21 de agosto de 2012

A reforma agrária e o mito das terras improdutivas

'Reforma agrária': O cartunista Juca Risi resumiu o pensamento de muitas pessoas
sobre o modelo e critérios do que tem sido  a 'reforma agrária' no Brasil.

Por Darci Bergmann

                         Nem a reforma agrária nem a expansão do agronegócio justificam as ocupações predatórias das áreas públicas já destinadas à conservação da biodiversidade.
                         Enquanto ambientalistas tentam desesperadamente salvar a integridade das unidades de conservação, existem grupos que as consideram ‘terras improdutivas’ e, portanto, sujeitas à ‘ocupação’. Essa visão distorcida, que não leva em conta os serviços ambientais dessas áreas, permeia desde os setores do latifúndio até alguns radicais que defendem uma pretensa ‘reforma agrária’.

Esse conceito predatório também é percebido nas áreas urbanas. Em muitas cidades brasileiras, os espaços verdes públicos são alvos de invasões e ocupações predatórias. Jardins botânicos e parques estão nessa lista.
Tudo fica mais complicado quando autoridades, que deveriam zelar pela coisa pública, são complacentes e omissas nessas questões. Não faltam oportunistas que organizam os grupos de invasores sempre com o pretexto de que estão ‘em situação de vulnerabilidade social’. Num estudo feito no Rio de Janeiro, foi revelado que a maior parte dos ocupantes de uma área no Jardim Botânico tinha uma renda bem superior à média brasileira. ‘Gente necessitada’ com alto padrão de vida e carro do ano.
A distorcida e oportunista visão das ‘terras improdutivas’ também foi uma tentativa recente para ocupação, por parte de alguns integrantes ligados ao MST, de uma área pertencente à UFSM - Universidade Federal de Santa Maria. Área esta transferida pela União à UFSM com o fim claro de ali promover a pesquisa e a educação nas áreas agropastoris, em conjunto com a FEPAGRO – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária. O fato gerou reação de perplexidade na comunidade regional e já foi motivo de várias matérias neste blog. Foi protocolada ação no Ministério Público Federal para providências.
Uma radiografia pelos biomas brasileiros mostra o quanto eles estão sendo degradados e as unidades de conservação fatiadas e reduzidas a pretexto de grandes obras como as hidrelétricas. Algumas dessas obras são altamente questionáveis pelos impactos sócio-ambientais que elas geram. Populações milenares, como as de algumas tribos indígenas, são vítimas. Vão ser transferidas, engrossando a lista dos problemas sociais que advirão depois.

A falta de oportunidades de emprego e renda nas cidades gerou a expectativa de que no campo estaria a solução através de assentamentos.

É paradoxal a questão agrária no Brasil. Houve grande migração do campo para as áreas urbanas e hoje a maioria da população é urbana.
Mas, convenhamos, seria prático levar ao campo gente que já perdeu a tradição de ‘lidar com a terra’? E continua saindo gente da terra, especialmente os jovens por falta de incentivo, por falta de uma política agrícola diferenciada.
Sobre isso, exponho aqui alguns fatos da experiência chinesa, nos tempos de Mao Tse Tung. Fizeram uma reforma agrária e levaram ao campo em pequenas glebas, centenas de milhões de pessoas. Na China daquela época, em torno de 80% da população era rural, ou seja, quase oitocentos milhões de pessoas. As famílias chinesas assentadas tiravam algum sustento e no conjunto até produziam um bom volume de alimentos. Mas insuficiente para saciar a fome da população crescente. A China estagnou. Os agricultores  viviam em condições precárias. Foi quando se deram conta de que deveriam reduzir o número de propriedades agrícolas inviáveis e partir para a industrialização. Ao mesmo tempo implantaram um austero programa de controle da natalidade, pois não tinha sentido em partilhar ainda mais as já diminutas propriedades rurais. Uma reforma agrária com aumento da propriedade rural e uma reforma demográfica.
  Os chineses resolveram apostar na industrialização e agora exportam para o mundo e compram terras e minas em vários países. Mas tem pessoas que ainda apostam nesse modelo ultrapassado de 'reforma agrária' dos tempos de Mao Tse Tung.
Pode-se até propor um tamanho máximo de propriedade rural, mas também é inviável a fragmentação das propriedades só para assentar pessoas por não terem emprego e renda na cidade. Isto pode gerar um custo adicional que a sociedade como um todo tem que arcar. Além disso, é urgente uma política que estimule os jovens da agricultura familiar a permanecerem no campo.


Novos paradigmas da reforma agrária

Sou a favor de uma reforma agrária com novos conceitos: terra para os quem já têm tradição de produzir. Entre esses, pode-se citar os atingidos pelas grandes barragens, os seringueiros e outros coletores de produtos dos biomas brasileiros que, por gerações, estiveram nos seus locais de trabalho e depois foram expulsos pelo latifúndio e grandes obras imobiliárias. Menciono ainda os índios, as grandes vítimas desse modelo perdulário de colonização, jogados de um lado para outro e vítimas também dessa falácia perpetrada pelo INCRA, na Amazônia brasileira, em décadas passadas. Em matéria amplamente divulgada sob o título ‘A Década da Destruição’ parte dessa história chegou à opinião pública do Brasil e do exterior.

Um pouco da realidade do Rio Grande do Sul:

Um recente levantamento feito pela EMATER, mostra que existem no Estado em torno de trezentas mil propriedades de agricultura familiar. Destas, trinta por cento, ou seja, noventa mil, não têm sucessores devido à migração dos jovens para as cidades por falta de estímulo e de políticas agrícolas para mantê-los na atividade rural. Essas unidades de agricultura familiar, na maioria das vezes, são incorporadas às grandes propriedades no entorno. Aqui se propõe que elas sejam adquiridas pelo INCRA, de forma legal e ali assentados agricultores que perderam suas terras para os grandes empreendimentos tipo hidrelétricas.

Índices de produtividade

Quanto a ser produtiva ou não, fica a pergunta: o INCRA leva em conta, na avaliação da produtividade das propriedades, a realidade geo-ambiental? Muitas áreas do Brasil, embora de relevo suave e aparentemente aptas   ao cultivo, possuem solos rasos e com afloramentos de rocha. Elas são  impróprias  para alguns tipos de cultivos e obtenção de alta produtividade nos termos que o INCRA propõe. Existe ainda o fator clima e as suas mudanças com altos impactos na produção. Quando as condições climáticas são desfavoráveis à produção, mesmo em se adotando altas tecnologias, como o INCRA conceitua os 'níveis de produtividade'?Vejamos o que aconteceu aqui no Rio Grande do Sul com a baixa produtividade da soja e do milho devido à longa estiagem que ainda se reflete quase um ano depois. Vejamos o que está acontecendo nos EUA, país que tem alta produtividade em milho, por exemplo, e onde a estiagem está causando perdas enormes nessa última safra.

A pseudo reforma agrária

Sou sim a favor de uma reforma agrária em novos conceitos, como alguns já expostos acima. Sou, sim, contra essa pseudo-reforma agrária cujo único critério é requisitar qualquer pessoa e colocá-la sob uma barraca de lona como 'sem-terra'.  Um 'assentado' que arrenda a outro a sua gleba adquirida com recursos públicos de toda a sociedade está na mesma condição de um latifundiário especulador. E isso vem ocorrendo de forma escancarada em vários assentamentos. Não em todos, enfatizo
Sou, sim, a favor de que o INCRA defina novos critérios para assentar quem realmente precisa e principalmente tenha política que evite o êxodo rural. Não faz sentido que os agricultores abandonem o campo e não agricultores queiram terras. Alguma coisa está errada nessa questão. 
Uma área natural nunca é improdutiva. É a espécie humana que, com a sua falta de limites e a sua arrogância de sempre ter mais, que degrada a terra. 
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Leia também:
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Um comentário:

Melissa Bergmann disse...

Estou de acordo com o autor do artigo, pois considero que deva haver sim incentivos para as pessoas que moram no campo, especialemente para a agricultura familiar. Na região onde resido, no noroeste do RS, mais de 90% das propriedades têm até 4 módulos fiscais, sendo a maioria delas de agricultura familiar. Sabemos das dificuldades das famílias em se manter na zona rural, especialmente em épocas de estiagem como a que ocorreu neste último ano. Entretanto, uma coisa é apoiar e incentivar as famílias que vivem no campo, outra é disponibilizar terras ou propriedades públicas destinadas a fins específicos a pessoas que muitas vezes nem têm uma ligação com a terra, com o solo, e que acabam se apropriando de algo que não sabem aproveitar ou produzir. Realmente, existem sérios problemas quanto à questão agrária, o desemprego, e por isso os governos e a sociedade devem trabalhar em prol da igualdade de acesso a condições de moradia e emprego a todas as pessoas, criando programas de incentivo aos agricultores, inclusive para aqueles que terão de sair de suas casas devido a construção de barragens, como a que está prevista aqui na região, que atingirá 13 municípios, entre eles Alecrim, Porto Mauá, Novo Machado. Para onde irão essas pessoas? Que impactos acarretará para a região? Nesses casos, sim, deverão ser adquiridas novas áreas para que reconstruam suas vidas. Por isso, somos a favor da agricultura familiar, de manter as pessoas no campo, mas sem "agredir" o patrimônio público, desvinculando-o de sua função, que é, justamente, pública, para ser utilizado em benefício de todos.