11 de fevereiro de 2010

O BRECHÓ E A VIÚVA



                                                       

Por Darci Bergmann

   Fazia um calor danado naquele veranico de maio. Numa dessas noites quentes tomei um ônibus e viajei até a capital. Levava só algumas tralhas, pois voltaria na noite seguinte. Para surpresa minha, o tempo mudara e já ao desembarcar em Porto Alegre fazia um frio de arrepiar. A situação exigia uma tomada de providências. Enquanto tomava um café para aquentar o corpo, ocorreu-me a idéia de por em prática aquele princípio de reutilizar as coisas que já estão no ambiente, sem que seja necessário adquirir novos produtos. A isso chamam de perciclagem. Então decidi ir a um brechó para ver da possibilidade de encontrar um blazer ou coisa assim. Nunca tinha ido antes, talvez até por preconceito ou por aquela vaidade idiota que me assolou por um bom tempo. Ou até porque um amigo meu, bem aquinhoado financeiramente e chegado ao consumo desmedido, tinha restrições às mercadorias de brechós. Dizia ele que não compraria peça de vestuário nesses locais. Um dos motivos por ele alegado era de que um blazer bonito poderia ter pertencido a algum mafioso. Ou quem sabe a alguém que já morreu. Chegou a repetir que não usava coisas que foram usadas pelos mortos.
   Naquelas alturas, premido pelo frio e até por uma questão de consciência ambiental, deixei de lado os preconceitos. Adentrei no brechó só de artigos masculinos. O atendente era alfaiate profissional. Fiquei impressionado com a quantidade e qualidade dos artigos ali expostos e tudo a um preço acessível. Depois de experimentar algumas peças decidi-me por um blazer de meia lã, praticamente novo, por menos da metade do preço de loja naquela ocasião. Saí dali elegantemente vestido, com alta moral, pois vencera mais um preconceito. A reutilização de coisas usadas é uma necessidade que se impõe para diminuirmos o lixo no planeta.
    Mas a história não terminou ainda. Depois de alguns meses, recebi a visita do meu amigo que não gostava de usar coisas que os mortos usaram. Era um dia de certo frio e na conversa regada por um café cada um contou um pouco das coisas da vida. Fiquei sabendo que ele havia desfeito o namoro. Estava agora com um novo relacionamento. A nova namorada era uma viúva, muito bonita e, segundo ele, muito bem conservada. Chegou até a dizer que agora acertou na escolha. Eu lhe desejei muita sorte e felicidade. Antes de se despedir, o meu amigo fez um reparo. Achou muito bonito o blazer que eu vestia e perguntou onde eu tinha comprado. Expliquei-lhe, então, que fora adquirido num brechó da capital. Com certa ironia lhe disse que talvez o primeiro dono do blazer já tivesse morrido. Meu amigo entendeu a deixa e retrucou: o tempo muda nossas percepções. Agora entendo porque é preciso dar valor às coisas que já foram usadas pelos mortos. Deu um sorriso e saiu porque a viúva o aguardava.

Foto: Darci Bergmann

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