9 de setembro de 2011

Beijo fatal

Foto: Darci Bergmann
Beija-flor-de-papo-branco (Leucochloris albicollis, Vieillot, 1818)*

Por Darci Bergmann

            O caso que relato ocorreu no jardim de uma residência. A casa, apesar de não ser uma mansão, é muito bonita. No jardim bem cuidado, árvores e arbustos convivem com espécies floríferas herbáceas. Devido à boa diversidade de plantas, o local sempre atraiu muitas aves, especialmente os beija-flores. Esse jardim era o sonho da proprietária que, após muitos anos de investimento, conseguiu realizá-lo. Tudo ali se harmonizava e a paisagem passava uma sensação de paz e bem estar. Os pássaros, então, eram uma atração à parte.
             Quem por ali passava ficava impressionado com a quantidade de beija-flores, que se deliciavam com o néctar dos camarões-amarelos, das russélias, dos malvaviscos e de outras plantas. Mas o assédio à proprietária deixaria marcas profundas na convivência paradisíaca de plantas e bichos. Até que o pior aconteceu. A notícia da tragédia se espalhara pelas redondezas e quem olhava aquele jardim naquela primavera sentia que algo inusitado ali ocorrera. As flores exuberantes estavam ali. Mas nenhum beija-flor era visto no jardim inteiro. O que ocorrera, afinal? Os detetives apresentaram muitas versões sobre o caso. Até que a proprietária do jardim resolveu confessar o “delito”. Ela fora seduzida. Conforme ela, alguém lhe sugerira que os beija-flores poderiam ser alimentados de forma suplementar com aqueles bebedouros de plástico. Depois de muitas recomendações, ela entrara numa dessas lojas e adquirira vários desses dispositivos. Neles colocou água açucarada e espalhou-os pelo jardim. As avezinhas foram atraídas pelo alimento fácil e rapidamente se adaptaram aos dispositivos artificiais. Tudo corria bem até que a proprietária teve que se ausentar da casa por alguns dias. Na volta, os sinais da tragédia. Beija-flores mortos por todo o jardim e até nas moradias vizinhas.
              Não houve intenção deliberada de matar as avezinhas, o que absolve a proprietária. Ocorreu que a água açucarada não fora trocada na freqüência habitual, por um desses descuidos casuais. Os dias quentes propiciaram a fermentação do açúcar o que resultou na formação de álcool - este a causa mortis das avezinhas.
             O desfecho do caso mostra que a intervenção na natureza pode ser desastrosa. Um jardim quanto mais natural e quanto mais espécies vegetais tem, é capaz de suprir uma gama muito grande de espécies animais. Portanto, não devemos exagerar com dispositivos artificiais, porque estes, em qualquer falha de manejo, podem causar grandes distúrbios. No caso dos beija-flores, cada beijo na flor de plástico com água açucarada, foi um beijo fatal.

*Nota do blog:: O plantio de espécies com floração atrativa aos beija-flores dispensa o uso de dispositivos artificiais

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