23 de outubro de 2012

O fim da grande floresta

Imagem que acompanha o texto original, de 1979*

Há mais de trinta anos se debate sobre a destruição da floresta amazônica. Algumas previsões se confirmaram. Atualmente, alguns atores dessa devastação já estão melhor identificados.
Apresento na íntegra, matéria publicada em 1979*. Eis o texto:

O fim da grande floresta
José Lutzenberger, um dos agrônomos mais considerados em todo o país, principalmente porque não cansa de gritar em defesa da natureza, diz que o que está acontecendo hoje na Amazônia ‘é uma das páginas mais tristes e negras de toda a história da civilização’. Pois de acordo com Lutzenbegrer está sendo destruída em ritmo acelerado a última grande floresta do nosso planeta, que tem mais de quatro milhões de quilômetros quadrados de extensão.

E de quem é a culpa pela destruição desenfreada dessa importante floresta? Para o agrônomo Lutzenberger pode-se acusar a tecnocracia imediatista e totalitária, que hoje domina o mundo. Essa tecnocracia - que significa a ditadura de certos técnicos – é que guia a exploração feita pelas grandes empresas estrangeiras que exploram a Amazônia. ‘Pois essa tenocracia’, diz Lutzenberger, ‘está se preparando para consumir a grande floresta depois de já ter destruído quase todas as culturas genuínas do mundo’.

 ‘Nós, brasileiros, devemos nos sentir orgulhosos, diz ele. Isso porque incluímos ainda em nossas fronteiras o último grande complexo natural mais ou menos intacto de todo o mundo. Esse privilégio, continua ele, significa para nós tremenda responsabilidade. Entretanto estamos nos comportando como irresponsáveis e imbecis. É certo que o homem tem direito a cometer erros. É, inclusive, através do erro que se aprende. Agora neste caso, como diz, trata-se de um erro  para o qual não há direito. Porque é um erro de conseqüencias irreversíveis, sem reparo’.

Lutzenberger explica que a floresta amazônica demorou milhões de anos de lenta e paciente evolução orgânica para formar-se. Durante dezenas de milhares de anos os inúmeros ecossistemas da floresta passaram por um processo de adaptação às grandes flutuações do clima do globo. ‘É muito fácil destruir esse complexo maravilhoso. Mas depois da destruição, uma possível recuperação levará outros milhares de anos. Isso se não houver maciço extermínio das espécies. Pois as espécies perdidas jamais voltarão. E hoje mesmo já são milhares as espécies apagadas.  E com cada espécie exterminada o universo fica mais pobre’.
Outro que grita em defesa do solo brasileiro é o senador Evandro Carreira, do estado do Amazonas. Quando esteve em Porto Alegre no mês passado, participando de um ciclo de debates intitulado A Amazônia é nossa?, o senador afirmou que a destruição da grande floresta é ‘mais séria do que muitos imaginam’. ‘Já foram destruídos 30 milhões de hectares na Amazônia’, assegurou o senador. ‘E a continuar ocorrendo um desmatamento tão violento como o que está acontecendo, em breve vai haver um aumento do nível dos mares em 30 metros enquanto a região pode se transformar em um deserto de capoeiras’.
De acordo com as palavras do senador, a destruição da Amazônia esconde um fato muito grave. Trata-se de um plano sinistro das empresas multinacionais que tem projetos na área ( como o Projeto Jari que explora 300 mil hectares ) para as quais a destruição é uma finalidade com terceiras intenções. O senador explica que, se houver um desmatamento muito grande, provocando o desequilíbrio da natureza, o Brasil será denunciado  junto aos órgãos internacionais como a ONU e a OEA por estar praticando um crime contra a floresta. Então será pedida a internacionalização da Amazônia porque o nosso país foi incompetente e não soube preservar essa riqueza. Assim, a Amazônia não seria mais do Brasil e sua exploração seria feita por todos os estrangeiros interessados.
Ele lembra ainda que o solo da Amazônia não se presta para a exploração da pecuária como estão fazendo diversas empresas. Bem pelo contrário, uma planta nativa, como a castanha, ou mesmo o peixe, rendem muito mais, se a natureza for preservada na Amazônia. ’Uma amêndoa, por exemplo, tem a mesma quantidade de proteínas que tem um bife de 100 gramas’, afirma o senador. ‘E o que precisamos é mesmo de proteínas. A Amazônia é um grande celeiro da humanidade que está se esvaindo porque não sabemos desfrutar suas potencialidades’.
Uma destruição maciça da cobertura florestal da Amazônia como a que está em marcha, além da destruição total de ecossistemas, garante Lutzenberger que significará a perda definitiva de dezenas de milhares de espécies e também significará grandes desequilíbrios na natureza. Mas não serão apenas a floresta, as árvores as prejudicadas com a devastação. A bacia dos rios da Amazônia, que é o maior sistema hídrico do mundo, também está ameaçada de graves desequilíbrios.
‘Hoje mesmo’, conta o agrônomo, já se pode observar o começo deste desequilíbrio. Na região de Manaus, que é a capital do estado do Amazonas, estão morrendo todos os igapós. Isto se deve às derrubadas na nascente do rio em Manaus. O próprio desnível entre a cheia e a estiagem, que antes era bem marcado, atinge agora extremos que fazem com que os igapós não consigam mais sobreviver’
Fenômeno semelhante já se observa ao longo do Rio Paraná. E José Lutzenberger diz que o que está por vir em termos de inundações e estiagens não se pode fazer idéia. ‘Se continuarem ocorrendo estas destruições logo logo vão acontecer na Amazônia as maiores enchentes do mundo’.

*texto publicado na revista Agricultura & Cooperativismo, abril de 1979, páginas 26 e 27


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