30 de abril de 2011

Governo brasileiro impõe Belo Monte com brutalidade assustadora, diz documentarista

MEIO AMBIENTE | 28.04.2011


Martin Kessler atua como jornalista há 25 anos e investigou o polêmico projeto da usina hidrelétrica que o governo brasileiro quer construir no rio Xingu.

Martin Kessler esbarrou na história de Belo Monte por acaso. Em 2008, o documentarista alemão iniciou a pesquisa para um filme a ser apresentado no Fórum Social Mundial do ano seguinte. Realizando em Belém do Pará, o encontro tinha como tema a Amazônia.
Dali nasceu Um outro mundo é possível? A luta na Amazônia, filmado durante seis meses em comunidades indígenas e cidades que serão afetadas pela polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte. Kessler não conseguiu mais abandonar o tema e lançou, recentemente, um novo vídeo: Count–Down no Xingu, filmado em janeiro e fevereiro de 2011.
O documentarista conversou com a Deutsche Welle sobre seu processo de imersão no tema brasileiro: suas descobertas feitas durante as filmagens, os interesses europeus em jogo no projeto Belo Monte, e a discussão do assunto pela comunidade internacional.
Deutsche Welle: O senhor se surpreendeu com tudo o que encontrou e descobriu sobre Belo Monte?
Martin Kessler: Eu fiquei mais chocado com a brutalidade com a qual o governo de então – também o novo governo – executa esse projeto, a obstinação com que essa ideia tem sido perseguida ao longo dos anos, apesar de todas as deficiências já tão conhecidas, e todos os processos que correm na Justiça.
Uma das maiores controvérsias deve-se ao fato de os indígenas não terem sido ouvidos, das dúvidas em relação aos efeitos sobre a qualidade da água e do alastramento de doenças decorrente. Esses são alguns dos pontos que não estão claros e é por isso que a Procuradoria Geral da República tem se posicionado contra o projeto.
Ainda assim, existe uma enorme pressão para que o projeto saia. E isso acontece porque está claro que a continuidade do crescimento econômico do Brasil, e de outros países emergentes, depende bastante do baixo custo da energia.
Outro motivo, assim como também acontece na Alemanha – onde existem alguns projetos que renderiam lucros enormes a grupos específicos – são os ganhos envolvidos. No Brasil, os grandes consórcios, inclusive os da construção civil, querem tirar proveito do Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal.
E esses interesses são perseguidos com tamanha obstinação, que todas as polêmicas envolvidas são desconsideradas. Não se consegue olhar para o assunto e dizer: "Precisamos fazer uma pausa, precisamos considerar esses pontos críticos e, dependendo de como o processo correr, continuaremos".
Essa brutalidade contra a lei me chocou, também observada no governo Lula – e ninguém contava com isso. Antes de ele ser presidente, Lula tinha se pronunciado fortemente contra o projeto. E quando virou presidente, passou a ser favorável.
Essa situação que o senhor encontrou no Brasil, a maneira como o processo é conduzido, é muito diferente do que se faz aqui na Alemanha em sua opinião?
Como comparação, aqui na Alemanha temos atualmente a situação de Stuttgart 21. Nesse caso, existem grandes negócios imobiliários envolvidos. Essa grande área que agora está coberta pelos trilhos deverá ser liberada e muitas pessoas deverão lucrar com isso. Esse aspecto ficou claro com o passar do tempo e o desenrolar do conflito.
A princípio, as estruturas aqui na Alemanha são honestas. Quer dizer, eu acredito que aqui a Justiça seja um pouco mais independente do que no Brasil. Mas o problema fundamental em Belo Monte é claro: há o envolvimento de empresa europeias como a austríaca Andritz, a francesa Alstom e a alemã Voith, que está associada à Siemens na entrega das turbinas para Belo Monte.
Essas empresas argumentam formalmente, e dizem que o Brasil é um Estado de direito, que tudo está autorizado e que, portanto, elas podem fazer negócio com Belo Monte. Apesar de essas empresas saberem muito bem quão controverso é todo esse conflito, porque elas têm representantes no Brasil e seguem a discussão. E elas participam do projeto porque há uma grande quantia em jogo.
Então, quer dizer, há também interesses europeus em jogo na construção de Belo Monte?
É preciso dizer que há um extremo envolvimento político, também do lado europeu. Existe, por exemplo, essa unidade de extração de alumínio em Bacarena, que foi comprada recentemente pela norueguesa Norsk Hydro. Ou seja, é uma empresa multinacional europeia que usa, no momento, a energia que vem de Tucuruí para produzir o alumínio, mas que, no futuro, conta com a energia de Belo Monte.
Antigamente também se produzia muito mais alumínio aqui na Alemanha. Mas aqui a energia é bem mais cara, o meio ambiente seria bastante prejudicado, e as pessoas ficam felizes se isso acontece na Amazônia.
Quer dizer, é uma moral dupla. Porque aqui o alumínio é bastante utilizado, como na montagem de carros, e diz-se que esse é um material que agride menos o meio ambiente porque é mais leve, e por ser mais usado no lugar do ferro e do aço.
Mas ignora-se o fato de que, nesse mesmo alumínio, é empregada uma quantidade enorme de energia, e ele vem importado do Brasil. E que essa energia é obtida apenas se o meio ambiente for destruído e os povos indígenas intimidados, e assim por diante. Isso não é discutido publicamente aqui na Alemanha. Então: é uma moral dupla. Há o interesse do governo brasileiro, mas também o interesse das indústrias alemãs, dos consumidores daqui.
Como essa discussão e polêmica em torno de Belo Monte deveriam ser conduzidas?
Acho que toda essa brutalidade não pode continuar. E que os pontos incertos têm que ser esclarecidos, como aquelas 40 condicionantes impostas pelo Ibama. É preciso que haja o tempo apropriado para esclarecer tudo isso. E nesse período, a sociedade brasileira precisa discutir intensamente qual o tipo de crescimento econômico se deseja: o que agride a natureza, ou o que busca fontes alternativas – como a energia eólica e solar.
Depois da experiência que teve no Brasil, o senhor acredita que isso acontecerá?
Não sei, mas sou um pouco cético. Por um lado, sei como é o processo e que, portanto, é muito provável que Belo Monte seja construída. Por outro lado, existem essas pessoas que lutam contrariamente à usina, e elas já alcançaram tanto!
Um exemplo é o bispo do Xingu, Erwin Kräutler, que chamou a atenção intencional para o tema. Também Antônia Melo, do movimento Xingu Vivo para Sempre, e mesmo os procuradores da República. Eu imagino que todo esse movimento de resistência possa frear um pouco o governo brasileiro.
Também espero que aqui na Europa e em toda comunidade internacional esse assunto seja mais debatido publicamente. Isso já acontece na Áustria, sobre a atuação da Andritz, e agora começa a acontecer na Alemanha, em relação à participação da empresa Voith em Belo Monte. Se as empresas que fazem parte do projeto se recusarem a continuar, talvez o governo brasileiro reflita e aja de outra maneira. Dessa maneira, o Brasil poderia procurar outras fontes de energia e investir de outra maneira.
Tem a questão de Angra 3 também, que inicialmente seria financiada pela Alemanha, e agora talvez isso não aconteça frente ao debate intenso aqui na Alemanha sobre energia atômica. Isso também aumentaria ainda mais a pressão sobre o Brasil para produção de energia barata.
Acho que há algumas possibilidades. Mas é grande a probabilidade de que Belo Monte seja mesma construída.
Entrevista: Nádia Pontes 
Revisão: Augusto Valente
Fonte: DW (Deutsche Welle)
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Mais sobre hidrelétricas:

MEIO AMBIENTE | 31.05.2011

Novos rumos para as hidrelétricas

 

A hidroeletricidade pertence ao grupo de fontes renováveis de energia. Contudo, pode ser altamente controversa, como a hidrelétrica das Três Gargantas, na China. Conheça alternativas ecologicamente corretas.

 
Em seus mais diversos formatos, as instalações hidráulicas estão em uso na sociedade há mais de 2 mil anos: seja para mover moinhos d'água, martelos de forja ou mesmo serras. Hoje em dia, a força da água é direcionada principalmente para a geração de eletricidade: a hidroenergia corresponde a 15% da produção mundial, superando o setor atômico. Em comparação com ela, outras fontes renováveis de energia são responsáveis por apenas 4% do mercado atual.
Mas a água é capaz de ainda mais, o seu potencial é enorme: cada megawatt de eletricidade gerado previne o aumento das emissões de dióxido de carbono. Estudos apontam que a energia hidrelétrica poderia atender quase toda a demanda mundial, mas a realidade dificilmente chegará a esse patamar.
"Os custos e benefícios simplesmente não são proporcionais", explica Andre Böhling, do Greenpeace na Alemanha. "A água, vista como fonte de energia renovável, precisa ser tratada de forma diferenciada – caso a caso." Isso se aplica, especialmente, aos grandes projetos de barragens.
Uso tradicional da hidroenergia Uso tradicional da hidroenergia
Barragem velha, energia nova
Um projeto em Honduras mostra como é possível fazê-lo de forma melhor: a hidrelétrica La Esperanza é um exemplo ideal de uso bem-sucedido da energia hidráulica. O conceito consiste em reaproveitar barragens antigas, utilizando estruturas já existentes e minimizando a demanda de espaço, o que resulta em saldos positivos, graças à constante geração de energia elétrica posterior.
Criado pelo empreendedor canadense Ron Turner, o projeto foi indicado para ao prêmio World Clean Energy Award, que contempla iniciativas ligadas à produção de energia limpa. Desde a ratificação do Protocolo de Kyoto, em 1997, a usina La Esperanza também se tornou a primeira no mundo a poder vender seus próprios créditos de carbono.
Ainda assim, muitos megaprojetos de barragens acabam se tornando um desastre ecológico, econômico e social – devido ao seu enorme impacto na natureza e na sociedade. Usinas como a hidrelétrica de Três Gargantas, na China, ou a represa Sardar Sarovar, na Índia, são mais um símbolo de destruição ambiental e violação dos direitos humanos do que de um verdadeiro avanço climático.
Mais problemáticas ainda, nesse contexto, são as barragens cuja construção implica o alagamento de florestas. Isso porque, durante anos, as plantas submersas ficam se decompondo e acabam liberando quantidades imensas de metano – um gás ainda mais prejudicial para o clima do que o CO2. Apesar dos resultados questionáveis trazidos pela tecnologia hidrelétrica, novas grandes usinas estão sendo construídas na Índia, China ou mesmo na América do Sul.
Sem chance para novos megaprojetos
Nos países desenvolvidos, atualmente, tais instalações são impensáveis. "As discussões sobre novos megaprojetos na Alemanha já se encerraram", afirma Harald Uphoff, da Associação Nacional Alemã de Hidrelétricas.
As possibilidades de algum crescimento do setor hidroenergético estão ligadas principalmente ao desenvolvimento de novas tecnologias: uma espécie de boia de deriva para geração de energia em rios, por exemplo, traria impactos mínimos ao meio ambiente e já está em fase de testes. Antes de mais nada, no entanto, é preciso também modernizar as usinas antigas – frequentemente com mais de 50 anos –, para que se possa produzir mais energia a partir das instalações já existentes. E é justamente nesse âmbito que o projeto em Honduras desenvolveu sua alternativa.
Potencial para a Alemanha?
Atrás apenas da eólica, a opção hidrelétrica figura como a segunda fonte de energia renovável mais importante na Alemanha: 3,5% da produção de energia no país. Contudo, os aspectos econômicos e ecológicos de uma possível expansão do setor ainda são controversos. "A longo prazo, não se espera mais nenhum crescimento significativo da energia produzida a partir da água na Alemanha", garante Andre Böhling, do Greenpeace. Do ponto de vista dos operadores, no entanto, a geração de energia hidrelétrica poderia subir pelo menos mais um terço no mercado nacional.
Em particular, as chamadas "mini-hidrelétricas" são vistas com esperança no ramo – trata-se de instalações descentralizadas e de pequeno porte, com capacidade de produzir até cinco megawatts. Até o momento, elas são responsáveis por 20% de toda a energia hidráulica produzida na Alemanha. "Esse tipo de sistema é capaz, muitas vezes, de abastecer um vilarejo inteiro", aponta Uphoff.
Potencial em aberto
Em um estudo realizado nos rios e riachos do país, em 2008, o governo alemão contabilizou 15 mil diques e barragens que poderiam ser usados para a obtenção de energia. O sistema hidrelétrico pretende, na Alemanha, atingir o mesmo patamar de produção das usinas atômicas, mas frequentemente encontra resistência dos ambientalistas.
Através de uma alteração feita na legislação em 2009, o país adotou uma medida quase salomônica. Efetivamente, não se distribui nenhum certificado de carbono oficial, mas o estímulo à obtenção de energia limpa – e, de fato, ecológica – aumentou: quem combinar a sua pequena instalação hidrelétrica com mecanismos ecológicos significativos, como um sistema para a transposição de peixes, por exemplo, recebe um incentivo financeiro extra por cada watt inserido na rede elétrica.

Autor: Oliver Samson (mdm)
Revisão: Roselaine Wandscheer
Fonte: DW (Deutsche Welle)

26 de abril de 2011

Ministra do Meio Ambiente defende os ambientalistas às vésperas da votação do novo Código Florestal

Mundo sustentável

Publicada em 25/04/2011 às 19h49m

Isabela Martin

A ministra do Meio Ambinete, Izabella Teixeira/Fotode Givaldo Barbosa
FORTALEZA - Em plena negociaçao com o Congresso Nacional para votação do novo Código Florestal, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, saiu em defesa dos ambientalistas nesta segunda-feira. Disse que não é "tolice" a defesa de um mundo mais sustentável e que é "isolando" os radicais que o governo está chegando ao consenso em torno desse debate.
- Nao é tola a colocação de ninguém que queira construir um mundo mais sustentavel, que queira construir um mundo de convergència, de inclusão de todos. Isso nao é tolice, isso é sabedoria, Isso é dedicação. Isso é vontade de construir e realizar. O preconceito em relação a questão ambiental deve ser colocado de lado. Ninguem é fundamentalista quando se discute a vida. Cuidado com isso. A politica ambiental é uma politica que trata da qualidade de vida. É isso que ela quer dizer. De todos.a espécie humana pode ir embora e o planeta permanence. A discussão é de outra natureza. É o momento de construir convergência, propiciar diálogo de construir realmente soluções, de isolar os que são mais radicais. Quando você isola os mais radicais, você consegue construir a convergencia. E isso está acontecendo hoje no debate no goveno federal sobre o Código Florestal - disse a ministra ao falar na abertura da Semana Nacional da Caatinga, na Assembléia Legislativa do Ceará.
O texto aprovado em comissão especial no ano passado é defendido pela bancada ruralista, mas não tem apoio de deputados ambientalistas. As propostas de mudanças na legislação ambiental brasileira têm pontos polêmicos, como a redução das áreas de reserva legal em propriedades rurais, que diferem dependendo da região do país.
Sobre o código florestal, a ministra disse que o governo tem uma proposta convergente entre os Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Desenvolvimento Agrátio, além de ter ouvido órgãos estaduais, igreja e até agricultores familiares. E que a única preocupação do governo é ter uma lei que resolva o passivo do código florestal, mas que olhe para o futuro.
O Brasil tem dois pré-sais: o do petróleo e o da Biodiversidade. Saibam disso
Em defesa de uma agenda pelo desenvolvimento sustentável, a minstra disse que o Brasil tem dois pré-sais - o do petroleo e o da biodiversidade. E precisa dar respostas para os quatro principais problemas que estão na pauta de todos os países nesse século: as mudanças climáticas, a segurança energética, a segurança alimentar e a conservação da biodiversidade.
- Eu terei que conservar a biodiversidade porque a biodiversidade não é so bichinhos e plantinhas como as pessoas às vezes se refereem. É uma riqueza. O Brasil tem dois pré-sais: o do petróleo e o da Biodiversidade. Saibam disso. O País mais rico em biodiversidade do planeta será responsável por dar respostas sólidas de preservação e conservação da vida no planeta, disse citando como exemplo disso a matriz energética do Brasil que chamou de limpa.
De acordo com a ministra, é "equivocada" a idéia que opõe ambientalistas ao desenvolvimento. Segundo ela, em nenhum momento a agenda ambiental é formulada para impedir o desenvolvimento, mas para apoiar ações que se mostram sustentáveis do ponto de vista ambiental, ecológico e social dos chamados ativos ambientais.
- Esse debate, quando se fala que ambientalista é contra o desenvolvimentista, é um debate que interessa a poucos. Não interessa à maioria, disse.
Izabella Teixeira afirmou ainda que é possíoel convergir essas duas agendas e que o desenvolvimento que é feito fora disso revela-se perverso em todos os sentidos, "da Amazônia ao Pantanal".
- O que nos deparamos muitas vezes é com árvores sendo abatidas e sendo vendidas por cino reais, por dez reais, e que o madereiro vende no Sul por R$1.000, R$1.200,00. Isso é a realidade do País
Ou pessoas que suprimem a vegetação da caatinga para ter um retorno energetico pífio frente ao que poderia estar sendo discutido e perdendo a riqueza da sua propriedades. E depois vão abandonando e migrando a áreas mais remotas e chegando a essa situação. É o mais pobre que fica mais penalizado com essa situação.
Segundo a ministra, um dos desafios de sua Pasta é contribuir para a redução das desigualdes sociais através da conservação do meio ambiente.

Fonte: O GLOBO

23 de abril de 2011

Povos da floresta pedem Código Florestal que não desmate


noticias :: Por Editor em 23/04/2011 :: imprimir   pdf   enviar   celular

São dois cenários e uma só história: de um lado, Brasília. Do outro, a Amazônia. Enquanto deputados e representantes do agronegócio tentam derrubar o Código Florestal na Câmara dos Deputados, centenas de ribeirinhos, extrativistas e organizações que representam os povos da floresta estão na cidade de Parintins, no Amazonas, dando o que apelidaram de Grito da Floresta. Após estender uma faixa no Bumbódromo, onde acontece a tradicional Festa do Boi-Bumbá, dizendo Congresso, desliga a motosserra, eles circularam um manifesto pedindo o fim do desmatamento.



O protesto em Parintins faz parte do evento Grande Encontro da Floresta, dos Povos e da Produção Sustentável. Organizado por entidades do movimento social e ambiental que atuam na Amazônia, inclusive o Greenpeace, o encontro tem como meta fortalecer a conservação e a economia da floresta e marcar um pacto pela produção sustentável na Amazônia. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, esteve presente.

O grito somou-se à manifestação de cerca de três mil agricultores de base familiar e pequenos produtores rurais em Brasília na semana passada, que foram ao Congresso para pedir a rejeição ao projeto de lei do deputado Aldo Rebelo que muda o Código Florestal. Os manifestantes também defenderam o desmatamento zero e exigiram tratamento diferenciado para a agricultura familiar, dois itens que estão fora das propostas de mudança no Código Florestal encabeçadas pela bancada ruralista.

"Essa sequência de manifestações feita por pequenos produtores, familiares, ribeirinhos e extrativistas, mostra que quem vive da floresta não quer desmatamento", diz Rafael Cruz, da campanha Amazônia doGreenpeace. "Sem florestas não há produção. A agricultura familiar – que leva mais de 70% dos alimentos para a mesa dos brasileiros – fica comprometida, já que é a floresta que garante o clima e as chuvas essenciais à produção".

Contrárias às alterações no Código Florestal que abrem brecha para mais desmatamento, as organizações presentes no encontro de Parintins aguardam uma intervenção do governo. "Os deputados que representam o agronegócio já mostraram que preferem o caminho do tratoraço, e estão ignorando as demandas tanto da ciência quanto dos povos da floresta na discussão da lei", aponta Paulo Adário, diretor dacampanha Amazônia do Greenpeace. "Esperamos que o governo cumpra seu papel democrático e faça valer o direito dessas comunidades. Qualquer medida que permita mais devastação é desastrosa para quem depende da floresta para se sustentar".

PARA SABER MAIS

Para ler o Manifesto clique aqui.

FONTE

Greenpeace Brasil
Caroline Donatti - Jornalista

22 de abril de 2011

O Novo Código Florestal: avanço ou retrocesso?

Por Melissa Bergmann*

Foto: Mata ciliiar na foz do Rio das Antas com o Rio 
Uruguai - Mondaí-SC

Na iminência da reformulação do Código Florestal Brasileiro surgem muitas controvérsias e indagações quanto às questões ambientais. Tornou-se imperativa a adequação da legislação à medida que a sociedade toma novos rumos na atualidade, com o grande desafio de desenvolvimento social e econômico aliado à conservação do meio ambiente. Diante da preocupação com a preservação das florestas, desde a década de 30, e com a promulgação da Lei Federal 4.771, de 1965, que instituiu o Código Florestal Brasileiro, a legislação definiu diversas adequações quanto às áreas de especial preservação e à utilização da vegetação, mas que, durante décadas, não foi discutida nem colocada em prática. Com a atuação mais rigorosa dos órgãos públicos quanto ao comprometimento da sociedade com a questão ambiental, nos últimos anos, vieram à tona conflitos que colocaram a obrigatoriedade da preservação do meio ambiente como “punição” aos proprietários rurais, enfatizando-se que tais práticas desestruturarão os pequenos proprietários de terras e colocarão em risco a agricultura familiar, da mesma forma que grandes propriedades de terra sofrerão significativas delimitações na sua área de produção.
            Depois de décadas, utilizando-se livremente das terras adquiridas e inclusive incentivados pelo governo a expandir sua produção em locais hoje restritos, os produtores rurais seriam “vítimas’ da rigorosa legislação ambiental, cuja aplicação traria impactos significativos sobre a produção de alimentos. Nesse contexto, o Deputado Federal Aldo Rebelo (PC do B), através do Projeto de Lei 1876/1999, em discussão atualmente no Congresso, propôs uma série de modificações no Código Florestal que alterariam as áreas de preservação permanente (APPs) e a Reserva Legal (RL). Entre elas, os topos de morros, montanhas e serras deixariam de ser áreas de preservação permanente, o que significa que seriam permitidas ocupações como moradia e utilização dessas áreas para cultivo agrícola. Devemos lembrar, porém, que foi por essas ocupações irregulares que ocorreram deslizamentos de terra na região serrana do Rio de Janeiro, há poucos meses atrás, deixando mais de 800 pessoas mortas e centenas de desabrigados. A ocupação dessas áreas de risco contabiliza perdas econômicas, ambientais e de vidas humanas. Só no caso do RJ, calculou-se um prejuízo de mais de 200 milhões de reais. Em Santa Catarina, em 2008, o Vale do Itajaí também sofreu sérias conseqüências, com mais de 130 mortes devido às ocupações irregulares. De acordo com o relatório do Centro de Informações de Recursos Ambientais e Hidrometeorologia de Santa Catarina, 84% das áreas atingidas pelos deslizamentos haviam sido desmatadas e alteradas pelo ser humano, sendo que apenas 15% dos deslizamentos ocorreram em áreas com cobertura florestal. Ou seja, deslizamentos de terra em morros podem ocorrer espontaneamente, sem a interferência do ser humano, mas a vegetação nativa ajuda a conter a força das enxurradas. Então por que continuamos a insistir em construir moradias nessas áreas vulneráveis?




 Foto: Encosta protegida por mata nativa - Mondaí - SC
Com relação às APPs dos cursos de água, discute-se a redução da metragem exigida atualmente. A legislação prevê 30 metros de mata ciliar a partir das margens de córregos ou rios com até 10 metros de largura. A proposta é que se reduza essa distância em até 50% para rios com até 5 metros de largura, ficando a cargo dos Estados a alternativa de reduzi-la ainda mais. Isso daria a possibilidade de se firmar 7,50 metros de cada lado dos cursos de água. O mesmo raciocínio sobre a ocupação irregular de morros e encostas se aplica às APPs de margens de rios, cuja ocupação e retirada da vegetação ciliar protetora propiciam desbarrancamentos e enchentes que atingem principalmente as plantações e moradias que se localizam mais próximas de suas águas. Exemplo concreto é o que ocorreu em Alagoas e Pernambuco no ano de 2010, pelo transbordamento dos rios e estreitamento das calhas dos canais, com intensa destruição de edificações e infra-estrutura urbana nas faixas marginais dos cursos de água. O Relatório de Inspeção nas áreas atingidas pelas chuvas no Rio de Janeiro relatou vários casos em outros estados de plantações nas margens das APPs dos rios totalmente destruídas, como lavouras de milho no Rio Mirim, em SC, e no Distrito de Bonsucesso, em Teresópolis/RJ, evidenciando a perda de solo fértil e de edificações nas margens desses cursos de água. Fica evidente que o argumento de que se perderão terras para a produção de alimentos mantendo-se as APPs preservadas não condiz com a realidade e o caos social e ambiental que se vem observando ao longo dos anos, quando as perdas econômicas são muito maiores em decorrência das degradações e da utilização irregular e desenfreada dessas áreas. É evidente que as chuvas, os tornados e os deslizamentos ocorrem há milhões de anos, e continuarão a ocorrer, com ou sem a interferência humana, restando-nos apenas a incumbência de não se ocupar essas áreas. A legislação não foi feita para punir este ou aquele trabalhador, nem para estancar o crescimento econômico do país, mas para garantir a sobrevivência da diversidade biológica e o bem-estar da população humana. Ou alguém acredita que perdas humanas e pessoas desabrigadas que precisam ser realocadas, além de perdas na agricultura pelas enchentes e desabamentos não contabilizam custos para a sociedade e para o governo?
            Outra proposta controversa diz respeito à Reserva Legal (RL). A reserva legal é uma área de preservação distinta da área de preservação permanente, e que tem a função ambiental de facilitar a movimentação e a conservação da fauna e da flora em meio aos ambientes fragmentados. A proposta de Rebelo é de que elimine a exigência da RL para imóveis com até 4 módulos fiscais. O tamanho do módulo fiscal é variável de acordo com a região do país. Na Amazônia Legal, por exemplo, parte do território tem o módulo fiscal definido em 100 hectares, o que quer dizer que propriedades com até 400 ha ficariam dispensadas de destinar área de RL. Aqui na nossa região, cada módulo corresponde a 20 ha; então áreas com até 80 ha não precisariam de RL. O que se propõe também é a conjugação de APPs e RL em pequenas propriedades. Ocorre que atualmente a legislação prevê que propriedades com até 30 ha, aqui na região sul, possam computar APPs com RL, numa proporção de 25% da área da propriedade.
            Além disso, propõe-se ainda que um proprietário possa adquirir sua Cota de Reserva Legal no mesmo bioma. Um bioma é um grande ecossistema terrestre, como a Mata Atlântica. Isso quer dizer que um proprietário aqui da região poderia adquirir uma área de RL em qualquer um dos 15 estados onde ocorre a Mata Atlântica. Mas, e a função da Reserva Legal? E a formação dos corredores ecológicos? Adquirir uma área preservada distante não garantirá a sobrevivência e o fluxo das espécies locais e de uma determinada região. Além do mais, é preciso esclarecer que para as pequenas propriedades ou posses rurais familiares, nessas áreas podem ser computados plantios de árvores frutíferas e até mesmo exóticas, desde que cultivadas em consórcio com espécies nativas. Dessa forma, vê-se que não são áreas intocáveis e inutilizáveis na propriedade, mas são áreas que permitem algum tipo de manejo e contribuem também para a proteção da biodiversidade.
             Sendo assim, acreditamos que se faz necessário e urgente adequar o Código Florestal às demandas atuais, mas não de forma a isentar a população, urbana ou rural, de qualquer responsabilidade ambiental. Computar Reserva Legal   e Área de preservação Permanente nas pequenas propriedades, subsidiar os proprietários que realizam serviços ambientais, ou seja, incentivo àqueles que preservam, trabalho de manejo adequado nas áreas de reserva legal e elaboração de projetos de RL pelos órgãos públicos aos pequenos proprietários rurais, para que não tenham despesas com estes serviços, são algumas questões que precisam ser avaliadas e colocadas em prática.
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Bióloga, Ms. em Ecologia, Técnica Ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA)/Ag. Santa Rosa
Fotos: Darci Bergmann 



21 de abril de 2011

POR UMA ÉTICA ECOLÓGICA



 Por José Lutzenberger*


             Nestes últimos anos a espécie humana tem andado muito empolgada com a chamada “conquista do Espaço”. Muitos chegam a pensar, inclusive, que o Espaço conquistado vai resolver nossos problemas terrestres – a explosão demográfica por exemplo.
Ainda há os que crêem estarmos prestes a descobrir novos espaços vitais em outros planetas, novos espaços vitais que então poderemos tratar com o mesmo desrespeito, descuido e total irresponsabilidade com que temos tratado nosso belo planeta azul.
Basta, porém, tomar em conta as verdadeiras dimensões do Universo para saber que não será assim. Não temos esta chance – a solução dos problemas temos que encontrar aqui. São os próprios peritos da Conquista Espacial que assim o dizem. Werner Braun, quando chefe da NASA, numa entrevista à revista alemã “Der Spiegel” (nº 7, 1971), ao ser perguntado se a recente viagem à lua tinha contribuído a despertar uma consciência cósmica, respondeu:
- “Estou firmemente convencido de que foi criada uma consciência cósmica. Pelo menos na América se deu o caso que as fotos que os astronautas trouxeram da Lua causaram uma tremenda impressão nos ecólogos daqui. Por quê? Elas nos mostraram pela primeira vez um quadro de nossa minúscula Terra, com as suas limitadas fontes de matéria-prima, sob tênue capa atmosférica, sua vulnerabilidade a abusos. O homem pode ver aí a nave espacial Terra com sua tripulação de três bilhões e meio de astronautas. Tudo aquilo que os ecólogos vinham pregando ficou subitamente bem aparente”.
Efetivamente, todos somos astronautas. Habitamos uma pequena nave espacial, perdida na imensidão do Espaço vazio, hostil à vida. Se uma jóia tem valor pela sua raridade, então este planeta tem para nós um valor incomensurável. Porque, como ele, sabemos que em nosso sistema solar não há outro. Se houver algo parecido no Universo, só a distâncias siderais, totalmente fora do nosso alcance.

Foi necessário que víssemos de bem longe a nossa Terra para que nos déssemos conta da sua fragilidade e vulnerabilidade.
Quer dizer que deveríamos ter com nosso astro o mesmo cuidado, o mesmo carinho que o astronauta tem por sua limitada cápsula. Nossos recursos não são ilimitados. Não temos o direito à pilhagem e à rapina, à destruição irreversível. Em nossas considerações econômicas, tecnológicas e políticas deveríamos tratar de como chegar a sistemas de equilíbrio dinâmico, não de crescimento ilimitado de consumo e esbanjamento sempre maior de nossos recursos. Só deveríamos gastar o que pode ser reposto. Uma serraria que tem à sua disposição uma área limitada de bosque não poderá crescer eternamente, só poderá cortar a cada ano uma quantidade de madeira correspondente ao crescimento anual naquela área, se não ela se acaba por falta de bosque.
Temos que aprender a viver dos juros de nosso capital; não podemos comer nosso capital. Se roermos a substância, acabaremos com o nosso próprio futuro e tornaremos impossível a vida dos nossos descendentes.
No entanto, basta abrirmos os olhos para ver que não estamos agindo como seria lógico para uma espécie que gosta de se chamar Homo sapiens. Nosso atual modo de proceder está demonstrando tudo, menos sabedoria. Estamos agindo como se fôssemos a última geração, como se com nossa morte individual se acabasse tudo. Mais vinte anos como os últimos vinte e já não sobrará muita coisa.

A destruição do ambiente natural pelo homem, hoje, já não se limita, como antes, a certas áreas – localizadas e limitadas, mas é global, total. Está em toda parte, tem uma infinidade de aspectos. Cresce de maneira vertiginosa, em forma de curva exponencial, mas com taxa de crescimento também exponenciada. Se no ano passado o estrago foi talvez dez por cento mais do que no ano anterior, pois este ano será pelo menos quinze ou vinte por cento a mais do que no ano passado. Está perfeitamente claro que esta situação não pode continuar indefinidamente. Nem no livro de matemática a curva exponencial pode ser levada até o infinito.
A vida na Terra, a incrível, a grandiosa Sinfonia da Evolução Orgânica, este processo lento, paciente e implacável que nos deu origem, já dura uns três bilhões de anos! Assim mesmo, durante todo esse espaço de tempo inimaginavelmente longo, nunca houve um cataclisma biológico como o que estamos vivendo. Até mesmo a desaparição dos grandes sáurios no fim do Cretáceo, há uns sessenta milhões de anos, deve ter sido um processo lento e orgânico pois deu possibilidade aos sucessores dos répteis, os mamíferos, de conquistarem os mesmos nichos ecológicos. O mundo saiu daquela crise enriquecido. Mas o que estamos vendo hoje é a devastação total, inclusive dos nichos e de habitantes inteiros.

Neste momento estão caindo as últimas selvas do globo, estão sendo adulterados os últimos rincões da natureza ainda mais ou menos intacta. Nem o fundo do mar escapa. O pior dos terremotos não sabe causar os estragos da terraplanagem, os desbravamentos sem plano, a poluição. Estamos extinguindo comunidades ecológicas completas, comunidades onde cada espécie é única. Estragos, portanto irreparáveis. Cada vez que apagamos uma espécie, são milhões de anos de evolução irremediavelmente perdidos. Com cada espécie perdida para sempre, o mundo acaba mais pobre, e nós, humanos, mais sós.
A causa deste nosso desprezo pelo ambiente natural deve ser procurada em vários fatores, mas principalmente em nossa ignorância quanto à complexidade e vulnerabilidade dos sistemas naturais. Nossa vida urbanizada, dominada por uma tecnologia artificial, nos está alienando quase por completo do mundo natural. Nós imaginamos que podemos viver totalmente isolados da natureza, que sobreviveremos num mundo só de humanos e máquinas, com meia dúzia, talvez, de animais e plantas domésticas.
Temos uma fé inabalável no que costumamos chamar de progresso. Uma fé que o progresso significa eterno crescimento. Esperamos que tudo se torne cada vez maior, abundante, mais rápido, mais eficiente, mais diferente. Queremos sempre o máximo, e assim perdemos o máximo, e assim perdemos de vista o ótimo. Quantidade vale mais que qualidade. O homem tecnológico está tão convencido de sua força que já não vê suas fraquezas.

Daí também nossa total falta de amor e consideração pelos demais seres vivos, nossos companheiros de viagem nesta nave. A ética ocidental, a que hoje domina o mundo, independente de ideologias políticas e religiosas é exclusivamente antropocêntrica, não reserva nenhum lugar para as demais criaturas. A sociedade industrial encara seu ambiente natural, encara todos os seres não-humanos como simples instrumentos dispensáveis dos quais o homem se serve a seu bel-prazer, exterminando-os, inclusive quando lhes parece conveniente. Estes outros seres não estão incluídos em nossa moral. Por isso desrespeitamos e agredimos o ambiente natural de maneira tão inescrupulosa e violenta, a ponto de estarmos hoje pondo em perigo a própria continuação da vida neste astro. Albert Schweitzer, com sua imensa reverência pela vida, caracterizou muito bem sua atitude quando disse:
- “Assim como a dona de casa, que acaba de limpar o quarto, toma o cuidado de fechar a porta, para que o cachorro não venha com o rastro de suas patas estragar a bela obra, assim os pensadores europeus tomam todas as precauções para que não venha a passar algum animal dentro de sua ética”.
Se os demais seres vivos não tem lugar em nossa ética, então não tem importância que acabemos com eles todos. Nós somos os donos da criação.
Também gostamos de imaginar que as obras do homem têm valor, as da natureza não valem nada. Quem danifica uma velha ruína ou uma obra de arte comete um sacrilégio. Mas, quando por um lucro momentâneo ou simplesmente por não gostarmos da coisa por não saber aprecia-la, depredamos uma jóia natural, que a natureza levou talvez milhões de anos para criar, não será talvez um crime muito maior?
Nunca ocorreria a um engenheiro que concebeu uma máquina complicada entrega-la simplesmente ao primeiro que estivesse disposto a divertir-se com ela. Pois é claro que acabaria destruindo complexo mecanismo com ferramentas inadequadas e manejo grosseiro. Ninguém jamais entregaria um computador de última geração a um engraxate que nunca ouviu falar em computadores. A máquina seria valiosa demais para tanto.
Mas é exatamente isso que estamos fazendo com nosso ambiente natural.
As decisões sobre se tal ou qual floresta deverá desaparecer, se este ou aquele banhado será drenado ou aterrado, se naquele rio vamos construir uma grande barragem, se vamos largar dezenas de milhares de toneladas diárias de lixo químico no mar, esgoto e mercúrio em nossos rios e lagos, empregar tal ou qual inseticida sobre uma vasta região, e uma infinidade de outras agressões ao nosso ambiente, estas decisões sumamanente sérias, decisões que deveriam basear-se em profundo conhecimento dos fatores ecológicos, decisões, portanto muito importantes para o nosso próprio bem e para a continuação da vida neste astro, estas decisões normalmente, as deixamos nas mãos de quem nunca ouviu falar de ecologia, de quem não tem noção da complexidade dos problemas ambientais.

Nossa engenharia costuma procurar adaptar o ambiente à tecnologia, ao invés de acomodar a tecnologia ao ambiente. Como o “bulldozer”, insultamos a paisagem para que ela se ajuste à nossa arquitetura, ao invés de enquadrar harmonicamente nossa arquitetura dentro.
Responsável desta atitude é nossa capacidade de abstração. A atitude do especialista que isola seu problema e se concentra completamente em um só aspecto de uma questão. Esta atitude tem sido a base do progresso da ciência e da técnica, mas ela produz efeitos catastróficos quando aplicada ao ambiente. A Biosfera é um complexo sistema de equilíbrio dentro de equilíbrio, que por sua vez fazem parte de equilíbrios ainda maiores. Para compreender nosso ambiente, temos que encarar o todo, temos que ver a dinâmica dos sistemas naturais, temos que aprender a ver o homem como parte deste processo complexo.

 O especialista que introduziu o chumbo na gasolina entendia muito de motores a explosão, mas sua responsabilidade terminava no cano de escape. O técnico de saúde pública que, de avião aplica um poderoso inseticida sobre todo um banhado, só está vendo aquele mosquito que ele quer liquidar, mas é totalmente cego às milhares de outras espécies, muitas das quais diretamente úteis ao homem. Se a polícia agisse dessa maneira, então para liquidar meia dúzia de bandidos, teria que tratar toda a cidade com gases venenosos. O método seria bastante eficiente contra os bandidos.
            Uma vez, como técnico em produtos fitosanitários, visitei um agricultor grande produtor de maçãs. Entre os mais de trinta tratamentos químicos a que submetia os pomares em cada temporada – não consigo compreender como aquele solo não estava totalmente estéril – usava inseticidas, fungicidas, acaricidas, herbicidas, hormônios, nematicidas, rodenticidas e desinfetantes, além de repelentes, toda a gama enfim. Entre estes produtos estava também usando um produto extremamente perigoso, proibido na grande maioria dos países. Atrevi-me a sugerir que o substituisse por outro menos perigoso, se bem que mais caro. Olhou-me surpreso, e disse:
-          “Mas o que o senhor quer? Eu nunca como minhas maçãs!”
Outro aspecto importante da atual crise ecológica é o aspecto quantitativo. Algumas décadas atrás praticamente não se falava em poluição. Muito pouco se dizia sobre degradação ambiental. Mas as fábricas, então, eram tão poluidoras, ou até mais que hoje. A destruição do ambiente pelo homem, qualitativamente não era menor. O que mudou de lá pra cá são as ordens de magnitude. Não somente somos muito mais numerosos hoje, somos também muito mais violentos, cada um, quanto a impacto ambiental.
Antigamente os poucos colonos entravam no mato com machados. Em cem anos avançavam 100 Km. Hoje o caboclo e o sertanejo espalham a agricultura de rapina e o fogo pelo último sertão. Milhares de tratores derrubam em poucos meses áreas de florestas que antes não se conseguia arrasar em décadas. As novas fábricas de polpa apesar de custosíssimas instalações de recuperação de efluentes, são tão grandes que a reduzida porcentagem de poluição representa muito mais que a soma da poluição de antigas fabriquetas.

O impacto do homem moderno sobre o seu ambiente se torna cada dia mais brutal, mais irreversível, já ultrapassando a capacidade de recuperação da Natureza. Se quisermos sair da atual crise ecológica que a humanidade trouxe sobre si mesma, e se não sairmos não teremos futuro, vamos necessitar de uma moral mais ampla e completa, de uma ética ecológica. Temos que aprender a ver o todo. Temos que nos livrar desse velho preconceito ocidental da idéia que o homem é o centro do Universo, de que toda a criação está aqui para nos servir, de que temos o direito de usá-la e abusá-la sem sentido algum de responsabilidade. Temos que nos libertar da idéia de que todos os outros seres só tem sentido e função de sua utilidade imediata para o homem. Como queria Albert Schwitzer, nossa ética terá de incluir toda a criação.
Precisamos de uma nova copernicana que ponha o homem em seu lugar, que o faça descer de seu falso pedestal. Se a natureza nos deu uma inteligência que nos possibilita este tremendo poder que agora temos sobre tudo o que vive, e sobre a totalidade do ambiente, esse poder, poder de tomar em nossas mãos a continuação da evolução ou de acabar com ela, significa também uma tremenda responsabilidade.
Não estamos fora, por cima ou contra a natureza, estamos bem dentro dela. Somos uma parte dela.
 E para terminar quero trazer mais uma citação. Trata-se da palavra de Gene Setzer, presidente da National Audubon Society, uma antiga sociedade conservacionista dos Estados Unidos; que já conta com milhões de membros e tem créditos de grandes sucessos conservacionistas. Dizia Setzer:
- “Nós fomos criados em 1905 com o fim específico de salvar uma espécie ameaçada, a garça, que estava sendo exterminada pelos caçadores de plumas. Mas esta é ainda nossa intenção – salvar uma espécie ameaçada, só que hoje essa espécie é o próprio homem”.

 Texto editado por ocasião da Fundação da AGAPAN, em 1971.
*In memorian.