25 de maio de 2011

Aprovação do Código Florestal pela Câmara aumenta pressão sobre Dilma

MEIO AMBIENTE | 25.05.2011


Após adiamentos, debates acalorados e ataques entre políticos, o texto-base que altera o Código Florestal brasileiro passou pelo primeiro obstáculo. Antes de chegar à presidente, a controversa lei passará pelo Senado.

Depois de semanas de suspense e conflitos, nas primeiras horas desta quarta-feira (25/05), a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Código Florestal brasileiro, por 410 votos a favor e 63 contrários. Mas a novela ainda não terminou. O texto precisa agora ser aprovado pelo Senado para, então, seguir para a ratificação da presidente, Dilma Rousseff.
De todas as polêmicas em torno da lei que regulamenta a maior extensão florestal do mundo, a emenda 164, sobre a área de preservação permanente (APP), foi a que levantou o debate mais acalorado. Segundo a lei até agora vigente, estas faixas de terra – localizadas em margens de nascentes, córregos, rios, lagos, represas, no topo de morros, em dunas, encostas, manguezais, restingas e veredas, inclusive em áreas urbanas – devem permanecer intocadas.
Mas para Marina Silva, senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, todo o texto-base redigido pelo deputado Aldo Rebelo é problemático. "Lamentavelmente, o que saiu foi mais um código agrário do que um código florestal, permitindo pecuária, plantio de eucaliptos e de pinos e agricultura às margens de rios, topos de morros e nas nascentes. É um retrocesso em todos os sentidos", lamentou.Marina Silva: 'texto-base é problemático'Marina Silva: 'texto-base é problemático'
164, o centro da disputa
A controversa emenda – aprovada por 273 votos a favor, 182 contra e duas abstenções – vai perdoar quem nunca obedeceu a esse parágrafo do código. Assim, as atividades agrícolas e pecuárias em áreas de preservação permanentes já ocupadas serão regularizadas.
Segundo o texto, o perdão só valerá para aqueles que desmataram APPs até 22 de julho de 2008 – data de publicação do segundo decreto que regulamentou as infrações contra o meio ambiente. A emenda também dá aos estados o poder de estabelecer outras atividades que possam justificar a regularização de áreas desmatadas, o que foi recebido a contragosto pelo governo federal, que reivindica poder único de decisão nesse quesito.
Antes da votação, o líder da bancada governista na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza, alertou que a presidente vetará a liberação de atividades nas APPs caso o texto não seja mudado no Senado. Estima-se que 20% do território brasileiro estejam em áreas de preservação permanente.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que "é clara a posição da presidenta Dilma. Ela não aceita anistia a desmatador. Ela não aceita desmatamento em áreas de preservação permanente. Tem que recuperar reserva legal e tem que ter manejo. Tem que entender a situação da agricultura familiar diferenciada, que no Sul e no Sudeste é diferente da da Amazônia".
Elke Mannigel, coordenadora dos projetos internacionais da fundação alemã OroVerde e que já trabalhou na Amazônia, teme o futuro da floresta: "Para a preservação florestal, é um retrocesso. O Brasil estava na frente antes, com as leis que tinha, que eram muito mais fortes". Não só o perdão dos criminosos ambientais é um ponto crítico, mas a "licença para desmatar" pode colocar em cheque o compromisso assumido pelo governo de reduzir a derrubada da Amazônia, avalia a especialista.
"Campanha nacional pelo veto"
Marina Silva divide a opinião de Mannigel: "O desmatamento, que aumentou em 450% no estado o Mato Grosso só pela expectativa da aprovação da lei, agora vai ficar fora de controle". Ainda há a discussão no Senado, mas nessa esfera o debate é ainda mais difícil do que na Câmara dos Deputados.
A senadora diz que atuará fortemente para alertar os colegas a corrigir todos os "erros no texto" aprovado pelos deputados. "Se isso não for possível, restará fazer uma campanha nacional pelo veto. Porque no segundo turno, quando a presidente Dilma buscou meu apoio, eu encaminhei uma série de pontos pedindo o comprometimento dela. E um dos compromissos que ela assumiu foi vetar qualquer lei que significasse aumento de desmatamento."Desmatamento na AmazôniaDesmatamento na Amazônia
O defensor do projeto
O relator Aldo Rebelo argumenta que trabalhou a favor dos pequenos produtores e da agricultura do país: "O Brasil precisa defender os seus agricultores da concorrência interesseira da agricultura subsidiada dos países ricos, que, lamentavelmente, têm aliados declarados ou ingênuos. Não imagino na Europa defensores da agricultura francesa sendo vaiados por seus compatriotas, nem defensores da agricultura norte-americana sendo vaiados por seus conterrâneos".
A legislação florestal brasileira, de 1965, foi sendo alterada por medidas provisórias, decretos, portarias ministeriais, resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente, entre outros. Segundo Rebelo, "o país tem hoje 16 mil normas federais, estaduais e municipais, que tratam do mesmo assunto".
O Código Florestal prevê duas estruturas de proteção ao meio ambiente: as áreas de preservação permanentes e a reserva legal, área de mata nativa dentro das propriedades rurais que não pode ser desmatada. No novo texto, os índices de preservação da reserva legal dentro de uma propriedade se mantiveram: na Amazônia, 80% das terras em áreas de floresta devem permanecer intactas; 35% em áreas de cerrado; e 20% em campos gerais. Nas demais regiões do Brasil, 20%.
O desmatamento ilegal nas APPs e de reserva legal na Amazônia é o crime mais comum contra o Código Florestal, segundo dados do Ibama, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Até 22 de julho de 2008, foram registradas 13 mil multas pelo órgão, no valor equivalente a 2,4 bilhões de reais.
Conflito com marca de sangue
Enquanto os deputados aprovavam as mudanças no Código, um crime era cometido no Assentamento Agroextrativista Praia Alta Piranheira, em Nova Ipixuna, no sul do Pará. Um assassinato provavelmente motivado pelo mesmo debate que se dava em Brasília. José Claudio Ribeiro e sua esposa, Maria do Espírito Santo, foram atacados por dois pistoleiros, segundo informações divulgadas pelo Ministério Público.
Ele vivia da extração de castanhas e outras frutas na floresta, morava num local protegido por lei onde corte de árvores era ilegal. Durante uma palestra no TEDxAmazônia, em outubro de 2010, Claudio contou que se negava a negociar com os madeireiros da região, que denunciava os crimes e que, por isso, recebia ameaças. Numa de sua falas, ele previu: "A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes, querem fazer comigo".
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer
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Mais sobre o tema:


MEIO AMBIENTE | 26.05.2011

Nova lei ambiental pode prejudicar credibilidade brasileira no exterior

Com a aprovação do novo Código Florestal, a produção agrícola no Brasil pode voltar a ser associada ao desmatamento, já que a derrubada de árvores pode aumentar com as mudanças na lei ambiental.

A mesma plateia que aplaudiu as iniciativas brasileiras para frear o desmatamento e impulsionar o mundo rumo ao desenvolvimento sustentável, agora volta a olhar o cenário com preocupação.
"O afrouxamento das leis ambientais para favorecer a agricultura terá uma repercussão negativa. Afinal, o aumento da produção (agrícola e pecuária) terá um custo ambiental à custa da Amazônia, que tem toda essa percepção no exterior", avalia Fabíola Zerbini, secretária-executiva da Forest Stewardship Council, FSC, no Brasil.
A organização é baseada em Bonn, na Alemanha, e no Brasil é conhecida como Conselho Brasileiro de Manejo Florestal. O selo da FSC é encontrado em diversos produtos nos supermercados europeus, originários de florestas com manejo certificado – com garantia de boas práticas ecológicas, benefícios sociais e viabilidade econômica.
A Europa, que recebe boa parte dos produtos agrícolas e da carne de origem brasileira e exige cada vez mais responsabilidade ambiental, pode voltar a ficar desconfiada. Em conversa com a Deutsche Welle, Marina Silva faz uma previsão pouco animadora.
"O desmatamento vai aumentar, com prejuízo para as florestas, para a biodiversidade, para os recursos hídricos e prejuízo duplo para a agricultura, porque mina as bases naturais do nosso desenvolvimento e também porque, novamente, o agronegócio brasileiro vai ser associado ao desmatamento", advertiu nesta quarta-feira (25/05) a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.
Amarras para agricultura
O tema é controverso. Flávio Viegas, presidente da Associtrus, Associação Brasileira de Citricultores, diz que o setor é a favor do novo texto, aprovado na madrugada desta quarta-feira. "E rejeitamos a pecha de antiambientalistas e destruidores da natureza. A nossa posição é a do Brasil, de forma geral", disse à Deutsche Welle.
O setor é responsável por 60% da produção mundial de suco de laranja, e faz do Brasil o campeão de exportações do produto. Segundo Viegas, o cenário brasileiro de citricultura é composto por 90% de pequenos produtores, cujas propriedades têm menos de 60 hectares.
Na visão da Associtrus, o Código Florestal vigente, de 1965, destoa da realidade da agricultura brasileira. "E inviabiliza muitas atividades. Em Santa Catarina, por exemplo, as maçãs são plantadas em encostas. O café é plantado em região de encosta em Minas Gerais. Quanto à produção de leite, os pastos ficam em encostas de montanhas", argumenta Viegas, se referindo à proibição de atividade econômica em área de proteção permanente, APP, conforme a lei ainda vigente e prestes a mudar.
Entre os produtores de laranja, o desrespeito mais comum ao código é a ausência de reserva legal. Segundo a legislação, toda a propriedade é obrigada a manter uma área de mata nativa que não pode ser desmatada. O novo texto aprovado pelos deputados isenta os pequenos produtores da obrigatoriedade de recompor a reserva legal em propriedades de até quatro módulos fiscais – um módulo pode variar de 40 hectares a 100 hectares.Plantação de soja no Mato Grosso Plantação de soja no Mato Grosso
Na contramão
Marina Silva não se deixa convencer pelos argumentos dos produtores e vê, ao longo de todo o texto da proposta do novo código, pequenos incentivos para o aumento do desmatamento. A suspensão do embargo automático, por exemplo, é um dos pontos citados pela ex-ministra.
Segundo o decreto assinado ainda no governo Lula, quando o Ibama constatava um desmatamento ilegal, a área em questão era embargada. "Quem plantasse, comprasse e transportasse os produtos dessa área era passível também de ser punido. E automaticamente os créditos para os embargados eram vedados. Agora isso tudo está suspenso."
Para Flávio Viegas, a legislação atual beira a inviabilidade. "Gostaríamos que esse Código Florestal brasileiro fosse aplicado em todos os países do mundo, inclusive na Europa, o que seria inviável. O nível de proteção no Brasil é muito superior ao da Europa. "A representante da FSC chama a atenção para outro caso polêmico – e que envolve os europeus: "A China nunca priorizou o meio ambiente, mas todo mundo continua comprando os produtos agrícolas chineses."
No caso do Brasil, que propaga internacionalmente uma postura mais sustentável, o caso pode ser diferente. "Se haverá efeito comercial, não podemos dizer. Mas pode ser que venham retaliações do campo público", supõe Fabíola Zerbini.
A decisão final sobre as alterações do Código Florestal vai passar pelas mãos de quem é considerado o maior plantador de soja do mundo. Blairo Maggi, empresário e senador, foi eleito pelo Mato Grosso – estado responsável por 480 km2 do total de 593 km2 desmatados na Amazônia entre março e abril de 2011, segundo dados de satélites do Inpe. O Senado prevê que a discussão do texto possa durar até quatro meses, antes de seguir para a sanção da presidente, Dilma Rousseff. 
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer
Fonte: DW (Deutsche Welle)
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Alterações no Código Florestal:

O que dizem os especialistas

"A partir de agora, a Reserva Legal poderá passar para 50% em muitos Estados e conter espécies exóticas. Ou seja, na prática a Reserva Legal vai passar de 80% não para 50%, mas para 25%. Estamos dizendo que 55% poderá ser desmatado legalmente. É isso o que este Código prepara para a Amazônia"Jean Paul Metzguer, professor da Universidade de São Paulo (USP)

"Se a Dilma Rousseff não vetar em nada o Código, como aprovado pela Câmara dos Deputados, há o risco de aumento do desmatamento. A sensação de impunidade mostra que o desmate pode continuar. A presidente precisa entrar em campo, porque até agora não entrou"
 Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)

"A votação do Código e aprovação dele como está, em relação à Amazônia, representa a perda de um fantástico potencial capaz de melhorar a vida da maior parte da população regional e também perda de uma enorme riqueza para o Brasil"
 Bertha Becker, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Academia Brasileira de Ciências 

"O Brasil é um país injusto. Não merece o sangue derramado por brasileiros que protegem suas florestas. A aprovação do novo Código Florestal no mesmo dia do assassinato de duas lideranças extrativistas reativa as mesmas causas que levaram ao assassinato de Chico Mendes, o desmatamento em áreas de floresta habitadas e protegidas. É urgente encontrar um equilíbrio entre meio ambiente e agricultura para evitar a proliferação de conflitos na Amazônia".
Mary Allegretti, antropóloga e professora visitante das universidades Yale, Chicago, Florida e Wisconsin-Madison, nos EUA.
Fonte:O Eco
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Infográfico: Mudanças no Código Florestal


A Câmara dos Deputados aprovou por ampla maioria nesta terça-feira o texto que altera o Código Florestal, depois de intensas negociações entre o relator, deputado Aldo Rebelo (PCdoB), o governo e parlamentares.

O texto será encaminhado ao Senado. Se for modificado pelos senadores, volta à Câmara. Se aprovado, segue para sanção presidencial.

Confira como é o Código atualmente e como fica após as mudanças na lei. 


Fonte: Yahoo

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