28 de novembro de 2010

NUVEM ASSASSINA II

Por Darci Bergmann




Agrotóxicos: Da lavoura até os nossos lares.

Com o surgimento dos pesticidas, a humanidade foi levada a crer que muitas mazelas seriam eliminadas. As colheitas seriam mais fartas, vetores de doenças seriam controlados e as habitações estariam livres de insetos e outros bichos indesejáveis. A formas de aplicação de tais produtos se diversificaram. E os equipamentos também. A biotecnologia, na sua variante dos transgênicos, ampliou o leque de uso de alguns princípios ativos. Este é o caso do glifosato, dessecante agora usado na cultura da soja.

Por outro lado, surgiram as preocupações sobre os efeitos colaterais no meio ambiente e sobre a saúde humana.

As limitações de uso, informações toxicológicas e cuidados no manuseio constam das bulas e rótulos. A legislação que regulamenta o uso de agrotóxicos, também denominados agroquímicos, defensivos, pesticidas ou venenos, evoluiu muito nas últimas décadas. À primeira vista parece que a sociedade dispõe de mecanismos de controle de tais substâncias e que essas já não causam mais os problemas antes verificados. Mas será possível afirmar, com segurança, que estamos livres dos problemas do mau uso dos agrotóxicos?

Veneno de lavoura aplicado em pessoas.

Se, por um lado, ocorreu o banimento de alguns produtos, como é o caso dos inseticidas organoclorados, estes de alta persistência no ambiente, por outro surgiram os tipos mais brandos, caso dos piretróides sintéticos. Tudo parecia se encaminhar para o uso seguro da agroquímica. Os piretróides e outros grupos de agrotóxicos não se restringiram à agropecuária. Chegaram às prateleiras dos supermercados e das farmácias. Foram e ainda são borrifados nos domicílios e acreditem, nas cabeças das pessoas afetadas por piolhos. Isto mesmo. Nas farmácias é possível encontrar agrotóxico deltametrina, do grupo dos piretróides, registrado para o combate ao piolho humano. Os agrotóxicos usados em ambientes domiciliares, recebem o nome de domissanitários e agora fazem parte do que se chama saneamento ambiental. Na verdade, tudo isso é uma maquiagem que tenta acobertar o lado obscuro dos efeitos colaterais de tais produtos. Esses efeitos podem não ser de toxidez aguda, aquela que se manifesta na hora do manuseio, mas podem ser de longo prazo. Muitos desses agrotóxicos tem ação crônica, causam efeitos neurotóxicos e estados depressivos. Alguns agrotóxicos, incluindo os piretróides, agem como hormônios femininos sintéticos, causando feminilização dos machos. Já existem estudos que demonstram tais fatos. Somados a outros agentes químicos de uso cotidiano, tais como os aditivos dos plásticos, detergentes, etc. pode-se ter uma idéia da variedade imensa de substâncias presentes no ambiente, com efeitos ainda desconhecidos. Ouve-se muito falar que cada produto, antes de ser lançado no mercado, é exaustivamente estudado. São testados em cobaias, estas com ciclo de vida mais curto que o da espécie humana. Também a persistência ambiental é analisada. Mas no momento de se fazer o registro junto à ANVISA ou junto ao MAPA podem ocorrer omissões sobre alguns comportamentos dos produtos. Alguns princípios ativos decompõem-se pela ação microbiana do solo, ou pela ação da luz solar e do calor. Mas a decomposição do produto original pode resultar em outros compostos com efeitos desconhecidos.



Os agrotóxicos espargidos nas lavouras se espalham por todo o ambiente.


Na agricultura, é comum a mistura de diversos pesticidas, muitas vezes em desacordo com as recomendações dos fabricantes. Produtos não registrados para determinadas culturas são nelas aplicados por conveniência de vendedores, que não se preocupam com as questões ambientais envolvidas. Via terrestre ou via aérea, os agrotóxicos espargidos sobre os cultivos não se limitam a combater invasoras, pragas e moléstias. Percorrem caminhos que vão além desses limites. Ultimamente, tem diminuído o volume de água nessas aplicações. Isso representa economia de tempo e redução de custos ao usuário. No entanto, isso também significa que as gotas de água que espalham o princípio ativo sobre a lavoura tem tamanho menor e algumas, muito diminutas, não atingem a área pulverizada, flutuando no espaço, arrastadas pelas correntes de ar. É o efeito da DERIVA. Já foram feitos vários estudos sobre o efeito deriva e de como atenuá-lo, visando maior eficiência dos agrotóxicos e diminuição dos impactos ambientais. Sabe-se que altas temperaturas do ambiente, no momento da aplicação, provocam a movimentação das moléculas do ar, com correntes ascendentes. Na primavera e verão são comuns na região da campanha temperaturas em torno dos 40ºC, após o meio-dia. Nesses horários, com o sol quase a pino, é possível ver a distorção das imagens pela movimentação do ar, mesmo que não haja vento perceptível. Em anos anteriores, nos trabalhos a campo, com teodolito ou nível, havia dificuldade de operar à longa distância, pois as imagens da baliza ou da mira falante pareciam distorcidas e a leitura não era confiável. Essa movimentação intensa do ar, pelas altas temperaturas, limita a aplicação dos agrotóxicos. Além disso, nesses horários mais quentes, a umidade relativa do ar é mais baixa. Com isso as gotas de água carregadas de agrotóxicos tornam-se mais leves ainda, pela evaporação. Parte do princípio ativo pode se volatilizar e se dispersar no espaço, carregado pelas correntes de ar. Daí se pode deduzir que os horários mais favoráveis para aplicação de agrotóxicos são aqueles das primeiras horas da manhã, ou à tardinha e melhor ainda se fossem à noite, quando o ar mais úmido faz com que as gotas se precipitem sobre a área pulverizada. Outro fator limitante é o vento no momento da pulverização. Tanto no que se refere à velocidade, quanto na direção e sentido do mesmo. Em aplicações terrestres, com ventos de 10 Km/h já observei deriva acentuada até vários metros além da faixa pulverizada. Nas aplicações aéreas o quadro é ainda mais preocupante, pois depende, também, da altura de vôo. Nesse caso a velocidade máxima do vento não pode ultrapassar os 8 Km/h, observados os outros parâmetros, como temperatura do ambiente e umidade relativa do ar. Para se ter um idéia da força do vento, quando este atinge os 9Km/h já é capaz de movimentar as gigantescas pás dos geradores eólicos de energia elétrica.



Aviação agrícola: O mito das aplicações seguras.



Os fabricantes de equipamentos para aplicação aérea desenvolveram dispositivos que tendem a diminuir os efeitos da deriva. Também as embalagens dos produtos, na sua maioria, são recolhidas e encaminhadas às centrais de recolhimento. Dá-se muita ênfase a esse aspecto da questão. Isso, aliado a muita publicidade, passa à opinião pública uma idéia de que as aplicações aéreas de agrotóxicos são seguras e feitas por equipes especializadas.

A legislação brasileira estabeleceu parâmetros ou normas operacionais para as aplicações aéreas de agrotóxicos. Os pilotos, assim como os técnicos responsáveis pelas empresas de aviação agrícola, recebem treinamento sobre a atividade. Conhecem a legislação pertinente. A Lei também determina que toda a aplicação aérea de agrotóxico seja precedida de planejamento operacional e se as condições meteorológicas não forem adequadas no momento da operação, esta deve ser cancelada. Então, com tudo isso poderia se deduzir que o meio ambiente e a saúde pública estão livres dos problemas dos agrotóxicos, especialmente quando aplicados via aérea. Ledo engano. Na prática, a realidade é outra. Uma vez que a equipe de aplicação aérea se deslocou até o local da área a ser pulverizada dificilmente ela cancela o serviço, mesmo diante de condições meteorológicas desfavoráveis. A fiscalização a campo se torna difícil e onerosa e depende muito de ação denunciadora de vítimas do mau uso da aviação agrícola. As vítimas tem dificuldade de encaminhar queixas com provas dos danos sofridos em suas propriedades. Ocorre que as provas dependem de laudos técnicos e muitas vezes faltam recursos financeiros para custeá-los. Outras vezes, os prejudicados não querem se indispor com algum vizinho ou até não conseguem testemunhas pelos mesmos motivos. Em reuniões comunitárias, já ouvi muitos relatos de problemas causados pelo uso de agrotóxicos, via aérea. Todos esperam alguma coisa das autoridades constituídas. Estas, por sua vez, quase sempre se omitem, por motivos vários. Alguns prefeitos, vereadores ou mesmo deputados relutam em tomar medidas, pois temem contrariar aliados políticos ligados às empresas de aviação agrícola, que tem poder econômico. Encaminhar projetos de lei às Câmaras Municipais, visando coibir situações de abuso ou de restrições de uso, via aérea, de algum agrotóxico, esbarra na argumentação de que o assunto é da alçada federal. Existe, portanto, uma brecha entre o que diz a Lei e a realidade fática. Por isso são poucos os casos que vêm à tona e que resultam em ações judiciais. Tem-se notado que muitas vezes as partes envolvidas nessa questão fazem acertos para reparar os prejuízos financeiros. Mas os problemas ambientais decorrentes continuam e se avolumam.




Os municípios podem legislar sobre os agrotóxicos e aviação agrícola?

Nos anos de 2003 e 2004, foram realizadas duas conferências municipais sobre meio ambiente, em São Borja. Na última, com a participação de quatrocentas pessoas, foi aprovada proposta de proibição de uso, via aérea, no território do Município de São Borja, de agrotóxicos formulados com os seguintes princípios ativos: inseticida CARBOFURAN (componente do produto comercial FURADAN 100 G e outros ), herbicidas 2,4-D e CLOMAZONE (componente do GAMIT). Como Secretário Municipal do Meio Ambiente, fiquei incumbido de redigir anteprojeto de lei e encaminhá-lo ao Gabinete do Prefeito. A matéria, com ampla justificativa, foi enviada à Consultoria Jurídica, que a considerou inconstitucional, já que seria de competência da União legislar sobre o tema. Frustrou-se, assim, a expectativa de centenas de pessoas e quem sabe de milhares de outras indiretamente. Se transformada em projeto de lei, a questão abriria enorme discussão e seria uma forma de esclarecer à opinião pública sobre o uso dos agrotóxicos e suas conseqüências. Alguns municípios romperam as barreiras e tomaram medidas restritivas com relação aos agrotóxicos. O Brasil, pelo tamanho do seu território e pelas peculiaridades regionais e locais, não pode ficar restrito à tutela federal no que tange à restrição de uso de alguns agrotóxicos, especialmente via aérea.

Em decorrência de situações graves e pelas brechas da legislação federal e estadual, os municípios começam a se mobilizar. Existem situações específicas e mesmo a precariedade da fiscalização que justificam a interferência dos municípios na questão dos agrotóxicos.



Da minha experiência pessoal com aviação agrícola



Tive experiência própria com a atividade de aviação agrícola, por dois anos, no início dos anos 1980. Na época eu tinha revenda de agrotóxicos. Acompanhei à campo várias aplicações aéreas. As normas operacionais da aviação agrícola, do Ministério da Agricultura, ainda não haviam sido estabelecidas, o que veio a ocorrer em l.983, com a Portaria 009/83 e seu anexo da Secretaria de Defesa Sanitária Vegetal. Constatei que, sempre que se aumentava o volume de água por hectare, aumentava a eficiência da aplicação, desde que as condições meteorológicas fossem favoráveis. Foram feitas aplicações aéreas com o lagarticida biológico Dipel, à base de Bacillus thuringiensis, com excelente controle de lagartas em soja. Tal produto só não fazia melhor efeito quando o volume de água era reduzido. Cheguei até imaginar que um dia teríamos uma ampla gama de produtos biológicos, sem efeitos nocivos à saúde humana e animal ou ao meio ambiente. No entanto, assisto, tantos anos depois, um desvirtuamento da atividade da aviação agrícola, quando se refere ao uso de agrotóxicos. Mesmo com toda a parafernália de equipamentos, legislação federal e o marketing das empresas que garantem eficiência, segurança, etc. a realidade é outra. Deixo claro que não tenho objeções aos demais usos da aviação agrícola, como, por exemplo: semeadura, aplicação de fertilizantes, combate a incêndios, etc. Meu questionamento refere-se à aplicação aérea de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente em geral. Mesmo que algumas empresas e pilotos tenham mais consciência nessa questão e procuram se adequar à legislação, existem fatores que extrapolam essas precauções, pelos motivos que exponho a seguir.

1- As aeronaves sobrevoam áreas bem maiores daquelas que são objeto da pulverização. Isto provoca grande turbulência no ar e as microgotas se espalham ainda mais no ambiente.


2- As pulverizações em baixo volume são realizadas sob grande pressão nos bicos, partilhando ainda mais as gotas. Isto, aliado à velocidade da aeronave, favorece a evaporação da água (veículo) e a volatilização do agrotóxico. A baixa umidade relativa do ar e as altas temperaturas agravam a situação, assim como a velocidade e direção dos ventos.

3- O vácuo formado pela aeronave provoca o arrastamento das partículas até centenas de metros após o fechamento dos bicos no final de cada tiro.

4- Quanto menor a área pulverizada, maior a contaminação ambiental, no entorno.

5- As áreas com relevo ondulado, caso das coxilhas, não permitem altura padrão sobre a cultura a ser pulverizada. Isto provoca deriva maior, quanto maior for a altura de vôo. As temperaturas das massas de ar nas áreas onduladas são diferentes nas partes mais altas e baixas e a deposição das gotas não fica homogênea.

6- Para se ter uma idéia do tamanho de uma gota, basta ver o seguinte exemplo. Se o volume de calda (água mais produto) a ser aplicado num hectare for 20 litros, teremos o seguinte:

20 = 20.000 ml; 1 hectare=10.000 m²

Ou 20.000ml/10.000m²= 2ml/m2

Vale dizer que em cada porção de 1 m² de área serão aplicados apenas 2ml de calda de agrotóxico. A divisão desse pequeno volume provoca gotas de diversos tamanhos, algumas tão pequenas que tem o aspecto de névoa. Outras são impercetíveis. Com isso tem-se uma idéia do que ocorre durante uma aplicação aérea. Imagine se as condições meteorológicas forem adversas.



Numa edição do programa Globo Rural, foi mostrado trabalho de pesquisa sobre deriva de agrotóxicos nos Estados Unidos. Com aparelhagem ultra-sensível, conseguiram detectar a presença de pequeníssimas gotas do produto a dezenas de quilômetros do local de aplicação, via aérea, em condições meteorológicas consideradas normais.

Em certa ocasião, notei clorose acentuada em folhas de cinamomo, na verdade houve o branqueamento das folhas e logo deduzi que os sintomas se referiam à ação fitotóxica de herbicida à base de CLOMAZONE (GAMIT). Depois constatei que foi feita aplicação aérea com esse produto em lavoura de arroz situada a quase três mil metros do local onde havia observado os danos. Não havia outra lavoura nas imediações. As correntes de ar levaram o produto a longa distância. Era um dia de calor, mas os ventos eram normais. Talvez o leitor se surpreenda e há quem queira contestar o que já foi presenciado por mim. Em épocas de aplicação de herbicida, o ir e vir de aeronaves agrícolas sobre um mesmo local, mesmo sem estar aplicando o produto, pode provocar ação fitotóxica. Isto é perceptível na primavera, nos dias quentes, quando as folhas novas das árvores caducifólias, ficam deformadas. Nessa época inicia a aplicação de herbicidas nas lavouras de arroz aqui na região. São freqüentes os relatos sobre isso. Ocorre que podem estar ocorrendo pequenos vazamentos de calda, quase imperceptíveis. Também é possível a volatilização do produto, especialmente em dias de muito calor. A pressão exercida dentro do tanque força a saída do produto volatilizado pelos bicos de pulverização. Tal possibilidade ficou demonstrada com outro fato que presenciei. Um pulverizador do tipo costal, de 20 litros, vazio e que havia sido usado para aplicação de herbicida, foi deixado no sol próximo a plantas de vaso. Horas depois, as plantas apresentaram folhas murchas num raio de quase três metros a partir do pulverizador costal. No dia seguinte algumas folhas estavam cloróticas e uma planta secou completamente dias depois. Sabe-se, por exemplo, que os herbicidas à base de 2,4-D são altamente voláteis e causam grandes danos nas plantas denominadas popularmente como de “folhas largas”, diferentes das gramíneas. Embora as restrições de uso, o 2,4-D ainda é aplicado via aérea, como pude comprovar em perícias judiciais.



Alguns casos reais de deriva de agrotóxicos



A soja transgênica foi saudada como um grande avanço. Realmente, à primeira vista, parecia resolver um problema sério que é a infestação da lavoura pelos inços. A aplicação de herbicida à base de glifosato permite o controle das invasoras em estágio avançado dentro do cultivo. Mas todo o remédio químico certamente tem efeitos colaterais e não deve ser apregoado como a única solução. Não vou me ater a efeitos de longo prazo, desconhecidos e que não posso comprovar. Mas vou me referir a fatos já constatados. Via terrestre o uso sem critérios de glifosato está dizimando a vegetação marginal das lavouras e aquela protetora das encostas ou taludes das estradas. Com isso, aumenta a erosão do solo por falta da forração vegetal. No que se refere à aplicação aérea, o problema é similar, com uma agravante: a deriva atinge outras culturas suscetíveis ao glifosato mesmo a centenas ou milhares de metros. Atuei como perito numa ação judicial, onde a parte autora pediu indenização por danos em lavoura de arroz provocados pelo herbicida glifosato usado em lavoura de soja transgênica. A maior parte do herbicida na soja havia sido feita com aeronave. Com ventos de 14 Km/H e no sentido da lavoura de arroz, a deriva levou o glifosato a centenas de metros, em quantidade suficiente para liquidar uma parcela de arroz germinado a poucos dias.





15 de novembro de 2010

Nuvem assassina

Por Darci Bergmann

O sol já despontava no horizonte
Naquela manhã primaveril
Centenas de aves, talvez mil
Nas cercanias do arrozal
Escurraçadas pelo ronco infernal
 De algo espargindo gotículas
Densa nuvem de partículas
Sob as asas da nave cabal.

Decorria o tempo, o sol já abrasava
E o vento mais forte anunciava
Que a nuvem artificial espraiava
Gotinhas ao longe, lá na planura.
Arbustos, árvores e o abrigo da saracura,
Tudo envolto pela névoa fumacenta
Da ave impiedosa e agourenta
Insanidade beirando à  loucura.

Passados os dias, o arrozal mostrava
Plantas mortas em meio à cultura
Nas copadas, em volta, folhas com brancura
Até nos cinamomos e na cina-cina
No rincão ermo a ganância vira sina
De alguns que pilotam sem escrúpulo
Os tempos mudam, este é o crepúsculo
Novo tempo virá, sem nuvem assassina.  (Darci Bergmann, 10/10/2008).

O poema acima refere-se à aplicação aérea de herbicidas. Nem todos os pilotos e empresas são conscientes.   As aplicações aéreas de herbicidas e agrotóxicos em geral causam derivas e parte do produto atinge o ambiente no entorno. Os aviões sobrevoam áreas fora da área-alvo e isso cria uma turbulência que aumenta as derivas. As condições meteorológicas mudam no decorrer das aplicações e isso é motivo para que o serviço seja suspenso. Na prática, na maioria das vezes, isso não ocorre. Muitas espécies nativas da nossa flora estão sendo dizimadas por herbicidas, à base de glifosato, clomazone e 2,4-D. As formulações comerciais de clomazone são extremamente voláteis. Este produto causa uma clorose esbranquiçada nas folhas. Algumas espécies são mais sensíveis ao produto, como é o caso da canafístula (Pelthophorum dubium), do cinamomo (Melia azedarach), entre outras. A biodiversidade do Bioma Pampa está sendo afetada por essas derivas aéreas. As empresas aero-agrícolas se defendem e propagam que são fiscalizadas. Na prática, lá no campo, não tem nenhuma fiscalização. 

1 de novembro de 2010

Cuba entre a transgênese e a agroecologia

Por Leonardo Padura*

É paradoxal um país tropical, com larga experiência agrícola e pecuária, necessitar investir tantos recursos na importação de alimentos, afirma neste artigo exclusivo Leonardo Padura.

HAVANA, Cuba, 1º de novembro (Tierramérica).- Quando, em 1990, começou o colapso que levaria ao desaparecimento da União Soviética, os campos da ilha de Cuba sentiram um efeito imediato: da terra dos sovietes deixaram de chegar os navios carregados de fertilizantes e pesticidas que sustentavam a produção agrícola deste país caribenho. Como resposta a uma crise de produção que se fez patente, em 1992 foi criado o movimento de agricultura orgânica.

O que naquele momento parecia um salto ao passado (como a volta ao esterco) podia ser, na realidade, um olhar para o futuro. O modelo agrícola cubano seguia os esquemas socialistas da agricultura estatizada. Como resultado da reforma agrária iniciada em 1959, tão logo chegou ao poder a revolução liderada por Fidel Castro, a maior porcentagem das terras (cerca de três quartos) pertenciam ao Estado e eram cultivadas por empresas estatais (ou não eram cultivadas).

O resto pertencia a diversos modelos cooperativos e a camponeses privados. E, tanto umas quanto outras, aplicavam produtos químicos às suas colheitas e apenas excepcionalmente eram praticadas experiências hoje chamadas “ecológicas”. A crise financeira desatada na década de 1990 impediu a compra de fertilizantes e forçou uma mudança nos métodos agrícolas. Foi fomentada a criação de cooperativas e houve uma tentativa de descentralizar as estruturas e a posse da terra, diversificar os cultivos e inclusive levá-los às cidades.

As respostas quantitativas não foram satisfatórias, e em 2009 a ilha precisava importar 80% dos alimentos que consumia. É paradoxal um país tropical, com longa experiência agrícola e pecuária, precisar investir tantos recursos para importar alimentos que poderiam ser obtidos em seu território nacional em quantidades que inclusive permitiriam a exportação. Problemas organizacionais, econômicos e até conceituais do modelo socialista estavam – e estão – afetando um setor no qual foram introduzidas mudanças aceleradas, como as novas formas de posse da terra e a comercialização.

Entretanto, a concepção de uma agricultura sustentável baseada na agroecologia se vê diante de nova ameaça, tanto ou mais perigosa do que a de uma produção estatizada e apoiada em insumos químicos: os cultivos transgênicos. Apesar de na mídia cubana se falar muito pouco sobre a existência de experiências com transgênicos, e a sociedade, como conjunto, viver de costas para esta realidade, um grupo de cientistas lançou um grito de alarme.

A partir de um conhecimento profundo, estes pesquisadores começam a reagir diante de uma experiência que poderia provocar danos maiores do que os de outras políticas agrárias de ingrata lembrança, como a ideia de secar o Pântano de Zapata, hoje tido como o maior do Caribe insular, ou a criação do “Cordão de Havana” – que derrubou árvores frutíferas centenárias para semear um cinturão cafeeiro do qual nunca se colheu um grão –, até a quase total dependência de fertilizantes e pesticidas soviéticos.

Outros testes perigosos, aplicados como solução para aumentar a produção agropecuária, também não tiveram os resultados esperados. A queima dos campos de cana-de-açúcar, adotada nos anos 1970 para facilitar o corte, afetou rendimentos e acabou arruinando grandes extensões de terras, nas quais por quase dois séculos foi cultivada a cana com excelentes dividendos.

Tampouco os diversos cruzamentos de raças de gado bovino levaram a um aumento na quantidade de carne e leite, e a massa pecuária cubana não recuperou os níveis que tinha há meio século. A formação científica foi uma das premissas do Estado em seus planos futuros. E, hoje, alguns desses especialistas se questionam quanto a um procedimento que consideram inadequado.

A introdução de transgênicos, especificamente do milho, não constitui apenas uma resposta à necessidade de diminuir importações e aumentar a produção. Também representa uma mostra da prevalência de duas concepções diferentes, que teoricamente podem coincidir, mas, segundo os estudiosos, são inconciliáveis. A contradição entre transgênicos e agroecologia tem sua essência no fato de a extensão de cultivos manipulados geneticamente poder afetar a biodiversidade, a independência dos produtores e, inclusive, colocar em risco a saúde humana, como demonstram diversos estudos clínicos com animais.

A agroecologia, por sua vez, é um conceito amplo do desenvolvimento que pretende adaptar a produtividade de alimentos aos ciclos naturais, contribui para garantir a sustentabilidade e é produtiva quando aplicada com métodos e políticas adequadas. Vozes autorizadas consideram que em Cuba não é necessário recorrer aos transgênicos, sobretudo quanto já foi demonstrada a efetividade do modelo agroecológico para fornecer alimentos suficientes.

Assim, impõem-se investimentos em recursos suficientes para desenvolver todo seu potencial e a queda dos entraves da burocracia estatal e do controle excessivo sobre os meios de produção. A persistência desses obstáculos ficou evidente com o anúncio da liberalização da venda de equipamentos de trabalho (roupa, luvas, botas), e utensílios para lavrar a terra, a camponeses e agricultores, sem ter de esperar a entrega pelo Estado. Ainda assim, a disponibilidade não atende todas as necessidades de camponeses e cooperativas.

Com esta insuficiência dos meios mais rudimentares, é difícil esperar que em algum momento possam ser atendidas as grandes expectativas de produção. Por outro lado, em certos laboratórios são destinados recursos suficientes para testar a introdução de transgênicos, pois são vistos como uma possibilidade de realizar esse salto para a produtividade que tem se mostrado tão esquivo. Não se trata de reeditar a velha contradição entre civilização e barbárie, mas de ouvir os que reclamam uma moratória no plantio de transgênicos e o início de um debate, com participação de cientistas e outros atores da sociedade, sobre sua viabilidade, apesar dos riscos que contém.
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* Escritor cubano. Sus novelas han sido traducidas a una decena de idiomas y han ganado numerosos premios en Cuba y el extranjero. Derechos exclusivos IPS.