeiros momentos anteriores à primeira colheita. Valiam-se de pinhões, abundantes na região e, não raro, da caça de porcos selvagens, macacos e pássaros para a sua alimentação, retornando à forma primitiva da sociedade.
Os italianos, portanto, tiveram de enfrentar condições muito mais adversas do que aquelas encontradas pelos primeiros colonos alemães. O isolamento a que estavam submetidos, levando “quase um dia” para, a pé, chegarem ao povoado mais próximo, desencorajava-os de lá buscar os gêneros de primeira necessidade. Muitos desanimavam abandonando o lote, procurando outra forma de trabalho. Com facilidade encontravam emprego na construção de estradas, onde trabalhavam 15 dias por mês pelo salário de 500 réis o metro construído. Outros ficavam na capital e não queriam dirigir-se às colônias.
Aqueles que permaneceram na agricultura dedicaram-se, fundamentalmente, ao cultivo do trigo e da videira, produtos com os quais tradicionalmente se ocupavam na pátria de origem. Dispondo de poucos recursos utilizavam instrumentos e processos rudimentares de trabalharem na terra. Aos poucos foram emergindo da penosa situação inicial mediante o grande esforço despendido para aumentar a produção, da qual se apropriavam integralmente, pois o regime de trabalho era familiar.
A prosperidade de muitos deles deslocou-os para outros setores da economia, principalmente para a industria transformativa. O cultivo da uva visava à produção de vinho, produto a que eram habituados a consumir no país de origem.
Além disso, a industrialização da madeira, recurso abundantemente disponível na região, e a suinocultura foram atividades que também os interessaram. Dessas atividades participavam, também, portugueses e alemães, sendo difícil determinar que parcela de contribuição coube aos italianos.
A moagem do trigo e do milho, como decorrência lógica do plantio de tais produtos, e a metalurgia constituem atividades industriais típicas da colônia italiana.
Observa-se por outro lado, que as primeiras oficinas da colônia pertenciam a imigrantes solteiros. Pelo seu estado civil, não tinham direitos a lotes de terras, dedicando-se, desde o inicio, muitos deles, à montagem de pequenas sapatarias, marcenarias, selarias e funilarias. Outros mais abastados passavam a ocupar-se com a industrialização da banha e com serrarias.
Cabe, ainda, salientar que muitos dos grandes industriais e comerciantes acumularam riquezas agrícolas. Da fabricação doméstica do vinho, criaram-se as cantinas. As serrarias a vapor substituem os tradicionais moinhos a água. Pequenas oficinas se desenvolveram, transformando-se em metalúrgicas.
No que se refere à comercialização, a situação de isolamento em que viviam, não dispondo de meios de comunicação e transportes, desconhecendo os mercados, os colonos sentiam-se abandonados, ficando totalmente à mercê dos intermediários locais, que pagavam baixos preços pelos produtos da colônia. Esta situação levou, muito cedo, os colonos a sentirem a necessidade de se organizarem melhor, do que resultou na fundação de cooperativas. Teve decisiva influência na formação dessas associações o movimento cooperativista, surgido em 1911, promovido pela Sociedade Nacional de Agricultura, Centro Econômico do Rio Grande do Sul e Sociedade Agrícola de Pelotas.
As cooperativas foram se multiplicando, atingindo a vinicultura, indústria porcina, laticínios e as madeireiras. Em 1912 o apogeu do movimento cooperativista entre os italianos expressa-se pela fundação da Federação das Cooperativas. A organização cooperativista, na medida em que se expandia e dominava as transações comerciais, feria os interesses dos intermediários. Estes, não se desencorajaram, e após preparar terreno, investem vitoriosamente contra as cooperativas utilizando, através da imprensa, mecanismos de descrédito sobre a instituição.
A dificuldade de empréstimos, gerada por uma crise geral que no momento assolava o país, veio prestar grande auxilio àqueles que objetivavam a liquidação do cooperativismo, o que se consumava em 1913 com o fechamento da “União das Cooperativas”.
Novamente explorado pelo intermediário é forçado a preocupar-se em produzir maior volume de vinho, em detrimento da qualidade. Entretanto, passado algum tempo, graças à intervenção oficial, começam a ser distribuídos aos colonos castas finas e novas técnicas lhes são ensinadas no cultivo da uva. Novamente floresce a vinicultura na região nordestina do Estado e em 1929 o Rio Grande do Sul exporta para outros Estados, 225.000 hl de vinho.
Quanto à educação, a situação da colônia italiana apresentava dificuldades semelhantes àquelas da colônia alemã. As inúmeras solicitações no sentido de que lhes fossem concedidas escolas, não eram atendidas pelos poderes públicos. A própria colônia teve que assumir a responsabilidade de prover educação aos seus filhos. As paróquias passaram a criar escolas e funcionar da mesma forma como entre os alemães, como centro polarizador da comunidade.

4-      A mecanização na agricultura

A partir de 1920 começa a surgir uma rizicultura irrigada e mecanizada, dando novo caráter à agricultura do Estado. Gradativamente o emprego da mão-de-obra vai sendo substituído pelo uso das máquinas nas fases da plantação e da colheita. A tração animal vai cedendo, aos poucos, lugar aos tratores e seus implementos.
A falta de dados sobre os anos anteriores a 1948 impossibilitou analisar a evolução da lavoura no período 1920/48.
Verifica-se que na safra 48/49 existe uma relação de um trator para 178 ha cultivados com arroz. Decorrido um período de 21 anos constata-se a relação de um trator para 38 ha. Em 1948/49 existia uma combinada para 2.720 ha de arroz, ao passo que, na safra 1969/70 a relação era de uma combinada para 404 ha. Estes índices revelam, sem dúvida, sensível progresso na mecanização das lavouras gaúchas de arroz.
Entretanto, é interessante observar o processo de mecanização no conjunto no Rio Grande do Sul, em confronto com São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás e Mato Grosso, seus competidores no mercado nacional.

Mecanização da lavoura de arroz – Rio Grande do Sul
Ano Agrícola
Número de Tratores
Hectares por trator
Número de combinadas
Hectares por combinada
1948/49
1.021
178
67
2.720
1949/50
1.369
152
78
2.677
1950/51
1.507
133
82
2.461
1951/52
1.795
110
92
2.144
1952/53
2.300
97
119
1.996
1953/54
2.930
87
178
1.517
1954/55
3.932
71
340
863
1955/56
4.062
62
375
717
1956/57
3.850
62
362
694
1957/58
4.255
60
399
665
1958/59
4.809
57
451
642
1959/60
5.405
55
468
666
1960/61
6.291
50
572
582
1961/62
6.306
46
610
502
1962/63
6.873
46
650
510
1963/64
7.854
43
757
469
1964/65
8.810
44
762
509
1965/66
7.490
40
708
425
1966/67
7.854
39
735
413
1967/68
8.753
39
799
425
1968/69
9.312
37
867
402
1969/70
9.948
38
896
404



Mecanização Agrícola no Brasil

Estados
Tratores

1950


1960


%

%
Rio Grande do Sul
2.245

26,8
16.675

26,2
São Paulo
3.819

45,6
28.101

43,7
Minas Gerais
763

9,1
5.024

7,9
Paraná
280

3,5
4.996

7,9
Goiás
89

1,0
1.299

2,0
Mato Grosso
50

0,6
997

1,5
Brasil
8.372

100,0
57.092

100,0

Fonte: Anuário Estatístico Brasil: 1963 – IBGE (Censos de 1950 e 1960)

Observa-se extraordinário crescimento do número de tratores no Brasil – 660% em
10 anos. De um modo geral Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais acompanham este ritmo de aumento. Digno de atenção, no entanto, é a rapidez do processo de mecanização da agricultura do Paraná, Goiás e Mato Grosso num ritmo de duas vezes maior que o do país. Pode-se dizer que antes de 1950 estes Estados não possuíam tratores, mas, em 1960 o Paraná alcançou Minas Gerais, e mesmo Goiás e Mato Grosso, aumentaram sua participação relativa.
Em 1950, afora o Rio Grande do Sul, somente a agricultura paulista representava certo grau de mecanização. Em 1960 os seis Estados apresentam alguma mecanização, o que revela substancial redução da vantagem relativa do Rio Grande do Sul.
O Estado possui uma área apta à mecanização de aproximadamente, 12.000.000 ha – Classe III e IV – produzindo arroz e trigo existe no Rio Grande do sul uma área mecanizada de aproximadamente 510.000 ha – ano 1965/66, restando, portanto, 11.500.000 ha abertos à mecanização.
A observação tem em vista apenas a capacidade de uso do solo, sem considerar os aspectos sociais de tal incremento. Se a abordagem for sociológica, certamente intensificar indiscriminadamente o número não será melhor solução para uma economia cuja agricultura já se mostra incapaz de absorver grandes contingentes de mão-de-obra no setor. A ampliação desse tipo de tecnologia ao liberar trabalho humano agravaria o problema.

            5- Conseqüência da ocupação

A análise do processo de ocupação territorial do Estado permite distinguir dois grupos sociais diferentes no conjunto da sociedade rural gaúcha.
O grupo predominantemente pastoril, que ocupa 63% da área do Estado, com baixíssima densidade demográfica. As propriedades estão concentradas nas mãos de uma pequena parcela da população. Empregam o sistema de trabalho assalariado ou parceria. Permanece, em grande parte, com baixa produtividade. Somente nos últimos anos, em face de uma conjuntura favorável, vem se processando um aumento da área de lavoura no interior dos latifúndios pastoris por iniciativa de agricultores sem terra, principalmente sob a forma de parceria na cultura de arroz e de arrendamento nas culturas de trigo e soja;
O grupo agrícola colonial, compreendendo a Colônia Velha e a Colônia Nova, com propriedade de tamanho insuficiente para a manutenção das famílias de seus proprietários. Dado que a área destinada à instalação das colônias agrícolas européias no Estado era relativamente pequena, já no inicio de 1900 uma forte pressão demográfica se fazia sentir sobre a terra. Como conseqüência deste fato, na segunda década do século, a região do Alto Uruguai é aberta ao excedente populacional da “Colônia Velha”.
Na Colônia Nova, entretanto, com o transcorrer do tempo, o processo repete-se. Avoluma-se a população, esgotam-se as fronteiras agrícolas e enormes contingentes humanos emigram ou para outros Estados ou para as cidades. Primeiramente contribuíram para a colonização de Santa Catarina, Paraná, Sul do Mato Grosso e, mais recentemente, dirigiram-se ao Paraguai. Outros, rumando para as cidades, passam a engrossar o contingente populacional marginalizado na periferia dos centros urbanos.
Como se percebe, a situação desses dois grupos sociais está intimamente ligada à estrutura agrária, resultante do processo de ocupação do território gaúcho. Pelos dados do Cadastro do INCRA, de 1967, a classificação dos imóveis rurais do Rio Grande do Sul apresentava-se da seguinte forma:

Classificação

Número
%
Área (há)
%
Minifúndio
434.956
82,4
6.179.900
25,0
Empresa Rural
12.025
2,2
3.130.736
12,7
Latifúndio por Exploração
81.091
15,4
15.367.760
62,3
Latifúndio por Dimensão
1
-
3.268
-
Fonte: Cadastro INCRA – 1967

6-      Conclusões

Do estudo apresentado, pode-se concluir que:
Existe uma grave distorção na distribuição da terra, pois enquanto os imóveis com menos de 25ha representam 73,9% do número de propriedades e ocupam 18% da área, no outro extremo, os imóveis com mais de 1.000ha somam apenas 0,6% do número de imóveis e ocupam 27,4% da área total do Estado.
As distorções da estrutura agrária terminaram por criar sérios problemas, não só no que se refere à produtividade da agricultura, mas, principalmente, à capacidade do setor em absorver mão-de-obra. Além dos 434.956 minifundiários, 28.232 arrendatários, 66.414 parceiros e 105.130 assalariados permanentes que constituem um numeroso contingente humano carente de terra, deve-se considerar ainda a intensa corrente migratória que se afasta do meio rural do Estado por falta de condições de trabalho.

Fonte: Levantamento e avaliação de recursos naturais, sócio-econômicos e institucionais do Rio Grande do Sul, Vol. 2
Ministério da Agricultura - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA
Brasília - 1973