21 de janeiro de 2010

A LAJOTA



Por Darci Bergmann


Dia desses, fui consultado sobre o plantio de árvores no passeio público. O consulente reformara a calçada, colocando lajotas quadradas de 0,30m, ou seja, pouco mais de um palmo de largura. De trecho em trecho, rente ao cordão do passeio público, deixara um espaço sem lajota. Nesses espaços seriam plantadas as árvores. E árvores frondosas que dessem bastante sombra, pois o calor da primavera e do verão lhe seria insuportável. Ouvi atentamente o interessado. Como a rede elétrica passava do outro lado da rua, seria possível o plantio de árvores de porte médio. A largura da calçada se aproximava dos três metros. Depois de várias sugestões, o cliente optou pela espécie ingá-feijão (Inga marginata) . No entanto, havia uma limitação: os quadrados de 0,30m para abertura de covas não permitiriam o bom desenvolvimento das mudas. Além disso, a pequena distância do centro de cada cova até o cordão da calçada seria outro fator limitante.
Ponderei ao cliente que o centro de cada cova deveria ficar a 0,80m do cordão da calçada e que as covas tivessem, no mínimo 0,60m de lado e outro tanto de profundidade. Isto implicaria em retirar lajotas. Foi objetado que o gasto com a reforma fora alto e que a ampliação do espaço para o plantio estragaria, em parte, o serviço feito.
Argumentei em favor da saúde das árvores. Para isso covas mais amplas permitiriam mais espaço livre em torno das mudas, favorecendo a infiltração das águas e a aeração do solo. Além disso, as raízes teriam mais espaço para o seu desenvolvimento, dando boa sustentação às árvores e maior possibilidade de extração de nutrientes minerais. Finalmente, sugeri que além do local mais amplo para cada cova, deixasse ainda uma área livre de lajotas ao longo do passeio público e ali colocasse grama. Tudo isso para aumentar a infiltração de água no solo e diminuição do calor retido na pavimentação. Terminada a consulta, aguardei a resposta do consulente nos dias seguintes. O desfecho foi favorável às árvores. As covas foram ampliadas e as mudas se transformaram em frondosas copadas.
O fato acima narrado é uma realidade na arborização das nossas cidades. Geralmente as pessoas dão exagerado valor à estética artificializada. As ruas estão se tornando corredores agressivos, atulhados de painéis, redes elétricas, obstáculos de toda a ordem sobre as calçadas, inclusive os receptáculos fixos para lixo. Dá-se mais importância ao automóvel, rei absoluto a quem os tecnocratas reverenciam com todas as vantagens no planejamento urbano. Chega-se ao ponto de estreitar os já minguados passeios públicos para que a ostentação motorizada reine na urbe. Como se isso não bastasse, as marquises e corpos avançados sobre os passeios públicos asfixiam ainda mais as ruas. Ruas assim tornam-se um caldeirão poluído: badulaques, trambolhos, barulho e pouco oxigênio. Espaço para as árvores, nem falar. Nos meses mais quentes do ano, o desconforto é total. As lojas acionam equipamentos para refrigeração, gastando energia cara e que muitas vezes é gerada com a degradação ambiental. O melhor sistema de refrigeração e oxigenação é relegado a um papel secundário: é o verde urbano. Resgatá-lo é tarefa que se impõe a todos os homens públicos responsáveis. Mas os cidadãos podem e devem participar, começando com o plantio adequado de árvores nos seus quintais e passeios públicos. É bom sempre consultar profissionais sérios. Até os pedreiros são importantes nesse processo e deveriam fazer cursos de arborização urbana. Assim, nas reformas de calçadas, as árvores seriam melhor tratadas.


Fotos - 1) De cima: Rua de Porto Alegre-RS; arborização adequada, com faixa de forração que melhora a infiltração das águas pluviais.

2) De baixo: Árvore da espécie sibipiruna Caesalpinia pelthophoroides em rua de São Borja-RS. Plantio muito rente à pista; cova de pequenas dimensões. Fotos: Darci Bergmann

Artigo publicado no jornal Alternativo, 17/10/2008, Pg 16, São Borja-RS

Um comentário:

Beto Kaos Z Deja-vu disse...

Realmente nossas cidades estão cada dia mais acizentadas e sufocantes.
Removem árvores e no lugar placas de todos os tipos e tamanhos nos cegam tirando até mesmo a beleza arquitetônica de um prédio antigo.
Os grandes culpados que seguem disparados na desordem caótica de nossas cidades são os automóveis e transportes urbanos em geral.
Ao contrário de países da Europa como Holanda, em que o automóvel vai perdendo cada dia mais espaço, em todos os sentidos, e as pessoas pedalando, patinando, ou simplesmente andando ao invés de girar a chave da poluição (ignição.
E temos culpa juntamente com nossos governantes que em muitos casos nem se quer sabem escrever o próprio nome, e os que sabem fazem pouco caso das questões ambientais.
São mentes fechadas, concretadas desde de seu nascimento e no concreto serão sepultados.