Já de algum tempo estou intrigado com uma forma de paisagismo que se afasta cada vez mais da natureza. Seria a influência do artificialismo que já tomou conta das nossas cidades? Na minha concepção a implantação de jardins, parques e outras áreas verdes deveria ser uma reaproximação com a natureza, respeitadas as limitações impostas pelas áreas urbanas. No entanto, algumas dessas chamadas áreas ajardinadas primam pela ostentação, estão repletas de elementos até agressivos ao meio ambiente saudável e as plantas se tornam meros enfeites que não tem ligação entre si, tudo isso desvinculado do mundo natural.
Já fui consultado várias vezes sobre algumas espécies de árvores que poderiam ser colocadas nas áreas livres dos terrenos, com as condicionantes impostas pelos proprietários. Não raras vezes, pessoas queriam árvores que não derrubassem folhas e flores sobre o gramado. Uma dessas consulentes chegou ao absurdo de indagar se teria alguma árvore artificial para não causar sujeira. A esse absurdo respondi com certa ironia. Disse à madame que as plantas perdem as folhas por um processo natural. Algumas vão trocando aos poucos as folhas velhas e que cumpriram as suas funções de realizar a fotossíntese e são eliminadas num processo fisiológico, da mesma forma como nós humanos vamos ao banheiro fazer as nossas necessidades.
Alguns jardins são vitrines de esbanjamento de matérias primas. Sob o pretexto de reaproveitar materiais chega-se ao absurdo de utilizar centenas de dormentes e postes esquadrejados de madeira para forração do solo. Por mais que esses materiais sejam tratados e dispostos sobre uma camada de brita, nessa condição eles reduzem a vida útil, o que não aconteceria se a forração fosse de pedras ou material similar.
Também existe uma estranha mania de se instalar os fire place, uma espécie de pira só prá enfeitar o jardim à noite, queimando lenha que percorreu muitos quilômetros para chegar até ali. Essas piras não tem função de aquecimento ou para cocção de alimentos. É por mero deleite mesmo, como se o Planeta pudesse sustentar esse glamour.
Com relação à iluminação do jardim, a sofisticação faz a alegria dos fabricantes de material elétrico, tamanha a diversidade e custos altos dos dispositivos que são implantados. Nesse aspecto também existe um impacto gritante sobre a natureza. Acontece que o excesso de iluminação acaba por confundir e desorientar as aves, insetos e outros animais. O ideal que não houvesse nenhuma iluminação, mas nos casos em que ela é necessária que seja a mais discreta possível.
Constata-se em alguns jardins na linha clean, com poucas plantas, a excessiva impermeabilização do solo. A pobreza de quantidade e variedade em plantas, também significa menos diversidade de espécies animais. Jardins assim podem até ser mais fáceis de cuidar, mas são monótonos. Eles não expressam a explosão de vida que existe num país predominantemente tropical como o Brasil.
Chamado para uma vistoria técnica num jardim particular, fiquei impressionado com um fato: todas as plantas do jardim eram exóticas. Espaço tinha de sobra para acomodar bem algumas árvores nativas, mas não havia nenhuma. Nada tenho contra o uso de espécies exóticas. Algumas delas são lindas e também as utilizo nos meus projetos. É preciso equilibrar o número de espécies, até por uma questão educativa e de manutenção da biodiversidade. Há quem conheça toda uma gama de plantas ornamentais exóticas e quase nada das nossas espécies nativas.
Repito: os paisagistas devem olhar para os jardins e áreas verdes em geral como uma possibilidade de reaproximação do ser humano com a natureza. O valor da biodiversidade deverá sobrepor os elementos excessivamente artificiais.
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