22 de abril de 2011

O Novo Código Florestal: avanço ou retrocesso?

Por Melissa Bergmann*

Foto: Mata ciliiar na foz do Rio das Antas com o Rio 
Uruguai - Mondaí-SC

Na iminência da reformulação do Código Florestal Brasileiro surgem muitas controvérsias e indagações quanto às questões ambientais. Tornou-se imperativa a adequação da legislação à medida que a sociedade toma novos rumos na atualidade, com o grande desafio de desenvolvimento social e econômico aliado à conservação do meio ambiente. Diante da preocupação com a preservação das florestas, desde a década de 30, e com a promulgação da Lei Federal 4.771, de 1965, que instituiu o Código Florestal Brasileiro, a legislação definiu diversas adequações quanto às áreas de especial preservação e à utilização da vegetação, mas que, durante décadas, não foi discutida nem colocada em prática. Com a atuação mais rigorosa dos órgãos públicos quanto ao comprometimento da sociedade com a questão ambiental, nos últimos anos, vieram à tona conflitos que colocaram a obrigatoriedade da preservação do meio ambiente como “punição” aos proprietários rurais, enfatizando-se que tais práticas desestruturarão os pequenos proprietários de terras e colocarão em risco a agricultura familiar, da mesma forma que grandes propriedades de terra sofrerão significativas delimitações na sua área de produção.
            Depois de décadas, utilizando-se livremente das terras adquiridas e inclusive incentivados pelo governo a expandir sua produção em locais hoje restritos, os produtores rurais seriam “vítimas’ da rigorosa legislação ambiental, cuja aplicação traria impactos significativos sobre a produção de alimentos. Nesse contexto, o Deputado Federal Aldo Rebelo (PC do B), através do Projeto de Lei 1876/1999, em discussão atualmente no Congresso, propôs uma série de modificações no Código Florestal que alterariam as áreas de preservação permanente (APPs) e a Reserva Legal (RL). Entre elas, os topos de morros, montanhas e serras deixariam de ser áreas de preservação permanente, o que significa que seriam permitidas ocupações como moradia e utilização dessas áreas para cultivo agrícola. Devemos lembrar, porém, que foi por essas ocupações irregulares que ocorreram deslizamentos de terra na região serrana do Rio de Janeiro, há poucos meses atrás, deixando mais de 800 pessoas mortas e centenas de desabrigados. A ocupação dessas áreas de risco contabiliza perdas econômicas, ambientais e de vidas humanas. Só no caso do RJ, calculou-se um prejuízo de mais de 200 milhões de reais. Em Santa Catarina, em 2008, o Vale do Itajaí também sofreu sérias conseqüências, com mais de 130 mortes devido às ocupações irregulares. De acordo com o relatório do Centro de Informações de Recursos Ambientais e Hidrometeorologia de Santa Catarina, 84% das áreas atingidas pelos deslizamentos haviam sido desmatadas e alteradas pelo ser humano, sendo que apenas 15% dos deslizamentos ocorreram em áreas com cobertura florestal. Ou seja, deslizamentos de terra em morros podem ocorrer espontaneamente, sem a interferência do ser humano, mas a vegetação nativa ajuda a conter a força das enxurradas. Então por que continuamos a insistir em construir moradias nessas áreas vulneráveis?




 Foto: Encosta protegida por mata nativa - Mondaí - SC
Com relação às APPs dos cursos de água, discute-se a redução da metragem exigida atualmente. A legislação prevê 30 metros de mata ciliar a partir das margens de córregos ou rios com até 10 metros de largura. A proposta é que se reduza essa distância em até 50% para rios com até 5 metros de largura, ficando a cargo dos Estados a alternativa de reduzi-la ainda mais. Isso daria a possibilidade de se firmar 7,50 metros de cada lado dos cursos de água. O mesmo raciocínio sobre a ocupação irregular de morros e encostas se aplica às APPs de margens de rios, cuja ocupação e retirada da vegetação ciliar protetora propiciam desbarrancamentos e enchentes que atingem principalmente as plantações e moradias que se localizam mais próximas de suas águas. Exemplo concreto é o que ocorreu em Alagoas e Pernambuco no ano de 2010, pelo transbordamento dos rios e estreitamento das calhas dos canais, com intensa destruição de edificações e infra-estrutura urbana nas faixas marginais dos cursos de água. O Relatório de Inspeção nas áreas atingidas pelas chuvas no Rio de Janeiro relatou vários casos em outros estados de plantações nas margens das APPs dos rios totalmente destruídas, como lavouras de milho no Rio Mirim, em SC, e no Distrito de Bonsucesso, em Teresópolis/RJ, evidenciando a perda de solo fértil e de edificações nas margens desses cursos de água. Fica evidente que o argumento de que se perderão terras para a produção de alimentos mantendo-se as APPs preservadas não condiz com a realidade e o caos social e ambiental que se vem observando ao longo dos anos, quando as perdas econômicas são muito maiores em decorrência das degradações e da utilização irregular e desenfreada dessas áreas. É evidente que as chuvas, os tornados e os deslizamentos ocorrem há milhões de anos, e continuarão a ocorrer, com ou sem a interferência humana, restando-nos apenas a incumbência de não se ocupar essas áreas. A legislação não foi feita para punir este ou aquele trabalhador, nem para estancar o crescimento econômico do país, mas para garantir a sobrevivência da diversidade biológica e o bem-estar da população humana. Ou alguém acredita que perdas humanas e pessoas desabrigadas que precisam ser realocadas, além de perdas na agricultura pelas enchentes e desabamentos não contabilizam custos para a sociedade e para o governo?
            Outra proposta controversa diz respeito à Reserva Legal (RL). A reserva legal é uma área de preservação distinta da área de preservação permanente, e que tem a função ambiental de facilitar a movimentação e a conservação da fauna e da flora em meio aos ambientes fragmentados. A proposta de Rebelo é de que elimine a exigência da RL para imóveis com até 4 módulos fiscais. O tamanho do módulo fiscal é variável de acordo com a região do país. Na Amazônia Legal, por exemplo, parte do território tem o módulo fiscal definido em 100 hectares, o que quer dizer que propriedades com até 400 ha ficariam dispensadas de destinar área de RL. Aqui na nossa região, cada módulo corresponde a 20 ha; então áreas com até 80 ha não precisariam de RL. O que se propõe também é a conjugação de APPs e RL em pequenas propriedades. Ocorre que atualmente a legislação prevê que propriedades com até 30 ha, aqui na região sul, possam computar APPs com RL, numa proporção de 25% da área da propriedade.
            Além disso, propõe-se ainda que um proprietário possa adquirir sua Cota de Reserva Legal no mesmo bioma. Um bioma é um grande ecossistema terrestre, como a Mata Atlântica. Isso quer dizer que um proprietário aqui da região poderia adquirir uma área de RL em qualquer um dos 15 estados onde ocorre a Mata Atlântica. Mas, e a função da Reserva Legal? E a formação dos corredores ecológicos? Adquirir uma área preservada distante não garantirá a sobrevivência e o fluxo das espécies locais e de uma determinada região. Além do mais, é preciso esclarecer que para as pequenas propriedades ou posses rurais familiares, nessas áreas podem ser computados plantios de árvores frutíferas e até mesmo exóticas, desde que cultivadas em consórcio com espécies nativas. Dessa forma, vê-se que não são áreas intocáveis e inutilizáveis na propriedade, mas são áreas que permitem algum tipo de manejo e contribuem também para a proteção da biodiversidade.
             Sendo assim, acreditamos que se faz necessário e urgente adequar o Código Florestal às demandas atuais, mas não de forma a isentar a população, urbana ou rural, de qualquer responsabilidade ambiental. Computar Reserva Legal   e Área de preservação Permanente nas pequenas propriedades, subsidiar os proprietários que realizam serviços ambientais, ou seja, incentivo àqueles que preservam, trabalho de manejo adequado nas áreas de reserva legal e elaboração de projetos de RL pelos órgãos públicos aos pequenos proprietários rurais, para que não tenham despesas com estes serviços, são algumas questões que precisam ser avaliadas e colocadas em prática.
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Bióloga, Ms. em Ecologia, Técnica Ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA)/Ag. Santa Rosa
Fotos: Darci Bergmann 



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